A guerra da Rússia contra a Ucrânia levou, pelo menos, cinco países da União Europeia (UE) a reavaliarem a utilização de minas antipessoais ou minas terrestres, o que fez pairar a perspetiva da sua reintrodução na Europa, após proibição de longa data, ao abrigo da Convenção de Proibição de Minas Antipessoais.
Assim, a Estónia, a Finlândia, a Letónia, a Lituânia e a Polónia anunciaram, recentemente, a sua intenção de se retirarem do tratado, que proíbe a utilização, o armazenamento, a produção e a transferência de minas antipessoal – ação que foi aceite pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu (PE).
***
A Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e
Transferência de Minas Antipessoais e sobre a sua Destruição, de
1997, também conhecida como Tratado
de Ottawa, como Convenção de Proibição
de Minas Antipessoal e, simplesmente, como Tratado de Proibição de Minas, tem em
vista a eliminação do uso de minas antipessoais (APL) pelo Mundo. Até
agosto de 2022, cerca de 164 estados – incluindo todos os estados-membros da
UE, bem como a maioria dos países africanos, asiáticos e americanos – haviam assinado
e ratificado o tratado ou aderido a ele. Porém, as grandes potências
globais, que também são fabricantes anteriores e atuais de minas terrestres,
não fazem parte do tratado. No grupo dos 33 estados que não o assinaram, incluem-se
a China, a Índia, o Paquistão, o Irão, Israel, a Coreia do Norte, a Rússia, a Coreia
do Sul e os Estados Unidos da América (EUA), bem como vários países árabes.Entretanto, a Assembleia Geral das Nações Unidas, a 8 de dezembro de 2005, estabeleceu o Dia Internacional de Sensibilização sobre Minas e Assistência à Desminagem como dia internacional de conscientização sobre minas, a celebrar, anualmente, em 4 de abril, desde 2006.
Esta efeméride é uma resposta à crescente preocupação internacional com o impacto devastador das minas terrestres e dos explosivos remanescentes de guerra sobre as comunidades afetadas por conflitos. Por isso, reconhecendo a necessidade de abordar essa questão, a Assembleia Geral , em resolução de 8 de dezembro de 2005, estabeleceu este dia, com vista a aumentar a conscientização sobre os riscos das minas antipessoais e promover iniciativas que contribuam para sua erradicação. Essa decisão reflete o compromisso global de proteger os civis e de avançar em direção a um mundo livre da ameaça das minas.
Este dia ocorre todos os dias 4 de abril, para maximizar a conscientização pública e o compromisso da comunidade internacional com a luta contra as minas terrestres e contra outros artefactos explosivos. Desde a sua primeira comemoração, em 2006, tornou-se uma plataforma para a divulgação de informações sobre os perigos desses dispositivos, destacando os esforços globais e locais para a sua remoção e reiterando o apelo à ação para a remoção de áreas contaminadas. As atividades comemorativas incluem campanhas educativas, eventos de conscientização e atos de solidariedade com as vítimas de minas terrestres, tudo num esforço para acelerar o progresso, em direção à sua total erradicação.
***
As minas antipessoais foram
amplamente utilizadas, em todo o Mundo, em 2024, de acordo com o relatório Landmine
Monitor 2024, publicado pela Campanha Internacional para a Proibição de Minas
Terrestres – Coligação de Munições de Fragmentação (ICBL-CMC). Em alguns casos,
os exércitos nacionais ou as forças governamentais utilizaram-nas, como é o
caso de Myanmar, que as utiliza desde, pelo menos, 1999, e a Rússia utilizou-as
amplamente na sua invasão da Ucrânia, transformando-a no país mais minado do
Mundo.As minas antipessoais são muito utilizadas por grupos armados não estatais. Foi o que sucedeu, em 2024, na Colômbia, em Gaza, na Índia, em Myanmar, no Paquistão e, provavelmente, no Benim, no Burkina Faso, nos Camarões, na República Democrática do Congo, no Mali, no Níger e na Nigéria. Pelo menos, 58 países, em todo o Mundo, estão contaminados por minas deste tipo. “Sabemos que mais de 80% das vítimas das minas antipessoais são civis e, sobretudo, crianças”, referiu Gilles Carbonnier, vice-presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, que tem as minas antipessoais como “armas do passado”, pois matam e mutilam, principalmente, civis e têm pouca eficácia militar.
