Em
conferência de imprensa, na tarde de 2 de abril, Donald Trump assinalou
o “Dia da Libertação”, com a apresentação de uma grelha de 56 linhas com os
nomes de países e com as taxas alfandegárias que os Estados Unidos da América (EUA)
vão impor aos seus produtos. Entre os nomes constantes da lista, sobressaem a
China, com 34%, a União Europeia (UE), com 20%, e o Lesotho, com 50%.
O
espetáculo televisivo foi um verdadeiro comício, com fanfarra, bandeiras e com
outros adereços. Os fiéis, devidamente alinhados, levantavam-se da cadeira, à
medida que o presidente os chamava; espantou o elogio de Brian Pannebecker,
trabalhador do setor automóvel, de colete refletor, como se estivesse
prestes a picar o ponto; e a encenação desfez os protocolos e a tradição em
pedacinhos de papel num colorido final de tarde no Rose Garden.
Daqui resultou
que a administração Trump chegou aos valores, aparentemente, com a fórmula matemática
usada para calcular o défice da balança comercial dos EUA – Δτɩ = (Χɩ - mɩ)
/ (ε * φ* mɩ); que o setor automóvel será o mais afetado, pois os carros
importados terão a taxa de 25%, falando os analistas em constrangimentos; que os
mercados reagiram e a bolsa de Wall Street sofreu imediata queda brutal;
que a China reagiu, garantindo proceder em defesa dos seus cidadãos e dos seus
produtos, e que a Europa responderá convenientemente; e que não se trata de narrativa
caprichosa que insiste em recuperar teorias económicas longínquas, mas que tudo
é planeado e sistematizado, no perfil do conselheiro trumpista e na cadência
das medidas.
Sobre
os primeiros 11 meses da Administração
Trump, o historiador britânico Adam Tooze, professor de História na
Universidade de Columbia em Nova Iorque, escreveu, no seu blogue “Chartbook”:
“É a coisa mais louca que alguém já viu em política económica por uma grande potência
económica”. De facto, a inauguração do “Dia da Libertação” por Donald Trump,
constituiu um novo pacote de medidas protecionistas que significa um ajuste de
contas global: “Durante anos fomos enganados por, praticamente, todos os países
do Mundo, amigos e inimigos, mas esses dias acabaram”, escreveu o historiador, no
Truth Social.
***
As alfândegas puseram em prática tarifas (taxas
alfandegárias) em importações vindas do Canadá, da China e do México e sobre os
setores do aço e do alumínio, que já atingiram mais de 25% das importações. Os
cenários mais pessimistas preveem taxas sobre mais de 60% das importações.
Esta “loucura económica” foi apresentada por Trump e
pelos seus sequazes como uma mistura de políticas de saúde (antidrogas), de anti-imigração
e de reindustrialização. Porém, no dizer de Peter Cohan, professor no Babson
College, em Boston, a verdadeira razão do presidente dos EUA é o gosto de
causar dor nos outros países e de os obrigar a implorar um acordo especial para
os isentar das tarifas, bem como a pretensão de que as tarifas substituam o
imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS). William Halal,
fundador do think tank norte-americano Tech
Cast, corrobora: “A principal motivação por trás das tarifas é ganhar
dinheiro dos contribuintes, para compensar o corte de impostos para os ricos.
Ele também adora o poder que as tarifas lhe dão para forçar outros governos a
fazer o que ele quer.”
Vista da Europa, a política alfandegária de Trump é uma
arma geopolítica de negociação coerciva e de política doméstica. Porém, as
tarifas, ao invés do que dizem os seus preconizadores, não são úteis para o
orçamento federal, para transferir a produção para os EUA ou para reduzir o
défice comercial. O défice comercial só será reduzido, se o dólar diminuir o
seu estatuto de moeda de reserva mundial. Há muitos perdedores nos EUA, onde
passou a falar-se de ‘Trumpcessão’ ou de potencial recessão, e as bolsas caíram.
