quarta-feira, 9 de abril de 2025

Violência sexual online alicia cada vez mais jovens portugueses

  

O caso de uma alegada violação em Loures, no distrito de Lisboa, e a partilha de fotografias tiradas debaixo de saias de estudantes na Universidade do Porto (UP) – que foram vistas por 32 mil pessoas sem uma única denúncia – chocaram o país. 

Alegadamente, três jovens ‘influencers’ filmaram-se a violar uma menor de 16 anos, e divulgaram o vídeo nas redes sociais. Perante o aumento da criminalidade de natureza sexual entre os jovens, uma eurodeputada portuguesa pediu ação à Comissão Europeia. Os suspeitos com idades entre os 17 e os 19 anos foram detidos, mas libertados pelo tribunal, ficando sujeitos a apresentações periódicas às autoridades e proibidos de contactar a vítima.

Em protesto pelo sucedido, centenas de pessoas manifestaram-se, a 5 de abril, em frente à Assembleia da República (AR), em Lisboa, envergando cartazes com a mensagem “a violação não se filma, condena-se” e exigindo medidas de coação mais duras. E, a este respeito, uma manifestante que pertencia ao grupo espontâneo de sete mulheres que organizou o protesto, declarou: “As medidas de coação são muito brandas para casos tão graves. E, neste caso específico, em que eles são ‘influencers’ e têm as suas plataformas com muitos seguidores, acho que teria sido, no mínimo, justo que tivessem sido suspensas as contas, enquanto a investigação está a decorrer.”

“As violações estão a ser cada vez mais sistemáticas e a lei não faz nada. É pena suspensa. E estes miúdos, o que fizeram é grave, é um crime e as mulheres têm de ser, pelo menos, protegidas”, referiu outro manifestante, pai de duas filhas.

Representantes de alguns partidos políticos que estiveram na manifestação defenderam que a violação deve ser crime público e que as plataformas gestoras das redes sociais devem ser responsabilizadas pela partilha destes conteúdos. “O machismo existe, o problema é que os machistas estão a ser tornados em profetas da Internet e a contaminar toda uma geração”, vincou, em declarações aos jornalistas, Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), sustentando: “Precisamos de regras para as redes sociais e temos de responsabilizar as plataformas por aquilo que está a acontecer.”

Por sua vez, Isabel Mendes Lopes, deputada do Livre, assinalando que a desigualdade de género é “estrutural” e que “as redes vieram intensificar narrativas que têm de ser combatidas, lembrou que, muitas vezes, as famílias não têm noção da violência a que os filhos e filhas estão expostos.

Também Inês Sousa Real, deputada única do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), defendeu o reforço dos mecanismos de denúncia e proteção das vítimas e a introdução nos conteúdos escolares de medidas de autodefesa.

Clara Ferreira Alves, no Expresso, de 4 de abril, preconiza que se faça, nas escolas, educação de defesa pessoal das raparigas contra todo o tipo de violência, nomeadamente, a violência sexual.  

Inês Marinho, jovem de 27 anos, também viu um vídeo íntimo seu amplamente divulgado na rede social Telegram. Confrontada com esta violação de privacidade e com casos semelhantes ao seu, decidiu criar o movimento “Não Partilhes”, que se tornou, em 2021, associação de apoio a vítimas de violência sexual baseada em imagens. “Acho que, com estes grupos todos de partilha de conteúdo íntimo, com todas estas pessoas a falarem, abertamente e de forma violenta, contra as mulheres, este crime está já banalizado e normalizado e as pessoas estão dessensibilizadas”, refere a jovem, acreditando que os “agressores sentem-se impunes, sobretudo, quando se trata de crimes online”, pois estão protegidos atrás de um ecrã.

É de recordar que, no final de 2024, a revista portuguesa NiT colocou a nu um canal português, no Telegram, onde 70 mil homens partilhavam e visualizavam imagens íntimas de mulheres, sem o consentimento delas.

A exposição dos jovens à Internet tem facilitado, cada vez mais cedo, o acesso a conteúdo pornográfico e de cariz violento. É o que comprova o último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que indica haver grupos de WhatsApp, referenciados pelas autoridades que foram criados por crianças entre os 10 e os 13 anos, em que são partilhados conteúdos multimédia de pornografia e de violência extrema. Ou seja, as redes sociais tornaram-se palco acessível e privilegiado para divulgar e para envolver menores em pornografia e em outros tipos de violência.

“Quando veem imagens de pornografia, estão a deturpar aquilo que é a essência da sexualidade e, portanto, estão a absorver os conceitos ou os comportamentos que são completamente desadequados de uma vida normal, com um companheiro, com uma família. E isto, muitas vezes, está a toldar comportamentos que eles acham que é a forma de se relacionarem com os outros”, explicitou Melanie Tavares, psicóloga e coordenadora do Instituto de Apoio à Criança (IA).