Segundo o especialista, muitas vezes, prejudicam o próprio exército, os soldados ou as forças amigas. Depois, a desminagem é altamente dispendiosa e demora muito tempo. Assim, a Croácia ainda não desminou as últimas minas remanescentes das guerras jugoslavas de há 35 anos.
De acordo com o Landmine Monitor 2024, em 2023, as minas antipessoais causaram 833 vítimas, o número anual mais elevado registado, desde 2011. Todavia, além das mortes, deixam longo rasto de feridos e de mutilados, segundo Cecilia Strada, eurodeputada italiana e ex-presidente da ONG Emergency, fundada pelo pai, em 1994. “Vi a primeira pessoa ferida por uma mina terrestre, quando tinha nove anos. Depois, contei centenas delas”, contou, recordando as suas experiências no Afeganistão, no Paquistão, na Serra Leoa e no Camboja.
As principais vítimas são os civis são (84% das vítimas estatisticamente registadas), porque as minas permanecem no local, durante muito tempo, após o fim dos conflitos. “No Afeganistão, vi crianças a pisar minas terrestres colocadas pelos Russos que tinham abandonado o país, há 15 anos”, considerou Cecilia Strada, cuja experiência revela que as mulheres e as crianças são as mais afetadas. Com efeito, numa economia de guerra ou de pós-guerra, os homens estão na frente de batalha ou feridos e não podem trazer o pão para casa. Por isso, as mulheres e as crianças apascentam os rebanhos, tiram água dos rios, cultivam a terra e apanham metais.
A proibição das minas antipessoais é óbvia, face à legislação da UE e das Convenções de Genebra sobre o direito humanitário. Porém, agora, a Europa, ao contemporizar com a retirada de países da convenção, está a ir por um “caminho escorregadio”, no dizer de Cecilia Strada. Na verdade, os ministros da Defesa da Estónia, da Letónia, da Lituânia e da Polónia emitiram uma declaração conjunta a explicar a sua recomendação de se retirarem da Convenção de Otava, citando a “situação de segurança fundamentalmente deteriorada” na região do Báltico.
O Ministério da Defesa da Estónia declarou que não há, de momento, planos para desenvolver, armazenar ou utilizar minas antipessoais”. Porém, estes quatro países bálticos enviam uma clara mensagem, como se lê na declaração: “Os nossos países estão preparados e podem utilizar todas as medidas necessárias para defender o nosso território e a nossa liberdade.”
Por seu turno, o ministro da Defesa da Finlândia explicou a decisão, afirmando: “Retirarmo-nos da Convenção de Otava dar-nos-á a possibilidade de nos prepararmos para as mudanças no ambiente de segurança de uma forma mais versátil.”
“A guerra na Ucrânia demonstrou que as minas antipessoais não guiadas, em combinação com outras minas e sistemas de armas, aumentam a letalidade das forças de defesa, atrasando ou parando os movimentos militares russos em massa”, afirmou o governo letão, informando que o parlamento letão tomará a decisão final sobre a retirada do país da Convenção de Otava.
No entanto, a Letónia não planeia, atualmente, produzir ou transferir minas antipessoais não guiadas para a Ucrânia, embora a utilização das minas não esteja excluída: “Na nossa opinião, as minas antipessoal podem ser utilizadas para dispersar as forças inimigas ou para as canalizar e dirigir, de modo a negar ao inimigo um terreno que não possa ser suficientemente defendido”, lê-se na citada declaração do governo letão.
As instituições da UE estão muito alinhadas com estes planos, apesar de a posição da UE sobre o assunto ser muito clara: “Qualquer utilização de minas antipessoal, em qualquer lugar, a qualquer momento e por qualquer ator continua a ser completamente inaceitável”, lê-se no documento oficial sobre a proibição de minas antipessoais, adotado em 2024.