O índice global MSCI para os mercados de Nova Iorque caiu 6%, só em março, e perdeu
quase 5%, desde início do ano. O Nasdaq, a bolsa das tecnológicas, afundou-se
10%, desde o final de 2024.
É elucidativo um olhar atento pelas etapas desta guerra
comercial. Logo a 1 de fevereiro, o
presidente dos EUA anunciou taxas de 25% sobre importações do México e
do Canadá, uma redução da taxa para 10% sobre importações de energia e potássio
do Canadá e taxa adicional de 10% sobre as importações da China (excetuando as
inferiores a 800 dólares); no dia 3 suspendeu, por 30 dias, as medidas sobre os
dois vizinhos; e, no dia 4, entraram em vigor as taxas sobre cerca de 440 mil
milhões de dólares de importações da China. No comércio de produtos, o
principal défice dos EUA é com a China: quase 300 mil milhões de dólares, em
2024. Ora a China reagiu, lançando o primeiro pacote de retaliações.
A 10 de fevereiro, foram
decretadas, para entrarem
em vigor a 12 de março, taxas de 25% sobre as importações de alumínio e de aço,
que somaram mais de 60 mil milhões de dólares, em 2024. E foi introduzido o
conceito de “tarifas recíprocas”, impondo taxas similares às aplicadas pelos
parceiros comerciais, em cada produto.
A 18 de fevereiro, foram anunciadas, sem data de entrada em vigor, taxas de 25%
sobre outros sectores deficitários, como os semicondutores (os alvos são
Taiwan, a China, a Vietname, a Tailândia e a Malásia) e a farmacêutica (os alvos
são a Irlanda, a Suíça e a Alemanha).
A 26 de fevereiro, o líder
da Casa Branca anunciou,
“para muito breve”, taxas de 25% sobre todas as importações vindas da UE, que
somaram mais de 600 mil milhões de dólares, em 2024. Os EUA registam o segundo
maior défice comercial em produtos com a UE, somando 236 mil milhões de dólares,
em 2024, sobretudo com a Alemanha e com a Irlanda. Em resposta, Bruxelas
anunciou um plano de retaliações em duas fases: a partir de 1 de abril, 50%
sobre o uísque norte-americano e 25% sobre as motos Harley-Davidson; e, a
partir de 13 ou 14 de abril, sobre jeans,
roupa de marca, tabaco, alguns produtos agrícolas.
A 27 de fevereiro, foi reforçada a penalização das importações vindas da
China com uma dose adicional de 10% a partir de 4 de março. A taxa média subirá
para perto de 40%.
A 4 de março, entraram em vigor as taxas sobre importações do Canadá, da China e do México. Otava
retaliou com taxas de 25%, sobre 130 mil milhões de dólares de importações dos
EUA, num plano em três fases: 4 de março, 13 de março e 2 de abril. Pequim
aplica taxas de 10% e de 15%, sobre mais produtos agrícolas importados dos EUA.
A 5 e 6 de março, face à pressão dos grandes construtores
norte-americanos, foram adiadas, para 2 de abril, as taxas sobre importações de automóveis do Canadá e do México. E
Donald Trump isentou todas as importações vindas dos dois vizinhos que estejam abrangidas
pelo Acordo
Estados Unidos-México-Canadá (USMCA).
A 13 de março, o líder norte-americano
ameaçou impor a taxa de 200% sobre
vinhos, champanhes e outras bebidas alcoólicas da UE, caso Bruxelas não revogue
as tarifas sobre o whisky. As exportações deste setor para os EUA valeram 13,1
mil milhões de euros, em 2024.
A 24 de março, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, avançou contra
os “Dirty 15”. O alvo das taxas recíprocas seria centrado nos 15 parceiros
comerciais com quem os EUA registem maiores défices ou verifiquem maiores
desequilíbrios nas taxas bilaterais ou na imposição de barreiras não
alfandegárias. O anúncio foi prometido para 2 de abril, prevendo taxas
diferenciadas por país e por produto e cumulativas com outras já aplicadas.
