quarta-feira, 12 de março de 2025

Ex-presidente das Filipinas levado para Haia sob acusação do TPI

 
Rodrigo Duterte, antigo presidente das Filipinas, chegou a Haia, a 12 de março, após ter sido detido em Manila, no dia anterior, por ordem do Tribunal Penal Internacional (TPI), que vem a investigar os homicídios em massa relacionados com a chamada guerra contra a droga de Duterte.
O antigo presidente Duterte enfrenta uma acusação de crimes contra a Humanidade conexos com a repressão mortífera do negócio da droga que supervisionou, durante o seu mandato.
A polícia deteve-o no aeroporto de Manila, quando regressava de uma viagem a Hong Kong; e dali embarcou, depois, num avião, com destino ao Dubai. Dados de monitorização do voo mostram que a aeronave esperou, durante horas, no Dubai, antes de descolar para o aeroporto de Roterdão-Haia, nos Países Baixos, onde está sediado o TPI. E os meios de comunicação filipinos publicaram uma fotografia que mostra o que dizem ser Rodrigo Duterte no avião a caminho dos Países Baixos.
À chegada, espera-se que Duterte seja levado para uma prisão neerlandesa, no subúrbio de Scheveningen, em Haia, que contém um complexo prisional especial da Organização das Nações Unidas (ONU), a cerca de dois quilómetros do TPI. Na lista de prisioneiros que já pernoitaram nesse local, incluem-se os ex-presidentes Slobodan Milošević, da Sérvia, e Charles Taylor, da Libéria, bem como Ratko Mladić, general do exército sérvio da Bósnia.
Entretanto, vários manifestantes e apoiantes do antigo presidente das Filipinas já se reuniram em frente ao TPI. Uma manifestante, Alodiq Santos, reconheceu a dor das pessoas afetadas pela decisão do tribunal, mas disse acreditar que seria a coisa certa a fazer. “É uma experiência muito emotiva para as pessoas. A política no país tem sido, desde há muito, um processo de clientelismo e de personalização. E, no final de contas, somos todos filipinos. Por isso, está a prejudicar-nos. Mas temos de nos manter firmes nos princípios em que todos acreditamos pessoalmente”, referiu.
Segundo a CNN, numa declaração ao The Philippine Star, Sara Duterte – a filha mais velha de Duterte, que também é vice-presidente do país e que se prepara para viajar para Haia – disse que o pai estava a ser levado para aquela cidade. “Enquanto escrevo isso, ele está a ser levado à força para Haia, nesta noite. Isso não é justiça; isso é opressão e perseguição”, declarou.
Em 2021, o TPI abriu um inquérito sobre os assassinatos em massa relacionados com a guerra contra a droga, supervisionada por Duterte, quando era presidente da câmara da cidade de Davao, no Sul das Filipinas, e como presidente do país, mais tarde.
As estimativas do número de mortos durante o seu mandato presidencial variam, desde os 6247, que a polícia nacional relatou e que o governo reconhece, até aos 30 mil, reivindicados por grupos de direitos humanos. E, de acordo com o mandado de detenção, os juízes do TPI que analisaram as provas da acusação que sustentam o pedido de detenção encontraram “motivos suficientes para acreditarem que Duterte é, individualmente, responsável pelo crime de homicídio contra a Humanidade”, enquanto “coautor indireto, por ter, alegadamente, supervisionado os assassinatos quando era presidente da câmara de Davao e, mais tarde, como presidente das Filipinas”.
Em 2019, o presidente Duterte retirou as Filipinas do TPI, numa medida que os ativistas de defesa dos direitos humanos dizem ter como objetivo escapar à responsabilização. E o seu governo mobilizou-se para suspender a investigação global do tribunal, no final de 2021, argumentando que as autoridades filipinas já estavam a averiguar as mesmas alegações e alegando que o TPI – tribunal de último recurso – não tinha, portanto, jurisdição.
Porém, os juízes de recurso do TPI rejeitaram esses argumentos e decidiram, em 2023, que a investigação poderia ser retomada.
Assim, poucos dias depois de ser detido no complexo prisional do tribunal, Duterte será presente a essa entidade para audiência. Os juízes confirmarão a sua identidade, verificarão se compreende as acusações que lhe são imputadas e marcarão uma data para uma audiência de confirmação das acusações, na qual um painel de juízes de pré-julgamento, avaliará se os procuradores têm provas suficientes para levar a cabo um julgamento completo.
Rodrigo Duterte poderá contestar a jurisdição do tribunal e a admissibilidade do processo. Porém, embora as Filipinas já não sejam um país membro do TPI, os alegados crimes ocorreram antes de Manila se ter retirado desta entidade.
Provavelmente, o processo demorará meses e, se o caso for a julgamento, poderá demorar anos. Duterte pode pedir liberdade provisória do centro de detenção do tribunal, enquanto espera pelo desenrolar do processo, embora caiba aos juízes decidir se respondem favoravelmente ao pedido.
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Por seu turno, o presidente filipino, Ferdinand “Bongbong” Marcos Júnior, que sucedeu a Rodrigo Duterte, em 2022, e se envolveu numa amarga disputa política com o antigo presidente, decidiu não voltar a juntar-se ao tribunal mundial, mas prometeu cooperar, se o TPI pedisse à polícia internacional que levasse Duterte sob custódia.
