sábado, 12 de abril de 2025

Não é lícito prometer milagres políticos ao eleitorado

 

Já tinha ficado com dúvidas na cabeça sobre o futuro do país, quando o Partido Socialista (PS) apresentou o seu programa eleitoral, não por suposta incapacidade governativa do líder, mas pela imprevisibilidade de os resultados eleitorais ditarem um governo com o mínimo de conforto para, em sede parlamentar, fazer passar as suas propostas mais do agrado do eleitorado.   

Porém, com a apresentação do programa eleitoral da AD - Coligação PSD/CDS (coligação do Partido Social Democrata com o partido do Centro Democrático Social), as dúvidas redobraram. Também não está em causa a suposta incapacidade de levar a carta a Canossa, da parte do líder da AD, mas a dificuldade em fazer passar as facilidades fiscais em sede parlamentar (mais amplas do que as do PS), pelo volume de benefícios a determinadas franjas do eleitorado, pela incerteza das medidas tomadas e a tomar pela administração da Casa Branca e, sobretudo, pela certeza ostentada pelo primeiro-ministro (PM) e candidato de que não haverá défice orçamental, contrariando avisos do Banco de Portugal (BdP) e do Conselho de Finanças Públicas (CFP).  

Luís Montenegro disse, a 11 de abril, querer uma campanha elevada, mas provoca o principal adversário. Quer uma campanha alegre em torno do hino “Deixa o Luís trabalhar”, que entra no ouvido e faz lembrar Cavaco Silva, no estertor da sua segunda maioria parlamentar.

O candidato prometeu e o PM garantiu, sob os aplausos da sala cheia do Centro de Congressos de Lisboa: “Não, não estimamos nenhum défice, em nenhum ano desta legislatura, mesmo com o impacto do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], em 2026”, sustentou Luís Montenegro, escapulindo aos alertas do CFP e do BdP, vincando que Portugal não voltará a ter restrições, “por causa da irresponsabilidade dos governantes” (farpa implícita a José Sócrates).

O que é garantido são descidas de impostos e promessas de aumentos de rendimento.

A nível de impostos, a AD promete menos impostos sobre os rendimentos do trabalho, em especial, para a classe média. Assim, a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) será da ordem dos dois mil milhões de euros, ao longo da legislatura, 500 milhões dos quais já em 2025. Ao mesmo tempo, ocorrerá a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), com diminuição gradual até 17%, sendo de 15%, para as pequenas e médias empresas (PME). Além disso, ficarão isentos do imposto de selo (IS) os jovens na compra de casa. Ninguém explica a lógica desta medida: os jovens ou têm dinheiro ou não o têm.

A nível de pensões e de salários, a AD promete o aumento do complemento solidário para idosos (CSI) para os 870 euros, de modo que nenhum pensionista receba menos do que essa importância. É caso para questionar tal promessa, sabendo-se que o CSI, em abril de 2024, deixou de abranger pensionistas cujo rendimento anual fosse superior a 6608 euros.

Promete-se o aumento do salário mínimo para 1100 euros e o do salário médio para os dois mil euros. Porém, o aumento do salário médio não depende do governo, mas do Conselho de Concertação Social. Terá sido por isso que acenaram com o apoio de 10 mil milhões às empresas?

Além disso, concluir-se-á, até 2027, a revisão de carreiras na função pública e apostar-se-á em prémios de desempenho (abolidos com a Revolução); garantir-se-á que os regimes de apoios sociais e tributação são benéficos para quem trabalha (isto é, quem não trabalha não receberá mais do que se trabalhasse); substituir-se-á um conjunto alargado de apoios sociais por um suplemento remunerativo solidário – sistema de subsídio ao trabalho, com a possibilidade de acumulação de rendimentos do trabalho com o rendimento social de inserção (RSI), com a pensão social ou com outros apoios sociais dirigidos a situações sociais limite.

Na área da Educação, a AD proibirá o uso de telemóveis nas escolas, até aos 12 anos, regulará o seu uso no 3.º ciclo (ignorando a autonomia das escolas) e regulará o uso das redes sociais para crianças, até 12 anos; revisitará os programas escolares, para lhes retirar “carga ideológica” (substituindo-a por outra ideologia); contratualizará, até 12 mil vagas, na educação pré-escolar para os territórios com necessidades identificadas; aumentará a bolsa mínima de ação social no ensino superior; reverá, a partir de 2027, terminada a recuperação do tempo de serviço, o Estatuto da Carreira Docente (ECD), acabando com as quotas no acesso aos 5.º e 7.º escalões e atualizando em alta os primeiros escalões remuneratórios; criará o Estatuto do Diretor, indexando a remuneração ao escalão mais elevado da carreira docente e implementando um modelo de avaliação dos Diretores das Escolas (já existe); e passará as creches para o Ministério da Educação.