Também de acordo com o RASI, na análise da criminalidade juvenil, predominam crimes de natureza sexual, nomeadamente, o abuso sexual de crianças cometido por ofensores menores. E o Sistema de Segurança Interna (SIS) português destaca o crime de pornografia de menores, com recurso a aplicações, como o Discord ou o WhatsApp, “utilizadas para partilha de ficheiros de cariz sexual e pornográfico”.

Um relatório do Centro para Crianças Desparecidas e Exploradas estima que, globalmente, uma, em cada oito crianças, seja vítima de alguma forma de violência sexual online ou na vida real, em comparação com uma, em cada cinco crianças, na Europa. Estimativas mais conservadoras apontam que quase 200 milhões de conteúdos, imagens ou vídeos, exibindo uma criança a ser abusada sexualmente circulavam amplamente na Internet, entre 2021 e 2023. São três conteúdos compartilhados online, a cada segundo, no espaço de dois anos.

O caso da alegada violação em Loures já chegou a Bruxelas. Ana Catarina Mendes, eurodeputada socialista questionou, a 8 de fevereiro, a Comissão Europeia sobre os “eventos perturbadores” da divulgação do vídeo da alegada violação e da partilha de fotografias íntimas não consentidas em Portugal, pedindo a ação da União Europeia (UE).

Recentemente, o Jornal de Notícias (JN) revelou que fotografias e vídeos de várias estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) foram captados, sem consentimento, e partilhados num grupo de WhatsApp, alegadamente por elementos da Associação de Estudantes, o que já provocou demissões na direção da Associação.

“É muito preocupante a recente partilha e disseminação de um vídeo de uma alegada violação de uma menor por três jovens em Portugal. No mesmo sentido, foram partilhadas fotografias tiradas debaixo de saias de mulheres numa universidade. Estes horríveis atos violam, não apenas direitos fundamentais, como também levantam sérias questões sobre a segurança online e [sobre] a proteção das pessoas, sobretudo, mulheres, no espaço digital”, adverte a eurodeputada, numa carta subscrita pela delegação socialista portuguesa e enviada ao executivo comunitário.

Ana Catarina Mendes questiona, no âmbito da nova lei para os serviços digitais, que regula as grandes plataformas online, como vai “a Comissão garantir que as plataformas de redes sociais removem rapidamente conteúdo nocivo”, se, por exemplo, através de multas a essas empresas.

Além disso, pergunta “que medidas está a Comissão a tomar, para evitar o recarregamento do vídeo ou a sua disseminação” e que passos tomará, “para garantir que as plataformas de redes sociais respeitam as suas obrigações, na prevenção da disseminação de material não-consensual.

A divulgação de vídeos de caráter sexual sem consentimento é crime. Por isso, a palavra de ordem é: “Não partilhes. Denuncia”.

Para tanto, estão disponíveis plataformas e contactos onde estes casos podem ser denunciados, a saber: Linha Internet Segura – 800 219 090 ou em internetsegura.pt/lis/denunciar-conteudo-ilegal; Polícia Judiciária – Portal da Queixa Electrónica APAV - Apoio à Vítima – Linha de apoio 116 006; Internet Watch Foundation; Report Harmful Content.

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O abuso sexual de crianças é problema crescente e os crimes cometidos através da Internet tornam-no mais difícil de combater. A UE está a rever as suas regras, na tentativa de criminalizar os comportamentos online e no mundo real.

Como foi referido, estima-se que uma, em cada cinco crianças da UE, seja vítima de crimes sexuais online e no mundo real e os estados-membros fizeram progressos no atinente às regras destinadas a criminalizar o abuso, no final de 2024. Mas não chegaram a acordo sobre os controlos da partilha de imagens online, porque estes poderiam afetar o direito à privacidade dos dados.

Os eurodeputados e os estados-membros da UE trabalham em dois conjuntos de regras: a diretiva relativa ao abuso sexual de crianças, que definirá os crimes online como atos como a transmissão em direto de abusos sexuais e a partilha de material pedófilo, incluindo imagens geradas por inteligência artificial; e a regulamentação relativa ao material de abuso sexual de crianças, que estabelecerá obrigações para as empresas que oferecem serviços online, em especial, de conversação e de mensagens, onde esses crimes ocorrem frequentemente.

“A regulamentação obrigará as redes sociais e as plataformas de mensagens a detetar e a apagar qualquer material de abuso sexual de crianças que encontrem, comunicando-o a um novo centro da UE. Isto também pode incluir a leitura de mensagens encriptadas, que era, até agora, a forma mais privada de comunicar online”, considera Romane Armangau, que acompanha o processo legislativo.

Encontrar o equilíbrio certo entre a luta contra estes crimes e a proteção dos direitos à privacidade dos dados dos utilizadores da Internet é importante, mas tem provocado grandes divisões.