A 26 de março,
foi anunciada uma taxa de 25%, a vigorar a partir de 2 de abril, sobre
todos os automóveis e seus componentes importados, com exceção dos abrangidos
pelo USMCA ou os componentes de fabrico original norte-americano. As
importações nesta fileira somaram 475 mil milhões de dólares em 2024, representando
15% do total das importações dos EUA. E surgiu a ameaça de taxas de 25%, a
partir de 2 de abril, sobre as exportações para os EUA de todos os clientes do
petróleo venezuelano.
E, a 30 de março, “Wall Street Journal” avançou que, quanto às taxas
recíprocas, está em cima da mesa uma taxa geral até 20%. Trump ameaçou usar
taxas, em relação às exportações para os EUA de clientes do petróleo russo, se
Moscovo não aceitar um cessar-fogo na Ucrânia.
***
Esta calendarização, feita
com propósito firme, embora registe avanços e recuos permite concluir: 27%
das importações dos EUA, em 2024, ou
cerca de 835 mil milhões de euros, foram cobertas pelas novas tarifas aplicadas,
até final de março, abrangendo a China, o Canadá, o México e o setor de aço e de
alumínio; foram dez os anúncios
de taxas para o Canadá, para a China, para o México e para a UE, para o aço e
para o alumínio, para tarifas recíprocas, para automóveis, para clientes do
petróleo da Venezuela, para bebidas alcoólicas da UE, entre outras, tendo, até
final de março, Trump colocado em vigor quatro; e são 15 os países com os quais os EUA registam saldos mais
negativos que serão visados por taxas recíprocas.
As primeiras
estimativas da Comissão Europeia preveem que as empresas europeias paguem mais
de 80 mil milhões de euros em direitos aduaneiros em exportações para os EUA, contra
os sete mil milhões atualmente arrecadados. A UE até é, genericamente taxada,
no dizer de Trump, nuns simpáticos 20%. Em 2024, Portugal exportou 5,3 mil milhões
de euros em bens para os EUA, o que representa cerca de 1,9% do produto interno bruto (PIB).
As principais bolsas nova-iorquinas vergaram com a guerra
comercial de Donald Trump, que na tarde anterior – já depois do fecho de Wall
Street – anunciou as tarifas para (quase) todos os países do Mundo. Na sessão
de 3 de abril, o índice de
referência S&P 500 perdeu 4,84%, para os 5396,61 pontos, no pior dia, em
cinco anos. Já o industrial Dow Jones caiu 3,98% ou 1679 pontos, para os 40545,93
pontos. O tecnológico Nasdaq, o mais castigado, tombou 5,97% ou 1050 pontos,
para os 16550,61 pontos.
Apesar do tombo de Wall Street, ao
longo do dia, o presidente dos EUA, acredita num
“boom” dos mercados, disse que a sua
estratégia comercial estava a “correr muito bem”.
A pesar no Nasdaq, as perdas substanciais das tecnológicas foram
de cerca de 800 mil milhões de dólares, em capitalização bolsista. Por exemplo, as ações da Apple afundaram 9,25%,
no pior dia em bolsa, desde março de 2020. A empresa,
liderada por Tim Cook, produz o iPhone em vários centros fora dos EUA, ficando
sujeito a direitos aduaneiros, ao entrar no mercado norte-americano. A Amazon e
a Nvidia caíram 8,98% e 7,81%, respetivamente, enquanto a dona do facebook
(Meta) e a Tesla perderam 8,96% e 5,47%. A Alphabet (dona do Google) perdeu
3,92% e a Microsoft cedeu 2,36%. E a Nike –
com forte produção no Vietname, país sujeito a tarifas de 46% – e a retalhista
Target saíram afetadas, ao resvalarem 14,46% e 10,9%.
