sexta-feira, 14 de março de 2025

Busca de paz na Ucrânia está rodeada de sérias contradições

 
Está em negociação entre representantes dos Estados Unidos da América (EUA), por iniciativa de Donald Trump, e os da Rússia, com a participação dos da Ucrânia, um cessar-fogo de 30 dias, com vista a uma paz sólida e duradoura.
Entretanto, enquanto o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, parece confiar nestes esforços negociais que estão a decorrer em Riade, na Arábia Saudita, há diligências e posturas paralelas.    
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Depois de o presidente da Ucrânia, ao invés do que sucedera na Sala Oval da Casa Branca, a 28 de fevereiro, ter manifestado a disponibilidade para subscrever o acordo preparado pelo estado-maior do presidente dos EUA, Donald Trump, os negociadores foram a Moscovo conferenciar com o presidente russo, Vladimir Putin.
O inquilino do Kremlin questionou, especificamente, o que aconteceria à região russa de Kursk e às exigências que a Rússia refere como as “causas profundas” da invasão da Ucrânia.
Durante uma conferência de imprensa na capital russa, Vladimir Putin mostrou-se, a 13 de março, a favor de uma proposta de cessar-fogo de 30 dias, conducente a uma “paz duradoura”, mas frisou que há cambiantes, em relação àquilo com que concordaria, ou seja, a proposta deve abordar aquilo a que o Kremlin chama as “causas profundas” e conduzir à superação das mesmas.
As ditas “causas profundas” são os pretextos utilizados por Vladimir Putin para invadir a Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, que incluem a “desmilitarização” da Ucrânia e o compromisso com o estatuto de neutralidade.
Por conseguinte, um acordo aceitável exigirá que a Ucrânia deixe de mobilizar tropas e de as treinar. E um dos requisitos apontados é que Kiev não receba apoio militar durante o cessar-fogo.
“Durante estes 30 dias, a mobilização vai continuar na Ucrânia? Serão fornecidas armas à Ucrânia? Serão necessários estes 30 dias para que as novas unidades mobilizadas sejam treinadas? Ou será que nada disso vai acontecer?” Estas são perguntas (como outras) enumeradas pelo presidente russo que parecem não ter resposta.
Um dos aspetos mais relevantes que mencionou foi a situação na região de Kursk. Kiev iniciou a sua incursão transfronteiriça, em agosto de 2024, mas, nos últimos dias, as forças russas terão retomado parte significativa do território, incluindo a cidade de Sudzha.
Assim, Vladimir Putin, referindo-se às forças ucranianas, perguntava o que significa cessar as hostilidades, durante 30 dias: se todos os que estão em Kursk se vão embora, sem dar luta, e se é suposto deixá-los sair, depois de terem cometido muitos crimes. No entanto, não mencionou a ocupação dos territórios ucranianos por Moscovo, nem as atrocidades cometidas durante a invasão em grande escala, que já vai no seu quarto ano.
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Por seu turno, o presidente dos EUA recebeu, em Washington, Mark Rutte, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Os dois discutiram a questão da Gronelândia, tendo Donald Trump voltado a defender a anexação, por razões de segurança.
Donald Trump e Mark Rutte não agendaram uma conferência de imprensa, mas falaram com os jornalistas na Sala Oval, no início da reunião, tendo um repórter perguntado qual era a visão do presidente sobre a possível anexação da Gronelândia, tendo este sustentado que “isso vai acontecer”. “Estou sentado com um homem que pode ser muito útil”, acrescentou Donald Trump, apontando para Rutte, com a mão, e coloquiando: “Sabe, Mark, é muito importante para a segurança internacional, porque temos muitos dos nossos jogadores favoritos a passear pela costa e temos de ter cuidado. Vamos falar convosco.”
O secretário-geral da NATO interveio, dizendo: “No que diz respeito à Gronelândia, se se junta aos EUA ou não, deixo isso de fora nesta discussão, porque não quero arrastar a NATO para isso.”
Porém, continuou, dizendo que concorda com a importância da região. “Sabemos que os Chineses estão a utilizar esta rota e que os Russos estão a utilizar esta rota. E sabemos que nos faltam quebra-gelos. Há sete países do Ártico na região que estão a trabalhar neste assunto, sob a liderança dos EUA, o que é muito importante e nós temos de estar lá”, frisou.
Vê-se que está em causa o patrulhamento da região do Ártico, que é também preocupação do presidente norte-americano, na disputa com a Rússia e nas visitas suspeitas da China.
Neste aspeto, Donald Trump referiu que os EUA já encomendaram 48 quebra-gelos para este efeito. “A Rússia tem 40 quebra-gelos. Temos de ter proteção. Temos de fazer um acordo sobre isso. E a Dinamarca não é capaz de o fazer. A Dinamarca está muito longe e não tem nada a fazer. Desembarcaram lá, há 200 anos ou algo do género, e dizem que têm direitos sobre o local. Não sei se isso é verdade. Não creio que seja, de facto”, declarou o ambicioso presidente dos EUA.
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Um quebra-gelo é um navio especialmente concebido para navegar em águas geladas e, por isso, a proa tem formato apropriado para a quebra do gelo, o que permite navegar por águas cobertas por gelo. Enquanto um navio normal de alto mar tem proa vertical, geralmente, com um bulbo submerso, os navios quebra-gelos têm proa semelhante a uma rampa invertida. Ao forçar caminho para vante, esta rampa impele a proa no navio para cima. E há uma ocasião em que o peso do navio é tão grande que o gelo não suporta mais e quebra.
Atualmente, existem novos tipos de navios quebra-gelo equipados com azipods, montados a vante, funcionando como propulsor e como picador de gelo.
O azipod ou propulsor azimutal é um sistema de propulsão de alguns navios, sobretudo paquetes e navios quebra-gelo. Consiste num motor elétrico do estilo “fora-de-bordo”, na forma de um motor de popa, acoplado ao casco do navio que tem a capacidade de girar 360º, sem necessidade de leme, já que, ao dirigir, diretamente, com o timão ou roda-do-leme, o azipod dirige-se, igualmente, no fluxo de água.
Os quebra-gelos servem para abrir caminho para os navios cargueiros ou petroleiros, em rios, como Hamburgo, na Alemanha, ou em portos, como Helsínquia, na Finlândia, e em outros portos nórdicos.
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Voltando ao encontro em Washington, Donald Trump recordou aos jornalistas que o seu país já tem várias bases e muitos soldados na Gronelândia. “Talvez vejam mais e mais soldados a ir para lá, não sei”, vincou.
Quanto à Ucrânia, o líder da Casa Branca tem exigido que os países europeus gastem mais dinheiro na própria segurança e nos custos do apoio à Ucrânia contra a invasão total da Rússia.
Quer dizer: o secretário-geral da NATO queria convencer o presidente Trump de que os interesses dos EUA são mais bem servidos, enquanto principal membro da aliança transatlântica, mas o presidente dos EUA aproveitou para pressionar os aliados da NATO a concentrarem-se na sua obrigação de se defenderem, sem dependência do apoio dos EUA, tendo ameaçado retirar o apoio aos membros da NATO que não gastam, pelo menos, 2% do seu produto interno bruto (PIB) na Defesa.
Não obstante, o presidente norte-americano, que determinou o corte de ajuda militar e financeira à Ucrânia, já prometeu novo envio de armamento para aquele país.
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Entretanto, há uma iniciativa da alta representante da Diplomacia da União Europeia (UE), que enfrenta questões pendentes e resistências políticas que ameaçam atrasar a sua aprovação e o seu lançamento.
Kaja Kallas apresentou um plano ambicioso para mobilizar até 40 mil milhões de euros, para um novo apoio militar à Ucrânia, o que, a concretizar-se, representará o dobro da ajuda à Defesa que a UE despendeu, em 2024, em favor daquele país.
O plano, apelidado de “iniciativa Kallas”, em Bruxelas, procura satisfazer as necessidades prioritárias da Ucrânia para combater a guerra de agressão da Rússia, com especial ênfase nas munições de artilharia, nos sistemas de defesa aérea, em mísseis, em drones e em aviões de combate. Também serão tidas em conta, para garantir a participação dos estados-membros neutros, as disposições não letais, como a formação e o equipamento das brigadas ucranianas.
As doações podem ser feitas, através de entregas diretas de hardware ou de contribuições financeiras, idealmente concebidas para promover as compras da indústria de defesa ucraniana, que se expandiu a um ritmo acelerado, nos últimos três anos.
De acordo com a última versão do documento, datada de 13 de março, o valor da iniciativa deverá ser de, “pelo menos, 20 mil milhões de euros” e, “potencialmente”, atingir os 40 mil milhões de euros. Uma versão anterior não apresentava um valor económico claro.
O plano fala de países “participantes”, o que implica uma mudança em direção a uma coligação de interessados que pode – ou não – corresponder aos 27 Estados-membros.
A Hungria tornou-se um crítico declarado da assistência militar à Ucrânia, chegando a bloquear as conclusões conjuntas de uma cimeira especial . O primeiro-ministro, Viktor Orbán, descreveu esta assistência como uma agenda “pró-guerra”, que vai contra o objetivo de Donald Trump de alcançar um acordo entre as partes beligerantes, e recusou-se a dizer se Vladimir Putin tem uma agenda pró-guerra ou pró-paz.
Durante quase dois anos, a Hungria manteve um veto a 6,6 mil milhões de euros de fundos do Mecanismo Europeu para a Paz (MEP), que se destina a reembolsar, parcialmente, os estados-membros pelas armas e munições que enviam para a Ucrânia. Os diplomatas tentaram várias vias para contornar Budapeste e desbloquear o MEP, mas nada resultou, até à data.
Kaja Kallas parece querer evitar o erro e está a apresentar a nova iniciativa como um esquema voluntário que pode evitar o voto negativo da Hungria. A Eslováquia, outro crítico acérrimo da assistência militar a Kiev, também poderá constituir um obstáculo.
O último projeto diz que “os estados participantes são encorajados” a apresentar novas contribuições (linguagem que fica aquém da obrigatória). Os compromissos devem ser comunicados a Bruxelas até 30 de abril.
Por outro lado, a chefe da Diplomacia da União Europeia está a abrir a coligação a países não pertencentes ao bloco, como o Reino Unido e a Noruega, que se envolveram de perto nas discussões em curso, sobre as garantias de segurança para a Ucrânia. No início de março, a Noruega aumentou o seu compromisso de 2025, para 50 mil milhões de coroas norueguesas, o equivalente a 8,19 mil milhões de euros.
“A ‘iniciativa Kallas’ está aberta a países terceiros”, confirmou um alto funcionário da UE no dia 14 de março, considerando: “Quanto mais países participarem, melhor será, para satisfazer as necessidades da Ucrânia de estar numa posição forte na trajetória que se avizinha.”
A “iniciativa Kallas” tem sido objeto de debate, há várias semanas, em Bruxelas, e ficou agendada nova discussão, a 16 de março, numa reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros, e novamente no dia 20, numa cimeira dos líderes da UE.
A necessidade de reforçar o apoio à Ucrânia tornou-se premente, em resposta ao pivot da administração Trump, em direção a Moscovo, e à retórica contra os aliados europeus.
Kaja Kallas quer receber o aval político dos estados-membros, antes de transformar o seu documento de três páginas num projeto mais detalhado. “Primeiro, uma vontade política; e, depois o resto seguir-se-á”, disse o referido alto funcionário.
Porém, não se espera um acordo em nenhuma das duas reuniões, devido a uma série de questões técnicas e políticas ainda não resolvidas.
Kallas propôs que uma “parte” da contribuição militar seja feita “de acordo” com o “peso económico” de cada país, utilizando o rendimento nacional bruto (RNB) como principal indicador para garantir que os maiores países forneçam as maiores doações.
Por exemplo, a França terá resistido a esta fórmula, por obrigar o país a comprometer-se com um valor elevado para todo o ano, apenas atrás da Alemanha. De acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial, a França está abaixo da Dinamarca, da Suécia e da Holanda, países muito mais pequenos, quando se trata de apoio militar. E diz-se que Paris prefere basear as suas provisões nos seus ciclos financeiros e nas necessidades variáveis da Ucrânia, no terreno. Mas, para os outros governos, o RNB é o indicador mais adequado, por garantir uma distribuição justa e proporcional dos encargos.
“Somos muito favoráveis ao plano, incluindo o RNB”, afirmou um diplomata de alto nível, sob anonimato, apontando: “Vamos ver se é aceite pelos outros Estados-Membros. […] O plano está a tentar traçar um novo caminho, mas é necessário que haja muita discussão.
Outra questão que as capitais querem esclarecer é a contabilidade: como é que as promessas feitas, nos últimos meses, serão consideradas no valor coletivo. (O último projeto fala de apoio “prestado em espécie, desde 24 de fevereiro de 2025”, o terceiro aniversário da guerra).
O processo de contabilização pode incorporar o valor das garantias de segurança fornecidas à Ucrânia, o que pode beneficiar a França, já que o presidente Emmanuel Macron afirmou que estaria disposto a colocar botas no terreno para salvaguardar um potencial acordo com a Rússia.
Os países também estão a pressionar para obter respostas sobre a forma como a “iniciativa Kallas” integrará os 18 mil milhões de euros que a UE irá fornecer a Kiev, como parte de um empréstimo extraordinário apoiado pelos lucros inesperados dos ativos congelados da Rússia. A Comissão Europeia, que concebeu o empréstimo, prometeu “flexibilidade máxima”, a fim de permitir que a Ucrânia utilize a tão necessária injeção de liquidez para adquirir armas e munições avançadas.
Há uma questão adicional sobre a eficácia do plano, na prática, se for construído, desde o início, como um esquema voluntário sem uma base jurídica sólida. “É feito numa base voluntária para contornar a Hungria”, disse um diplomata sénior de outro país, dizendo que se espera “que os restantes países unam esforços e façam valer o seu dinheiro”.
Porém, uma vez assumido, o acordo é politicamente vinculativo, pelo se espera que todos o cumpram.
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Enfim, a via tão necessária para a paz é bem espinhosa e contraditória. Oxalá que valha a pena.

2025.03.14 – Louro de Carvalho


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