A obtenção de acesso regulamentar a mensagens encriptadas em meios, como o WhatsApp e o Signal, revela-se muito controversa. Os defensores de maior ação contra o abuso sexual de crianças sustentam que é vital incluir essas plataformas. “É preciso saber que dois terços das mensagens que contêm materiais e representações de abuso sexual de crianças são partilhados através de mensagens privadas. É uma área crítica onde o crime ocorre e não podemos aceitar que as crianças sejam abandonadas neste ambiente”, defende Isaline Wittorski, da ECPAT International, organização da sociedade civil que pretende pôr fim ao abuso sexual de crianças.

Por outro lado, os defensores da privacidade online afirmam que poderia permitir a vigilância em massa, por parte dos governos, e a pirataria informática. “Os especialistas em encriptação são unânimes em defender que abrir ou conceber backdoors é uma má ideia porque, no final, a dada altura, serão utilizados por agentes maliciosos”, sustenta David Frautschy, da Internet Society, associação que promove o desenvolvimento e a utilização abertos da Internet, advertindo: “Por isso, se quebrarmos esta tecnologia, estamos a pôr em perigo as comunicações das pessoas, a capacidade de entrar em contacto com o banco, de forma segura, e também a armazenar ficheiros de dados que devem ser encriptados, porque as empresas precisam de segurança.”

É necessária uma solução, o mais rapidamente possível, visto que a Europol e as autoridades nacionais de investigação estão a aguardar instrumentos para combater estes crimes. Uma exceção existente às regras de privacidade permite que os fornecedores online detetem, comuniquem e removam, voluntariamente, material conexo com o abuso sexual de crianças, mas essa isenção expira em abril de 2026, pelo que é necessário encontrar novas regras até essa data.

A Polónia, que assumiu, em janeiro, a presidência rotativa do Conselho da UE, no primeiro semestre de 2025, lidera as negociações em curso sobre esta questão, liderança a continuar com o estado-membro que lhe sucederá, a Dinamarca.

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Os jovens europeus continuam a ser altamente vulneráveis ao ódio online e a maioria das mensagens de abuso visa orientações sociais, políticas e sexuais.

Em 2023, 49% da população da UE com idades compreendidas entre os 16 e os 29 anos deparou-se com mensagens online hostis, em relação a determinados grupos ou indivíduos.

As taxas mais elevadas foram registadas na Estónia (69%), na Dinamarca (68%), na Finlândia (68%), na França (65%) e na Eslováquia (65%).

De acordo com o Eurostat, 12 dos 23 países com dados disponíveis registaram taxas superiores a 50%. No lado oposto do espetro, a Croácia (24%), a Roménia (27%) e a Bulgária (31%) são os únicos países onde menos de um terço da população foi exposto a discursos de ódio na Internet.

Na maior parte dos casos, o discurso de ódio estava associado a opiniões políticas ou sociais, com uma média de 35%, em toda a UE. Esta categoria foi mais numerosa na Estónia (60%), na Finlândia (56%) e na Dinamarca (49%). As mensagens hostis dirigidas à comunidade LGBTQ+ atingiram uma média de 32% dos jovens adultos na UE. As percentagens mais elevadas foram registadas na Estónia (46%), na Eslováquia e em Portugal (44%). Além disso, 30% dos jovens adultos da UE foram alvo de mensagens de ódio racial, sendo os Países Baixos e Portugal os países mais afetados, com 45% cada.

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Por fim, é de recordar que, em junho de 2022, o Conselho Europeu adotou conclusões relativas à Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança, convidando, de um modo mais geral, os estados-membros a desenvolverem políticas para fazer respeitar os direitos de todas as crianças, sem discriminação; a intensificarem os esforços para prevenir e combater todas as formas de violência contra as crianças; a reforçarem os seus sistemas judiciários para que respeitem os direitos de todas as crianças; e a aumentarem as oportunidades de as crianças serem membros responsáveis e resilientes da sociedade digital.


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Todas as pessoas têm de ser protegidas, pelos poderes, contra qualquer tipo de violência. Porém, a violência sexual tende a tornar-se persistente, exacerbada e obsessiva. Ao mesmo tempo, é urgente considerar a violência sexual para com as crianças, que são mais débeis, mais curiosas e mais avessas à denúncia.  

O abuso de crianças ocorre, sobretudo, no círculo de confiança da criança, o que dificulta a sua denúncia e superação por parte da criança. Entre 70 % e 85 % das crianças vítimas – entre um e 18 anos – conhecem os seus agressores. E um terço das crianças vítimas de abuso nunca fala dele a ninguém, pelo que tais atos continuam a ser, em grande medida, pouco denunciados. Por conseguinte, é difícil medir a verdadeira escala e o número de casos conhecidos representa apenas a ponta do icebergue.

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Enfim, há muito caminho por desbravar e as crianças sofrem.

2025.04.09 – Louro de Carvalho

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