A maior economia do Mundo teve mais um sinal de abrandamento. O Project
Management Institute (PMI) caiu para 50,8 pontos, em março, face à leitura de
53,5, em fevereiro, e o emprego no setor passou para território de contração
pela primeira vez em seis meses – menos 7,7 pontos, para 46,2. Os investidores
aguardam, com expectativa, a posição da Reserva Federal, já que o seu presidente,
Jerome Powell, agendou um discurso para o dia 4, logo após a divulgação do
relatório sobre a evolução do emprego, em março, nos EUA.
***
Donald Trump, no regresso à presidência dos EUA, recolocou as
tarifas aduaneiras no centro da estratégia económica. Sob o pretexto de
corrigir desequilíbrios comerciais e de proteger a indústria norte-americana, a
sua Administração revelou uma fórmula
controversa de cálculo das tarifas impostas aos parceiros comerciais: Δτɩ = (Χɩ - mɩ) / (ε * φ* mɩ).
A base do cálculo recai sobre o saldo comercial
entre os EUA e cada país. Segundo o documento do Departamento do
Representante de Comércio dos EUA (USTR), a fórmula divide o excedente
comercial de um país com os EUA pelas suas exportações totais para o mercado norte-americano.
O resultado é reduzido para metade, originando a taxa descontada de tarifa. Por
exemplo, considerando o caso da UE,
em 2024, os EUA registaram o défice comercial de 235,6 mil milhões de dólares
com a UE e contabilizaram importações de 605,8 mil milhões de dólares, o
cálculo foi o seguinte: Taxa = (Défice comercial dos EUA com a UE) / importações
da UE x 0,5 = 235,6 MM$* / 605,8 MM$ x 0,5 = 19,4% – (* valores do défice
comercial e importações em mil milhões de dólares referentes a 2024). Além do
saldo comercial, a fórmula considera elasticidades económicas: a da procura por
importações (ε) e a dos preços das importações, relativamente às tarifas (ϕ). “Dados
recentes sugerem que a elasticidade é próxima de dois, a longo prazo, mas as
estimativas da elasticidade variam”, refere o Departamento de USTR, vincando
que, “para ser conservador, foram utilizados estudos que encontram
elasticidades mais altas perto de 3-4” e “a elasticidade dos preços de
importação, face às tarifas ϕ, é de 0,25.”
Isto faz com que estas variáveis tenham sido configuradas, para,
na prática, se anularem mutuamente (ε=4 e ϕ=0,25), simplificando a fórmula de
cálculo das tarifas à fórmula essencial que, no caso da UE, resulta na taxa de
19,4%, quando a taxa definida por Trump é de 20%.
Apesar de simples, é questionável a eficácia da fórmula. Ignorar
fatores como a manipulação cambial ou barreiras regulatórias específicas
levanta dúvidas sobre se as tarifas corrigem as distorções comerciais. Além
disso, as taxas apresentadas diferem
das constantes no anexo oficial do decreto presidencial,
gerando mais confusão e incerteza. As tarifas variam entre 0% e 99%, com a
média ponderada global de 41%. Para países com os quais os EUA têm défices
comerciais significativos, como a China, espera-se um impacto direto nas
exportações. Contudo, alguns
analistas temem retaliações comerciais que possam agravar tensões globais. Assim,
Mark Carney, primeiro-ministro canadiano, garantiu que o Canadá combaterá estas
tarifas com contramedidas. E Michael Martin, primeiro-ministro irlandês, frisou
que “qualquer ação deve ser proporcional” e
defender os interesses das empresas, dos trabalhadores e dos cidadãos.
Mais: a fórmula de
cálculo baseia-se apenas no saldo comercial dos EUA, em 2024, ignorando
as barreiras tarifárias que os produtos norte-americanos enfrentam no exterior,
e reflete a abordagem simplificada, mas agressiva,
de reequilíbrio das relações comerciais dos EUA. Embora
seja defensável como um “proxy” para barreiras comerciais complexas, resta saber se atingirá
os objetivos económicos, sem desencadear novos conflitos comerciais. Porém,
Trump usará todos os instrumentos ao seu alcance para reforçar o lema “America
First”.
2025.04.04
– Louro de Carvalho
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