Quase 140 anos depois de a Estátua da Liberdade ter sido oferecida pela França aos Estados Unidos da América (EUA), o eurodeputado francês Raphaël Glucksmann entende que é a hora de a Estátua da Liberdade, a dama verde, regressar à pátria, não se aplicando aqui o princípio segundo o qual “é falta de educação pedir um presente de volta”, visto que, há muito tempo, mas sobretudo, com o regresso de Donald Trump à liderança da Casa Branca, o país já não é a terra da liberdade, da justiça e da democracia representativa.
Na verdade, o deputado de centro-esquerda do Parlamento Europeu (PE) apresentou convincente argumento para a estátua regressar à França, sustentando que os EUA já não representam os valores que levaram França a oferecer a estátua. “Vamos dizer aos americanos que escolheram ficar do lado dos tiranos, aos americanos que despediram investigadores, por exigirem liberdade científica: ‘Devolvei-nos a Estátua da Liberdade’”, clamou Glacksmann, frisando: “Demos-vos a estátua como um presente, mas parece que a desprezais. Por isso, vai ficar bem aqui em casa.”
O soneto “The New Colossus”, de Emma Lazarus, está gravado numa placa de bronze no interior do nível inferior do pedestal. Os seus últimos versos – o segmento mais citado – são: “Dai-me os vossos cansados, os vossos pobres, / As vossas massas amontoadas / que anseiam por respirar livremente, // O miserável lixo da vossa costa. / Enviai-me estes, os sem-abrigo, a tempestade, / Eu levanto a minha lâmpada junto à porta dourada!”
O eurodeputado também criticou, duramente, os cortes de Donald Trump no financiamento federal das instituições de investigação, cortes que poderiam funcionar a favor de França, caso o governo atraísse investigadores norte-americanos para trabalharem no país. “A segunda coisa que vamos dizer aos americanos é: ‘Se quereis despedir os vossos melhores investigadores, se quereis despedir todas as pessoas que, através da sua liberdade e do seu sentido de inovação, do seu gosto pela dúvida e pela investigação, fizeram do vosso país a primeira potência mundial, então vamos dar-lhes as boas-vindas’”, afirmou Glucksmann, a 16 de março.
E, ao dirigir-se ao seu partido, Glucksmann criticou os líderes da extrema-direita, em França, acusando-os de serem “clube de fãs” de Trump e do seu bilionário, Elon Musk, cuja popularidade tem vindo a diminuir, tal como o valor de mercado da Tesla, já que os protestos “Tesla takedown” são frequentes à porta de concessionários nos EUA.
Donald Trump declarou, recentemente, enquanto a Casa Branca organizava um evento mediático destinado a apoiar a empresa de automóveis elétricos de Musk, que as pessoas que protestam contra a Tesla deviam ser rotuladas de terroristas domésticos. Além disso, considerou que quem se manifestasse contra Musk ou atacasse as salas de exposição da Tesla estava a “prejudicar uma grande empresa americana” e que quem usasse de violência contra o fabricante de carros elétricos iria “passar pelo inferno”.
Entretanto, a 17 de março, a porta-voz da Casa Branca, numa conferência de imprensa, respondeu ao apelo de Raphael Glucksmann, dizendo que “é apenas graças aos Estados Unidos que os Franceses não falam Alemão, hoje. Por isso, devem estar muito gratos ao nosso grande país”. Karoline Leavitt, que chamou ao eurodeputado “um pequeno e desconhecido político francês”, aludia à ajuda dos EUA, na libertação da França do controlo do regime nazi de Adolf Hitler, durante a II Guerra Mundial (1939-1945).
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A Estátua da Liberdade, cujo nome oficial é “A
Liberdade Iluminando o Mundo”, é uma colossal escultura neoclássica
em cobre (e também aço e cimento), localizada na Liberty Island (Ilha da Liberdade) – assim
designada desde 1956 –, no porto de Nova Iorque, nos EUA. Projetada pelo
escultor francês Frédéric Auguste Bartholdi, inspirado no Colosso de
Rodes, construída por Eugène-Emmanuel
Viollet-le-Duc e por Gustave Eiffel e inaugurada, a 28 de
outubro de 1886, é um presente do povo da França aos EUA. É uma
figura feminina vestida a representar Libertas,
deusa romana a carregar a tocha e a tabula ansata (tabuleta que
evoca uma lei) em que se lê “IV-VII-MDCCLXXVI”, data da Declaração da
Independência dos Estados Unidos. Uma corrente quebrada encontra-se a sob
pés, pois a estátua voltada para o Oceano Atlântico – com a altura total de 92,9
metros (m) correspondendo 46,9 m à altura da base e 46 m à altura da estátua
propriamente dita – é um ícone da liberdade e dos EUA e símbolo
de boas-vindas aos imigrantes.A ideia da estátua nasceu em 1865, quando o político, historiador e abolicionista francês Édouard de Laboulaye ideou um monumento para comemorar o centenário da independência dos EUA (1876), a perseverança da democracia americana e a libertação dos escravos do país. Porém, a Guerra Franco-Prussiana atrasou o processo até 1875, quando Laboulaye propôs que a França financiasse a estátua e os EUA fornecessem o local e fizessem o pedestal. E Bartholdi completou a cabeça e o braço portador da tocha, antes de a estátua ser totalmente projetada (o primeiro esboço é de 1870), e essas peças foram exibidas, para publicidade, em exposições internacionais.
