terça-feira, 29 de abril de 2025

Falta de alimentação e ataques bélicos continuam a matar em Gaza

 

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), em meados de abril, cerca de 80% da população de Gaza, com mais de dois milhões de habitantes, dependia, principalmente, de cozinhas de beneficência, para obter alimentos, visto que as outras fontes de abastecimento foram encerradas, devido ao bloqueio de Israel. Por outro lado, a 27 de abril, o Programa Alimentar Mundial (PAM) declarou, em comunicado, que as suas reservas de alimentos, no enclave, se esgotaram, durante o bloqueio israelita de quase oito semanas, pondo fim a uma das principais fontes de subsistência de centenas de milhares de palestinianos no território, tendo a organização já entregado as últimas reservas às cozinhas de beneficência que apoia em Gaza.

O PAM, que tem estado a apoiar 37 cozinhas que produzem cerca de 500 mil refeições, por dia, previa que essas cozinhas ficassem sem alimentos, nos dias subsequentes, não tendo ficado claro quantas cozinhas ainda funcionariam em Gaza, se estas fechassem.

Na verdade, Israel cortou a Gaza a entrada de todos os alimentos, de combustíveis, de medicamentos e de outros fornecimentos, a 2 de março, e retomou os bombardeamentos e as ofensivas terrestres, duas semanas mais tarde (18 de março), pondo fim ao cessar-fogo de dois meses com o Hamas, a fim de, alegadamente, pressionar o grupo militante a libertar os 59 reféns que ainda mantém em seu poder. Porém, os grupos de defesa dos direitos humanos consideraram o bloqueio como uma “tática de fome” e como um potencial crime de guerra.

Israel contrapõe que Gaza tem mantimentos suficientes, depois de uma vaga de ajuda ter entrado, durante o cessar-fogo, e acusa o Hamas de desviar estes mantimentos para os seus objetivos. E, por sua vez, os trabalhadores humanitários negam que haja desvio significativo da ajuda, porque a ONU controla, rigorosamente, a distribuição, e dizem que o fluxo de ajuda, durante o cessar-fogo, mal chegou para cobrir as imensas necessidades provocadas pelos meses de conflito.

Sem a entrada de novas mercadorias em Gaza, desapareceram dos mercados muitos alimentos, incluindo carne, ovos, frutas, lacticínios e muitos legumes. E os preços do que resta aumentaram, drasticamente, tornando-se incomportáveis para grande parte da população.

Por consequência, a desnutrição está a aumentar, tendo a ONU afirmado que identificou, em março, 3700 crianças que sofrem de desnutrição aguda, o que representa um aumento de 80%, em relação ao mês anterior. Devido à diminuição dos fornecimentos, os grupos de ajuda humanitária só conseguiram fornecer suplementos nutricionais – ferramenta crucial para evitar a subnutrição – a cerca de 22 mil crianças, em março, menos 70% do que em fevereiro. Quase todas as padarias fecharam, há semanas, e o PAM suspendeu a distribuição de alimentos básicos às famílias, por falta de provisões. E, com as reservas da maioria dos ingredientes esgotadas, as cozinhas de beneficência, só podem servir refeições de massa ou arroz com pouco suplemento.

A World Central Kitchen, instituição de caridade norte-americana, uma das maiores a operar em Gaza, que não depende do PAM, disse, a 24 de abril que as suas cozinhas tinham ficado sem proteínas. Em vez disso, fazem guisados com legumes enlatados. E, como o combustível é escasso, são desmanteladas paletes de madeira para queimar nos seus fogões.

Aquela instituição também gere a única padaria ainda em funcionamento em Gaza, produzindo 87 mil pães pita (pães sírios ou pães árabes), por dia.

O PAM disse que 116 mil toneladas de alimentos estão prontas para entrar em Gaza, se Israel abrir as fronteiras, o suficiente para alimentar um milhão de pessoas, durante quatro meses. Porém, Israel arrasou grande parte de Gaza com a sua campanha aérea e terrestre, prometendo destruir o Hamas, após o ataque de 7 de outubro de 2023, ao Sul de Israel.

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A situação vem a agravar-se. Outras fontes de informação sustentam que 91% da população da Faixa de Gaza vive, atualmente, na fase de “crise” de insegurança alimentar (fase 3 e superior), enquanto 345 mil pessoas se encontram na fase 5 – a mais perigosa – que significa fome total.

Dizem os habitantes da Faixa de Gaza que a vida se lhes transformou num inferno insuportável, porque todas as necessidades básicas da vida entraram em colapso: as padarias não funcionam, os hospitais transformaram-se em arenas de morte lenta e as crianças estão a morrer de fome, sendo a mais recente Uday Fadi Ahmed, que morreu de subnutrição no Hospital Al-Aqsa, em Deir al-Balah.

Números recentes refletem a dimensão da tragédia: 3600 crianças recebem tratamento para a desnutrição, o que representa um aumento de 80%, em relação ao mês de março, de acordo com o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas (OCHA).

A UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) alertou para o facto de 335 mil crianças com menos de cinco anos – todas as crianças de Gaza neste grupo etário – estarem à beira da morte, devido a desnutrição aguda.

O panorama é sombrio, pois 96% da população de Gaza sofre de insegurança alimentar aguda e 345 mil pessoas estão em estado de fome total e 91% da população sofre de insegurança alimentar.

De acordo com um comunicado da Rede de ONG Palestinianas, Gaza entrou na fase de fome total, alertando para uma catástrofe humanitária sem precedentes, que ameaça a vida da população, em especial, das crianças e das mulheres, devido à contínua recusa de ajuda humanitária, desde 2 de março de 2025. E, segundo dados divulgados por organizações de ajuda humanitária, citados pelo comunicado, 91% da população da Faixa de Gaza vive na fase de “crise” de insegurança alimentar (fase 3 e superior), enquanto 345 mil pessoas se encontram na quinta fase, que significa fome total.

Os números revelam que 92% das crianças com idades compreendidas entre os seis meses e os dois anos, bem como as mães que amamentam, não têm acesso à colmatação das suas necessidades nutricionais básicas mínimas, ficando expostas a graves riscos de saúde que as perseguirão ao longo das suas vidas. Além disso, 65% da população já não tem acesso a água potável, para beber ou para cozinhar.

Do seu lado, o Hamas acusou Israel de utilizar a fome como arma de guerra e confirmou, em comunicado, que Gaza entrou na fase da fome efetiva, descrevendo a crise como “uma das piores catástrofes humanitárias da História moderna”. “Desde 2 de março, Israel intensificou o seu cerco, fechando as passagens e impedindo a entrada de alimentos, de água e de medicamentos, num crime que representa uma grave escalada da política de genocídio”, vincou o movimento.

Em frente à sua tenda, uma residente sentada com a família de sete pessoas, conta a luta diária para satisfazer as necessidades mais básicas da vida. O marido, que perdeu o emprego, devido à guerra, sai, todas as manhãs, à procura de qualquer fonte de sustento, enquanto a família depende, inteiramente, do que é fornecido pelos “takiyat” e pelos projetos de alimentação temporária do campo, que tem sofrido, por sua vez, uma grave escassez de alimentos, após o encerramento das passagens. Os legumes e a carne desapareceram dos mercados, obrigando as famílias a depender de uma ajuda limitada que já não é suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas.

Outra, noutro lugar, conta a sua dolorosa história aos sobrinhos, pelos quais se tornou responsável depois de a mãe deles ter sido morta e de o pai ter viajado para receber tratamento médico, no início de janeiro. Ela e os sobrinhos só têm consumido “massa, lentilhas e arroz” e sofrem de subnutrição. E, para agravar o caso, a tia é alérgica aos conservantes das conservas, que foram, durante muito tempo, a única salvação da família. Não obstante, incita as crianças a comerem o que está disponível, mas falha, frequentemente, enquanto os problemas de saúde de todos são exacerbados pela falta de uma nutrição adequada.

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De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, dirigido pelo Hamas, os ataques israelitas na Faixa de Gaza mataram, a 24 de abril, pelo menos, 50 palestinianos, muitos deles mulheres e crianças.

Os ataques visaram zonas residenciais, incluindo edifícios, locais de deslocação e campos de tendas improvisados, bem como uma esquadra de polícia, entre outros locais.

Um ataque no norte de Gaza matou, pelo menos, 18 pessoas e outro matou 11, incluindo, pelo menos, uma criança, de acordo com as autoridades sanitárias palestinianas. Os militares israelitas afirmaram que o ataque à esquadra de polícia tinha por alvo um centro de comando dos militantes. Pelo menos, sete pessoas foram mortas, incluindo uma mãe e os seus dois filhos, e outras duas crianças, em três ataques à cidade de Khan Younis, no Sul do país. Os ataques no centro de Gaza mataram seis pessoas, incluindo duas mulheres e duas crianças.

Israel pôs termo ao cessar-fogo com o Hamas e retomou a guerra aérea e terrestre a 18 de março.

Porém, desde o início de março, isolou os dois milhões de palestinianos da Faixa de Gaza de todas as importações de alimentos e de outros produtos, a fim de pressionar o Hamas a libertar os reféns, dos quais se crê que ainda estejam vivas duas dúzias.

O gabinete do OCHA apelou aos líderes mundiais para que exercessem mais pressão sobre Israel, a fim de permitir a entrada de ajuda humanitária e de outros bens essenciais no enclave. Numa mensagem publicada no X, antigo Twitter, afirmou que os Palestinianos estão “privados das necessidades de sobrevivência”, sublinhando a urgência da situação e referindo que as operações de ajuda humanitária estão à beira do colapso total, com os níveis de medicamentos e alimentos a ficarem criticamente baixos.