Na área da Saúde, o PM reconhece que não conseguiu resolver a situação, mas considera que está melhor, mas não disse em quê, nem poderia ter dito. Contudo, garante médicos de família para todos e mais cuidados domiciliários; criar o gestor do doente crónico; apostará nas PPP, nos centros saúde contratualizados e nas convenções (resta saber se nas PPP e nas convenções, impedirá tempos de espera diferenciados para consultas, para exames e para cirurgias para utentes privados, dos subsistemas e do Serviço Nacional de Saúde); e desenvolverá um plano de Saúde Oral para os Portugueses mais carenciados.

No âmbito da Justiça e da Segurança, o programa contempla o reforço do policiamento de proximidade e de combate à criminalidade grave e violenta; alterações à legislação penal, para garantir julgamentos mais rápidos, na criminalidade grave e violenta, nos casos de flagrante delito; o reforço dos meios de combate à corrupção; a recuperação da regulamentação do lobby e da perda alargada de bens; e o combate prioritário as “quatro chagas sociais”: violência doméstica, consumo de drogas, sinistralidade rodoviária e pessoas sem-abrigo.

Quanto à Imigração, promete-se a criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na Polícia de Segurança Pública (PSP) (deve ser um SEF em miniatura nos meios urbanos); a regulação dos fluxos de entrada, considerando capacidade de integração do país; a revisão dos requisitos para obtenção de nacionalidade; o reforço das medidas de integração; o regime rápido e eficaz de afastamento de estrangeiros em situação ilegal (mas não há TGV e querem privatizar a TAP); a revisão da lei de estrangeiros, da lei de asilo e da regulamentação dos centros de instalação temporária; e a revisão do processo de emissão de atestados de residência pelas juntas de freguesia, criando um sistema que centralize os registos e introduza limites aos números de testemunhos e limites por imóvel.

No campo da Habitação, a AD manterá os apoios aos jovens para compra de casa, incluindo a isenção do IS; garantirá o financiamento dos projetos municipais para construção de habitação; flexibilizará as limitações de ocupação dos solos, de densidades urbanísticas, incluindo construção em altura e de exigências e de requisitos construtivos, bem como a possibilidade de aumento dos perímetros urbanos (ou seja, manterá as atuais ambiguidades); promoverá a injeção no mercado, quase-automática, dos imóveis e dos solos públicos devolutos ou subutilizados; e aplicará o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), à taxa mínima de 6%, nas obras e nos serviços de construção e de reabilitação, com limite de incidência no valor final dos imóveis, e alargamento da dedutibilidade.

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Na apresentação do programa da AD, o seu líder respondeu ao PS sobre as alterações às tabelas de retenção na fonte do IRS, que os socialistas chamam “truques” do ministério das Finanças, lançando o desafio a Pedro Nuno Santos de dizer, “com seriedade e rigor, se o IRS, em 2024, baixou ou não baixou”. E, apesar de a tónica ser de continuidade com o programa de governo, aliás, como referi, há uma semana, aproveitou para lançar novas bandeiras, como a proibição de telemóveis nas escolas até ao 6.º ano, a regulação do uso de redes sociais para crianças até aos 12 anos e alterações legislativas, para tornar mais rápido o julgamento de crimes graves com flagrante delito (que depende dos tribunais).

Como era de esperar, o PM passou a película do trabalho feito ao longo deste ano de governação, que a AD continuará, após o 18 de maio, se vencer as eleições. Invocou o que entende ter feito em defesa do serviço nacional de saúde (SNS) – não sei se tem muito com que se congratular) e da escola pública (limitou-se a recuperar o tempo de serviço de alguns professores), bem como o aumento de rendimentos e a valorização de 19 carreiras profissionais por acordos entre o governo e as entidades sindicais. Enfim, como se adivinhava, a apresentação do programa foi um belo ato de propaganda eleitoral, mais profissional do que o semanal, a cargo do ministro da Presidência, mas tão impactante como o recente Conselho de Ministros no Mercado do Bolhão no Porto. Porém, no Porto, houve clara mistura de ato governativo com ato partidário, embora a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tenha dificuldade em digerir tal mistura.        

Em tom pendular, entre drama e otimismo, o PM alertou que “o Mundo mudou e a Europa está posta à prova”, vincando: “É tempo de termos bem presente o sentido da responsabilidade, do realismo e de fazer prevalecer sempre o interesse coletivo. […] O Mundo mudou e está instável, mas Portugal está bem e recomenda-se”.

Após elencar melhorias, em diversas áreas, por comparação com a situação de há um ano, dramatizou: “Portugueses, Portugal está bem e recomenda-se, mas nada é garantido”, alertou, pedindo sentido de responsabilidade, para que o país continue a ser “recomendado”, pois o tempo não é para aventuras, para impulsos repentinos, nem para precipitações, mas “para a maturidade genuína, para a moderação autêntica, para a firmeza responsável”.

Depois, endereçou uma farpa indireta ao principal adversário. “O tempo não é daqueles que se mascaram para a campanha eleitoral. É daqueles que mostraram sempre aquilo que são”, afirmou, numa estratégia que passa por acusar o PS de fazer cosmética, com posições mais moderadas.

No Centro de Congressos de Lisboa, membros do governo (não todos) e cabeças de lista às legislativas, apoiantes e candidatos subiram ao palco, no final da apresentação do programa, e acompanharam, com palmas e com bater de pé, o refrão: “Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar, ele tem palavra, ele tem valor, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar.”

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O programa da AD prevê nova redução do IRS da classe média, apostando na descida dos impostos diretos e não nos indiretos e transversais a todos, como o IVA, a estrela do programa do PS. Em termos de política fiscal, a “prio­ridade” será a descida do IRS, com maior incidência na classe média: terá uma redução de montante superior à do IRC.

Segundo o PSD, a redução de IRS prevista para a próxima legislatura será de dois milhões de euros (em quatro anos), sendo 500 milhões aplicados neste ano, repercutidos nas retenções na fonte. Há um ano, na discussão do Programa de Governo, no Parlamento, o PM disse que iria devolver aos contribuintes, só por via da descida de taxas, 1500 milhões, face a 2023, criando confusão de semântica que terminou com o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, a admitir que a nova redução do IRS só resultaria, afinal, num alívio adicional de 200 milhões. Desta vez, o valor é adicional ao que está em vigor.

Conhecido o programa do PS, a AD quer conquistar os eleitores e agita o trunfo da descida de impostos sobre os rendimentos, ficando patente que pretende ir muito mais longe na redução da carga fiscal. E, com o governo a criticar o PS por “querer dar tudo a todos”, numa conjuntura internacional imprevisível, o programa da AD não recuará na intenção de reduzir impostos diretos, nem na previsão dos excedentes orçamentais.

A 10 de abril, depois de um Conselho de Ministros para responder às tarifas aduaneiras aplicadas pelos Estados Unidos da América (EUA), o PM e o ministro da Economia, em conferência de imprensa, anunciaram medidas de apoio às empresas na ordem dos 10 mil milhões de euros (apesar de as medidas trumpianas serem drásticas, estão suspensas por 90 dias, não se justificando a pressa). E, questio­nado sobre se os desafios internacionais, bem como a necessidade de cumprir metas de investimento em Defesa, poriam em causa a política de orçamentos excedentários e fariam voltar aos défices, o ministro da Economia disse que “garantia de que não há défice ninguém pode dar”, mas, pouco depois, foi mais taxativo: “Não vai haver défice em Portugal, isso é claríssimo.”

Queiram ou não, este programa traz à memória o eleitoral facilitismo socratista de 2009, apesar da crise financeira de 2008, gerada a partir dos EUA.

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Apesar do “nada é garantido”, impostos descem, salários e pensões sobem, apoiam-se as empresas com linhas de crédito, aposta-se no estado social, mas não haverá défice, nem irresponsabilidade, só contas certas e superavit orçamental (contra alertas do CFP e do BdP, que receiam recessão).     

O programa da AD prevê excedentes orçamentais para toda a legislatura, sendo o mais curto, em 2026, de 0,1%, e calcula que a dívida pública baixe para 75,1% do produto interno bruto (PIB), em 2029. Mantém a previsão de excedente orçamental de 0,3%, para 2025, que já estava no Orçamento do Estado, e de 0,1%, para 2026. E, para 2027, espera um saldo positivo nas contas de 0,3%; para 2028, de 0,2%, e para 2029, de 0,3%. Além disso, compromete-se com “um crescimento do PIB próximo de 3,5%, no final da legislatura, com o desemprego estrutural próximo de 5%, em 2029, e com a redução gradual da carga fiscal para cerca de 36,4%, em 2029. E prevê uma trajetória de redução do peso da dívida pública no PIB, caindo para 91%, em 2025, para 87,2%, em 2026, para, 83,4%, em 2027, para 79,5, em 2028, e para 75,1, daqui a quatro anos.

O CFP prevê um saldo orçamental nulo, para 2025, e o regresso aos défices, em 2026, devido a medidas de aumento da despesa pública, que se manteriam em torno de 0,6% do PIB.

Porém, Luís Montenegro afirmou que o programa com que pretende governar não prevê “nenhum défice, em nenhum ano da legislatura, mesmo com o impacto do PRR em 2026”; e contrariando também os alertas e as incertezas do BdP, declarou que “Portugal está bem e recomenda-se”, deixando um curto e ambíguo enunciado sobre a crise económica: “A Europa tem de superar desafios e está aposta à prova, o Mundo mudou e está instável. E, portanto, Portugal está bem e recomenda-se, mas nada é garantido.”

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Com menos impostos, com mais salários, com mais pensões, com apoio a empresas e com contas certas, ou haverá défice ou o estado social claudicará. Sou crente, mas não acredito em milagres políticos. Receio que a maior parte das promessas não passem de propaganda e, mais tarde, o governo nos interpele: “Não há dinheiro! Qual destas palavras é que não perceberam?”

2025.04.12 – Louro de Carvalho

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