O braço da tocha foi exibido na Exposição Universal de 1876, em Filadélfia, e no Madison Square Park, em Manhattan, de 1876 a 1882. A campanha de financiamento tornou-se difícil, sobretudo, para os norte-americanos; e, em 1885 o trabalho do pedestal foi ameaçado, devido à falta de fundos. Joseph Pulitzer, editor do New York World, iniciou um projeto de doações, que atraiu mais de 120 mil colaboradores, a maioria dos quais deram menos de um dólar. A estátua foi construída na França, enviada para o exterior em caixas (em 350 partes) e montada (em quatro meses) no pedestal concluído na Liberty Island, que se chamava“Bedloe”, ao tempo. A conclusão da estátua foi assinalada, em Nova Iorque, por uma parada e por uma cerimónia de dedicação presidida pelo presidente Grover Cleveland.
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A estátua foi
administrada pelo Conselho de Faróis dos Estados Unidos, até 1901; e, a seguir,
pelo Departamento de Guerra. Desde 1933, tem sido mantida pelo Serviço
Nacional de Parques. O acesso ao terraço que rodeia a tocha está barrado, por
motivos de segurança, desde 1916.O presidente Calvin Coolidge designou, oficialmente, a Estátua da Liberdade como parte do Monumento Nacional da Estátua da Liberdade, em 1924. O monumento foi expandido, para incluir Ellis Island, em 1965. Em 1966, a Estátua da Liberdade e Ellis Island foram adicionadas, em conjunto, ao Registo Nacional de Lugares Históricos e a estátua, individualmente, em 2017. A nível subnacional, a Estátua da Liberdade fora adicionada ao Registo de Lugares Históricos de Nova Jersey, em 1971, e transformada em marco designado pela cidade de Nova York, em 1976.
Em 1984, a Estátua da Liberdade foi classificada como Património Mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Na “Declaração de Importância”, a UNESCO descreve-a como “obra-prima do espírito humano” que “permanece como um símbolo altamente potente – inspirando contemplação, debate e protesto – de ideais como liberdade, paz, direitos humanos, abolição da escravidão, democracia e oportunidade”.
Foi um presente, como forma de prémio, aos EUA, após uma vitória em batalha travada contra a Inglaterra, embora, originalmente, a ideia de Bartholdi fosse uma obra tão portentosa como as pirâmides ou como a Esfinge a colocar como grande farol à entrada do Canal do Suez, no Egito.
Foi Édouard de Laboulaye, crítico de Napoleão III, quem, primeiro, propôs a ideia do presente. O projeto conheceu atrasos, pois, ao tempo, não era conveniente, do ponto de vista político, a França imperial comemorar as virtudes da ascendente república norte-americana. Não obstante, com a queda do Imperador Napoleão III, em 1871, ressurgiu a ideia de um presente aos EUA, que Bartholdi visitou, em julho, e onde encontrou o local ideal para a estátua.
Como o escultor era maçon, a imponente estátua incorpora símbolos da maçonaria – a tocha, na mão direita, o livro, na mão esquerda, e o diadema de 25 janelas e de sete espigões (ou raios), em torno da cabeça, com inspiração em Sophía (a deusa grega da sabedoria) – que emolduram o monumento. De facto, segundo os iluministas, fora ela que outorgou a sabedoria ao ideal da Revolução Francesa, de 1789. E o monumental presente foi o reconhecimento do apoio intelectual norte-americano à França, na sua revolução. Os EUA tinham a amarga experiência da luta contra Inglaterra para a independência e da guerra civil Norte-Sul.
Há quem veja, nas 25 janelas da coroa, a representação das 25 joias que se encontram naquelas terras; e, nos 25 espigões ou raios, os “sete” continentes (África, América do Norte, América do Sul, Antártida, Ásia, Europa e Austrália) e os sete oceanos (Atlântico do Norte, Atlântico do Sul, Índico, Pacífico do Norte, Pacífico do Norte, Glacial Ártico e Glacial Antártico), na denominação de alguns países de língua inglesa.
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A estátua (que
importou em 400 mil dólares) foi montada em solo francês e ficou pronta em 1884,
mas fora entregue, oficialmente, ao ministro dos EUA em Paris, a 4 de julho de
1880. Depois, foi desmontada e enviada para os EUA em navios, para ser
remontada no lugar definitivo. A construção do pedestal, ficou a cargo dos
norte-americanos, é obra de Richard Morris Hunt,
que importou em 250 mil dólares e serve como base do monumento. E, em 28
de outubro de 1886, a assinalar o centenário da Declaração de Independência dos
Estados Unidos, milhares de pessoas acompanharam a cerimónia de inauguração do
monumento, que funcionou como farol, de 1886 a 1902, e foi pioneiro na
utilização elétrica em faróis, tendo conta que, até então, se utilizavam
tochas, em vez de lâmpadas elétricas.Os visitantes subiam por escadas até à tocha da estátua, mas, em 1916, na I Guerra Mundial, o ato de sabotagem, conhecido como “explosão Black Tom” e coordenado pelo governo alemão, danificou a tocha e um pedaço do vestido. Após o episódio, não mais foi permitida a visita à tocha.
A estátua sofreu um grande restauro, aquando da comemoração do seu centenário, sendo reinaugurada a 3 de julho de 1986. Esse restauro custou 69,8 milhões de dólares. Procedeu-se a uma limpeza geral na estátua e na coroa, que foi substituída, por ter ficado corroída pelo tempo. A coroa original está exposta no saguão. Na festa da reinauguração, fez-se a maior queima de fogo de artifício jamais vista nos EUA, até então.
Depois do atentado terrorista contra o World Trade Center, a 11 de setembro de 2001, que resultou no desabamento das torres gémeas, a subida à coroa foi proibida, por motivos de segurança. Porém, a 4 de julho de 2009, foi reaberta, com subida também por elevador, depois de fechada ao público, durante oito anos.
A estátua mede 46,50 metros (92,99 metros contando o pedestal). O nariz mede 1,37 metros. O conjunto pesa um total de 24635 toneladas, das quais 28 toneladas são cobre, 113 toneladas são aço e 24493 toneladas de cimento, no pedestal. Com as suas 24635 toneladas, é, atualmente, a estátua mais pesada do Mundo, segundo o Guiness Book.
São 167 degraus de entrada até ao topo do pedestal, mais 168 até a cabeça e, por fim, outros 54 degraus levam até a tocha. Somados, consistem num total de 389 degraus. Por ter sido construída em cobre (o material escolhido, inicialmente, era o bronze, mas deixou de ser opção, devido ao elevado custo), a estátua apresentava, originalmente, coloração dourada. Entretanto, devido a uma série de reações químicas conhecidas como patinação, formaram-se sais de cobre à superfície, o que lhe conferiu a tonalidade verde-azulada. Registos históricos não fazem menção da fonte do cobre da Estátua da Liberdade, mas suspeita-se que seja proveniente da Noruega.
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Após a
inauguração, a estátua da liberdade, converteu-se num ícone da cidade de
Nova Iorque e, mesmo, de todos os EUA, sendo considerada, atualmente, como
um símbolo nacional. Não é incomum o lançamento de moedas e de
selos postais com a figura da estátua. A imagem da estátua é adotada em
logótipos de empresa, de companhias cinematográficas, em cursos de
línguas, em agências de turismo, entre outros. Aparece, recorrentemente, em
filmes e em programas de televisão, sobretudo, quando estes desejam salientar
que a filmagem se passa nas cercanias da cidade de Nova Iorque. É utilizada,
oficialmente, como um dos símbolos do estado de Nova Iorque, inclusive,
uma das versões das placas de identificação de veículos licenciados
em Nova Iorque tem a imagem da estátua como pano de fundo.A identidade dos norte-americanos com a estátua é tamanha que a população, carinhosamente, a apelidou de “Miss Liberty” (Senhorita Liberdade). No resto do Mundo, o monumento é muito mencionado, não sendo incomum a adoção de réplicas da estátua, em diversas cidades como Maceió, no Brasil, Leicester, na Inglaterra, Misawa, no Japão, e, obviamente, em Paris, na França.
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Enfim, um
monumento carregado de História e dos valores fundamentais da liberdade, da
justiça e da democracia, tornou-se um polo de atração turística.
2025.03.17 – Louro de Carvalho
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