Israel afirma que o seu bloqueio à Faixa de Gaza tem por objetivo impedir que o Hamas adquira mais bens, para se reforçar e para se reagrupar, acusando, regularmente, o grupo de pilhar a ajuda destinada aos civis. E também garante a que a medida se destina a pressionar o Hamas a libertar os reféns, tática que os grupos de defesa dos direitos humanos têm denunciado como um crime de guerra e como uma forma de punição coletiva.

Entretanto, o exército israelita ameaçou alargar as operações na Faixa de Gaza. “Se não houver progressos na libertação dos reféns, alargaremos a nossa atividade para uma operação mais intensa e significativa”, declarou Eyal Zamir, chefe do Estado-Maior israelita, considerando o Hamas como o responsável pelo início desta guerra e pela terrível situação da população em Gaza.

O Hamas afirmou que só libertará os restantes 59 prisioneiros, 24 dos quais se pensa estarem vivos, em troca da libertação dos prisioneiros palestinianos, de um cessar-fogo duradouro e de uma retirada total de Israel. E o governo de Israel prometeu continuar a bombardear Gaza, até que o Hamas seja totalmente destruído.

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A 27 de abril, o ponto da situação sintetizava-se em duas vertentes: os ataques quase diários de Israel a Gaza, desde o fim do cessar-fogo com o Hamas; e o facto de, recentemente, os Israelitas terem começado a sair para as ruas de Telavive, a exigir um cessar-fogo e um acordo para a devolução de todos os reféns que o Hamas ainda detém.

Enquanto isso estava a acontecer, os hospitais da Faixa de Gaza recebiam, nas últimas 24 horas, os restos mortais de 51 palestinianos mortos em ataques israelitas, como informaram, no dia 28, as autoridades sanitárias do enclave.

Nas últimas semanas, vários ataques tiveram como alvo abrigos e zonas outrora designadas como zonas humanitárias, onde milhares de pessoas deslocadas vivem em tendas.

Desde 18 de março, data em que Israel pôs termo a um cessar-fogo de seis semanas com o Hamas, os militares israelitas têm levado a cabo vagas diárias de ataques e as forças terrestres vêm ocupando mais terreno, para expandir uma zona-tampão, controlando cerca de 50% do território.

Durante quase 60 dias, Israel bloqueou também a entrada de todos os alimentos, combustíveis, medicamentos e outros artigos em Gaza.

Como se disse, a 27 de abril, o PAM anunciou que tinha entregado as suas últimas reservas alimentares às 47 cozinhas que apoia, as quais poderão ficar sem refeições para servir as famílias palestinianas, dentro de dias.

Os Palestinianos, em Gaza, lutam para alimentar as suas famílias. Um prato de arroz e alguns legumes enlatados, são muitas vezes, a única coisa que alimenta famílias inteiras, todos os dias. A carne, o leite, o queijo e a fruta desapareceram. O pão e os ovos são escassos. Os poucos legumes ou outros produtos existentes subiram de preço, sendo inalcançáveis para a maioria.

Os grupos de defesa dos direitos humanos falam em “tática de fome”, quando o PAM declarou que mais de 116 mil toneladas de ajuda alimentar só esperam ser levadas para Gaza.

Entretanto, milhares de Israelitas saíram para as ruas de Telavive, a 26 de abril, exigindo um cessar-fogo e um acordo para a devolução de todos os reféns ainda detidos pelo Hamas em Gaza, no âmbito dos protestos semanais organizados contra o governo.

As autoridades israelitas dizem que a nova ofensiva e o reforço do bloqueio visam pressionar o Hamas a libertar os reféns raptados. Porém, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, prometeu continuar a guerra, até que o Hamas seja destruído ou desarmado e todos os reféns sejam devolvidos. E o Hamas afirmou que só libertará os restantes 59 reféns – 24 dos quais se crê estarem vivos – em troca de prisioneiros palestinianos, de um cessar-fogo duradouro e de uma retirada total de Israel de Gaza, como previsto no extinto cessar-fogo, alcançado em janeiro.

Por outro lado, o grupo militante anunciou, a 26 de abril, o envio de uma delegação de alto nível ao Cairo para tentar restabelecer o cessar-fogo, quebrado, em março, pelos bombardeamentos israelitas. O grupo acrescentou que a sua delegação irá discutir com os responsáveis egípcios a visão do grupo para pôr fim à guerra, que inclui também a reconstrução do enclave.

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Esta reflexão, algo repetitiva (a situação assim o sugere), leva-me a estranhar que o dito Ocidente, tão proativo no apoio à guerra na Ucrânia, seja tão silencioso, face à guerra Israel-Hamas, quando muitos israelitas já estão cansados desta guerra. Ora, não há guerras más e guerras boas (provavelmente, ao invés do que Donald Trump e muitos outros líderes pensem). Por outro lado, o silêncio supino pode significar cumplicidade com o invasor.

Por maiores razões que assistam a Israel, nunca é lícito fazer guerra até à eliminação do último palestiniano. Os direitos humanos e políticos são imperativos em toda a parte.

2025.04.29 – Louro de Carvalho

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