Assim, a Comissão Europeia, contraditoriamente, não condenou as decisões em causa dos cinco países bálticos. “Contribuímos com mais de 174 milhões de euros desde 2023 para a ação humanitária contra as minas, incluindo 97 milhões de euros especificamente para a desminagem”, recordou o porta-voz da Comissão, Anouar El Anouni, sem comentar os planos de retirada.
O tema foi incluído no relatório anual do PE sobre a “Implementação da Política Comum de Segurança e Defesa”, votado em Estrasburgo. A alteração que “condena, veementemente, a intenção de alguns estados-membros de se retirarem da Convenção de 1997” foi rejeitada por braço no ar. Uma outra moção, apresentada pelo Partido Popular Europeu (PPE) e aprovada com 431 votos a favor, justifica as medidas tomadas pelos países bálticos e culpa a Rússia por elas.
Contudo, as ameaças russas não justificam que os países da UE respondam da mesma forma, de acordo com Gilles Carbonnier, que insiste: “O direito humanitário internacional e os tratados de desarmamento humanitário aplicam-se, precisamente, em circunstâncias excecionais de conflito armado, nas piores circunstâncias. E o direito humanitário internacional não se baseia na reciprocidade, porque isso iria desencadear uma espiral descendente.”
O eurodeputado defende que uma ação deste tipo, por parte dos países da UE, pode provocar um efeito dominó, enviando um sinal negativo aos países que estão em conflito armado e que ainda aderem à Convenção, podendo interrogar-se por que devem continuar a aderir a ela.
***
Em média, é morta ou ferida uma
pessoa por uma mina terrestre, a nível mundial, a cada hora e, segundo a Organização
das Nações Unidas (ONU), as crianças são, frequentemente, as vítimas.No momento em que o Mundo assinalou o Dia Internacional de Sensibilização para o problema das minas, organizações de solidariedade social lançaram novo apelo a mais ação, a nível mundial.
Minas, explosivos remanescentes da guerra e engenhos explosivos improvisados causam mortes e ferimentos, especialmente, em áreas de conflito armado, de acordo com a ONU. Estima-se que cerca de 10 milhões de minas terrestres estejam espalhadas por cerca de 64 países, em todo o Mundo, e que, entre dois e cinco milhões de novas minas, sejam colocadas em todos os anos. Embora a África seja o continente mais gravemente afetado pelas minas terrestres, a Europa também o é, com as minas terrestres a representarem ainda um problema decorrente de conflitos em países como o Azerbaijão e a Bósnia e Herzegovina. E a Ucrânia é também particularmente afetada, estimando-se que cerca de um terço do seu território esteja minado.
Agora, com as hesitantes conversações de paz entre Kiev e Moscovo a arrastarem-se, a remoção dos cerca de dois milhões de minas terrestres, bem como das centenas de milhares de mísseis, morteiros e granadas por explodir, será crucial para garantir a futura segurança da Ucrânia.
***
É de frisar que teve lugar a terceira
Conferência Internacional sobre Ação contra as Minas lugar, em meados de julho
de 2024, em Baku e Zangilan, no Azerbaijão, nação que está entre as cinco mais
contaminadas com minas, a nível mundial.Minas e dispositivos explosivos improvisados matam e ferem em todo o Mundo. Por isso, mais de 300 representantes de 75 países se reuniram para debater a mobilização de recursos financeiros para mitigar o impacto ambiental das minas terrestres e de outros resíduos explosivos de guerra.
Hikmet Hajiyev, assistente do presidente do Azerbaijão e chefe do Departamento de Assuntos de Política Externa, declarou que o Azerbaijão é um laboratório para a remoção humanitária de minas e para ações contra elas, a nível mundial, tendo adquirido conhecimentos e competências específicos. Assim, quando o seu projeto de remoção de minas terminar, o país será capaz de contribuir para outros projetos congéneres, a nível mundial.
***
Em suma, o bem comum impõe a desminagem,
mas o medo e os interesses mandam o contrário.
2025.04.10 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário