O
presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, prometeu acabar
com a guerra e tomou a iniciativa, junto do presidente e da Rússia, Vladimir
Putin, para as negociações de paz, com este, a princípio, reticente, mas
confiante, a seguir.
Desde
logo, a arquitetura das negociações foi mal concebida, ao deixar de fora da
mesa das negociações o líder de um dos países beligerantes e os representantes
dos outros países aliados.
De
facto, não lembrava a Belzebu entabular negociações para o fim de uma guerra,
sentando à mesa apenas um dos beligerantes, o grupo representante de Vladimir
Putin, líder da força invasora, e postergando o grupo representante do
presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, líder da Ucrânia, o país invadido, com
territórios ocupados pelo invasor e considerados como regiões da Rússia, após
um pacote de referendos convocados unilateralmente pelo presidente russo e não
reconhecidos internacionalmente.
Depois,
Donald Trump entrou nas negociações, por iniciativa própria, através dos seus
representantes, por se tratar do líder de um país que apoiou a Ucrânia, em
termos militares e financeiros, mas não aceitou que integrassem a mesa das
negociações outros aliados – países e organizações governamentais, como a
Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO) e a União Europeia (UE) – bem
como a organização mundial vocacionada para a consecução e para a aquisição da
paz, a Organização das Nações Unidas (ONU).
Quem
parece ter estado bem na cena das negociações foi a Arábia Saudita,
limitando-se a ceder o palco e a acolher os negociadores.
Por
outro lado, quem vai para negociações não acusa um dos beligerantes de ditador
ou de fascista ou de ter causado a guerra, como fez Donald Trump a Volodymyr Zelensky,
tendo, ao invés, elogiado o líder do Kremlin, que também lançou ao inquilino da
Casa Branca os piropos encomiásticos de “inteligente” e “pragmático”.
Também
não andaram bem alguns políticos e politólogos, ao enfatizarem que Vladimir
Putin não quer a paz e o que pretende é continuar a guerra e que vai invadir um
país da Europa a breve prazo, no que Zelensky alinhou. Ora, não se negoceia com
preconceitos, nem com insultos.
Os
beligerantes diretos começaram por garantir que só cessariam as hostilidades
mantendo a situação territorial como está, o que mostra que se encara,
erradamente, a negociação com posições pré-definidas.
Não
se atribui ao invasor a responsabilidade pela guerra e, ao invés, aponta-se o
país invadido e agredido como o causador da guerra. Quer dizer: o invadido, o
destruído, o que viu os seus concidadãos a porem-se em fuga, é que é o
responsável pela guerra!
Assim,
não haverá paz, pois a guerra, se as negociações não mudarem de agulha,
manter-se-á.
O
presidente da Ucrânia, que estava, a princípio, renitente em abrir mão de
qualquer um dos territórios ocupados, incluindo a Crimeia, cedo passou a estar
disponível para ceder os territórios ucranianos ocupados à Rússia, em troca da
cedência de territórios russos por Moscovo, mas sem especificar que território
ou que territórios pretendia. Vincava que a Europa tinha de participar na mesa
das negociações, mas acedeu, em princípio, a subscrever um acordo com Donald
Trump, sem ter dado cavaco à NATO e à UE. Aliás, isso não me surpreende,
porquanto, o presidente ucraniano tanto é célere a pedir ajuda e a agradecê-la,
com a dizer que ela é insuficiente. E, às sanções decretadas contra a Rússia
pela UE e pelo dito Ocidente, em geral, que tanto prejudicaram a UE, pelo
efeito de ricochete, somou a não renovação da passagem de petróleo da Rússia
pelo território ucraniano (a compra do petróleo russo não fora objeto de
sanções), o que lesou as economias dos países da UE.
Os
minutadores do acordo de paz pretendiam, a gosto do presidente dos EUA, que a
Ucrânia disponibilizasse à Casa Branca a exploração de terras raras e de
minerais (nomeadamente, preciosos) e que, durante a exploração, nos custos a
pagar ao país, fosse descontada uma verba avultada, a favor dos EUA, em
compensação do apoio financeiro e militar fornecido ao governo de Kiev.
Volodymyr Zelensky reagiu, considerando que não poderia vender o país e que
ajuda norte-americana não fora tão avultada, pelo que não subscreveria um
acordo desse jaez. Porém, a seguir, assentiu em aceitar o acordo, quando a Casa
Branca prescindiu da dita compensação económica, mas sem obter, previamente,
qualquer garantia de apoio da administração norte-americana à segurança da
Ucrânia no pós-guerra. Além disso, elogiou o acordo e disse-se grato a Donald Trump.
Por
seu turno, Vladimir Putin apelou ao investimento, da parte dos outros países,
em terras raras e em minerais, nos seus territórios (leia-se territórios
russófilos ocupados durante a guerra).
Todo
este cenário significa a intenção de repartir a Ucrânia pelos EUA e pela
Rússia, ou seja, repartir os bens “preciosos” pelos dois países, sendo que a
Rússia manter-se-ia com soberania sobre os territórios ocupados, ao passo que
os EUA apenas defenderiam, na Ucrânia, os seus interesses, técnica e
financeiramente e, se necessário, militarmente.
Embora,
como diz, o líder norte-americano, a segurança na Ucrânia caiba à Europa, os
EUA garantiriam a segurança do país, quando e enquanto isso fosse necessário
aos interesses norte-americanos. Todavia, a Ucrânia parecia resignar-se a ter
ficado fora da negociações e a Europa viria a ser chamada às negociações,
depois de tido estar consumado, para reverter as sanções económicas estipuladas
contra a Rússia ou contra personalidades e empresas russas e, sobretudo, para
anular a ideia de ajudar Kiev com os ativos estatais da Rússia congelados.
De
resto, a Europa não partilharia da suposta repartição da Ucrânia.
***
Entretanto,
Volodymyr Zelensky aceitou viajar para os EUA, com vista a assinar a minuta do
acordo preparado por Washington, exigindo garantias de segurança necessária dos
norte-americanos da Ucrânia no pós-guerra, mas, por outro lado, mandou às
malvas a necessidade de a Europa e a Ucrânia participarem nas negociações.
Na véspera da visita do presidente da
Ucrânia aos EUA, o homólogo americano antevia um “encontro muito bom na Casa
Branca”, frisando: “Tenho muito respeito por ele.” Porém, o “encontro muito
bom” degenerou na “humilhação de um aliado no palco mundial”.
A reunião, na Sala Oval da Casa Branca
iniciou-se de forma cordial, mas depressa redundou em gritaria e na troca de
acusações entre Zelensky e Trump, com o vice-presidente do país anfitrião,
James David Vance, a contribuir para a confusão, falando em “desrespeito”.
A tensão cresceu tanto que a prevista
conferência de imprensa, habitual após cimeiras entre chefes de Estado na Casa
Branca, acabou cancelada, com Zelensky a abandonar o edifício a correr,
visivelmente aborrecido.
O presidente Donald Trump diz-se um
grande negociador, mas não fez um acordo com Vladimir Putin, no primeiro
mandato, um acordo com o Irão sobre o dossiê nuclear, nem qualquer acordo sobre
a Ucrânia, invadida em 2014. E, desta vez, tornou-se claro que não quer um
acordo para a Ucrânia, mas, apenas, recuperar a relação com o líder do Kremlin.
O congressista democrata Brendan Boyle
foi dos primeiros a enviar à imprensa uma reação àquele festival de gritaria.
“Foi um grande dia para Vladimir Putin. O presidente Trump e o vice-presidente
Vance são os seus maiores servos”, considerou.
A assinatura de um acordo preliminar que
daria acesso aos EUA aos recursos naturais ucranianos, em troca de mais auxílio
militar e financeiro, ficou suspensa. Agora, depois de tudo o que se passou, o
acordo está muito mais longe de ser alcançado.
O documento gizado por Washington não
previa garantias explícitas de segurança à Ucrânia. Ao invés, abordava a
criação de um Fundo de Investimento e Reconstrução, cujas verbas resultantes da
venda dos recursos naturais seriam reinvestidas na reconstrução daquele país do
Leste.
Além do gás e do petróleo, Washington
mostrou particular interesse nas terras raras, grupo de 17 elementos químicos
cruciais para o mundo tecnológico, dos smartphones aos computadores, passando
por baterias e por turbinas eólicas. A China controla o mercado mundial destes
minérios.
O presidente Trump não quer saber de
vitórias para os EUA, mas, apenas de vitórias pessoais. Aparece na televisão
com ar de mandão. E, agora, tendo humilhando um suposto herói de guerra, em
direto, julga que teve sucesso. Ora, a diplomacia não se negoceia em público. Assim,
a ida Zelensky a Washington foi a cilada montada por Donald Trump e James David
Vance ao visitante.
Focando a amizade entre o líder dos EUA
e o líder do Kremlin, a senadora democrata Jeanne Shaheen enviou uma nota de
imprensa, cerca de uma hora após a cimeira, onde se lê: “Torna-se claro que
Vladimir Putin manipula Donald Trump, que, por sua vez, não percebe que está a
ser manipulado. Vladimir Putin é um assassino, um ditador. É um bandido que
apenas percebe a linguagem da força. Infelizmente, temos um presidente que não
percebe isso.”
A maioria das sondagens publicadas nos
EUA sobre a guerra na Ucrânia revela que, entre 80% a 90% dos americanos,
apoiam os esforços de Kiev contra Moscovo, mas nem Trump nem Putin parecem
querer a paz.
***
Entretanto, enquanto a NATO pretende que
Zelensky reconsidere a relação com Trump, este acusa o seu homólogo ucraniano de
estar a brincar com a III Guerra Mundial e Putin considera que Zelensky foi
derrotado.
Ora Zelensky teria sido derrotado, se
tivesse assinado o acordo proposto por Washington. Ao invés, o presidente
francês, Emmanuel Macron, que tinha convocado um conjunto de países da UE e
outro de países da NATO para dias consecutivos, avistou-se com Donald Trump, em
Washington, e disse-lhe umas duras verdades, entre elogios e votos de
confiança, visitou Portugal, no âmbito da relação bilateral entre o nosso país
e a França, e concedeu uma entrevista à RTP1,
onde fez o ponto da situação das pretensas negociações, sublinhando que a
Ucrânia merece o apoio do Ocidente (sendo necessário o apoio dos EUA, no que
Zelensky está de acordo), mas que, face à eventual recusa de Trump, a Europa
tem de assumir a sua própria defesa e tratar da sua reindustrialização. Mais
considera que não é Zelensky quem provoca a III guerra mundial, nem com ela
está a brincar.
Por seu turno, o presidente ucraniano
foi recebido e ovacionado no Reino Unido. E, no encontro entre Keir Starmer e Volodymyr
Zelensky, o primeiro-ministro garantiu o apoio britânico à Ucrânia, “durante o
tempo que for preciso”, aliás a linha do que vem sendo repetido pela UE.
“Deixe-me dizer-lhe que é muito bem-vindo
aqui”, começou Keir Starmer por afirmar. “E, como deve ter percebido pelos
aplausos que vêm da rua, tem todo o apoio do Reino Unido.”
De facto, “o povo do Reino Unido saiu à rua
para mostrar que apoia a Ucrânia e que estamos determinados a ficar do vosso
lado, rumo àquilo que ambos desejamos, que é uma paz duradoura, com base na
soberania e na segurança da Ucrânia – tão importante para a Ucrânia, para a
Europa e para o Reino Unido”, vincou Keir Starmer
Depois da turbulenta reunião com Trump na Casa
Branca, o presidente ucraniano agradeceu as palavras de Keir Starmer, dizendo
contar com o apoio do Reino Unido e congratulando-se por o Rei Carlos III ter
aceitado recebê-lo no dia 2 de março.
Além disso, Georgia Meloni, primeira-ministra
da Itália quer salvar a situação, através de uma cimeira urgente da UE com os EUA, com o que
os líderes europeus parecem concordar.
Na verdade, Trump terá amuado, após o encontro
com Zelensky, e ameaçado retirar o apoio militar à Ucrânia, o que a Rússia mais
quer.
Haja alguém que tenha mão nisto, porque, de
contrário, brinca-se à guerra e a paz ficará bem mais longe, quando ela é possível
e é tão necessária.
2025.03.01 – Louro de Carvalho
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