De acordo com um comunicado do gabinete do presidente, Ferdinand Marcos, Rodrigo Duterte, no âmbito de um processo de crime contra a Humanidade apresentado contra ele, foi detido pela polícia, no aeroporto internacional de Manila, no dia 10 de março por ordem do TPI, que tem estado a investigar os homicídios que ocorreram, durante a repressão do antigo presidente, contra o consumo e tráfico de drogas. Duterte foi detido, como se disse, depois de chegar de Hong Kong, e a polícia levou-o sob custódia por ordem do TPI.
“Aquando da sua chegada, o procurador-geral notificou o antigo presidente de um mandado de captura do TPI por crime contra a Humanidade”, informou fonte do governo, acrescentando que ele passara a estar “sob custódia das autoridades”.
A detenção-surpresa provocou tumulto no aeroporto, onde advogados e assessores de Duterte protestaram, ruidosamente, por terem sido impedidos, juntamente com um médico e advogados, de se aproximarem dele, depois de ter sido levado sob custódia policial. “Trata-se de uma violação do seu direito constitucional”, declarou aos jornalistas o senador Bong Go, aliado de Duterte.
O gabinete da Polícia Internacional em Manila recebeu cópia oficial do mandado de captura do tribunal mundial, segundo informou o governo. Não ficou imediatamente claro para onde Duterte foi levado pela polícia. O governo disse que o ex-líder do país, de 79 anos, estava em boas condições de saúde e que foi examinado por médicos.
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O TPI começou a investigar os homicídios sob a liderança de Rodrigo Duterte de 1 de novembro de 2011, quando ainda era autarca da cidade de Davao, no Sul do país, e fê-lo até 16 de março de 2019. A investigação analisava possíveis crimes contra a Humanidade. Em 2019, Duterte retirou as Filipinas do Estatuto de Roma (que formalizou a criação do TPI) e a sua administração moveu-se para suspender a investigação do tribunal, aduzindo que as autoridades filipinas estavam a investigar as mesmas alegações, pelo que o TPI não tinha jurisdição.
Todavia, o TPI, com sede em Haia, nos Países Baixos, pode intervir, quando os países não querem ou não podem processar os suspeitos dos crimes internacionais mais hediondos, incluindo genocídio, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade.
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O filipino Rodrigo “Digong” Roa Duterte, nascido a 28 de março de 1945 é um político e advogado que foi presidente do seu país, entre 2016 e 2022. Com efeito, a 30 de junho de 2016, foi eleito como o 16.º presidente das Filipinas, com 16601997 votos, correspondentes a 39% dos votos válidos, os obtidos pelo partido PDP-Laban. Desempenhou o cargo até 30 de junho de 2022.
Nascido em Maasin, na província de Leyte (agora, Leyte do Sul), Duterte mudou-se para a província de Davao, já que o pai, Vivente Duterte, era o governador regional.
Estudou Ciências Políticas no Liceu da Universidade das Filipinas, tendo-se formado em 1968, antes de obter o diploma de Direito, na Faculdade de San Beda, em 1972. Passou a trabalhar como advogado e foi procurador da cidade de Davao, antes de se tornar vice-prefeito e foi, subsequentemente, prefeito de Davao, após a Revolução do Poder Popular, de 1986. Conquistou sete mandatos e foi prefeito de Davao, durante 22 anos, tendo transformado a cidade outrora dominada pelo crime em região pacífica e amigável para os investidores.
Durante a sua presidência, a política interna concentrou-se no combate ao comércio ilegal de drogas – iniciando uma controversa guerra às drogas – no combate ao crime e à corrupção, além de ter intensificado a luta contra o terrorismo e contra a insurgência comunista. Paralelamente, lançou um maciço programa de infraestruturas, iniciou uma série de reformas económicas liberais, simplificou processos governamentais e propôs uma mudança para um sistema federal de governo que não teve sucesso. Entre alguns eventos notórios, estão a Batalha de Marawi, de 2017, e a resposta do governo contra a pandemia de covid-19, nas Filipinas. 
O presidente Rodrigo Duterte declarou a intenção de promover uma “política externa independente”, fortalecendo as relações com a China e com a Rússia. Inicialmente, declarou a intenção de concorrer à vice-presidência, na eleição de 2022, mas, em outubro de 2021, anunciou que estava a aposentar-se da política. A 15 de novembro de 2021, apresentou a candidatura a senador, mas retirou-a, a 14 de dezembro. As suas posições políticas são tidas como populistas e nacionalistas. O seu sucesso político foi auxiliado pelo seu apoio vocal a assassinatos extrajudiciais de usuários de drogas e outros criminosos. A sua política provocou inúmeros protestos e atraiu controvérsias, principalmente, em matéria de direitos humanos e pelos seus comentários controversos.
Duterte confirmou, repetidamente, ter matado, pessoalmente, suspeitos de crimes, durante o seu mandato como prefeito de Davao. As execuções extrajudiciais supostamente cometidas pelo Esquadrão da Morte de Davao, entre 1998 e 2016, durante a gestão de Duterte como prefeito, foram escrutinadas por grupos de direitos humanos e pela Ouvidoria local. As vítimas eram, principalmente, supostos usuários de drogas, pequenos criminosos e crianças de rua. Testemunhos e relatórios reunidos ao longo dos anos sugerem que policiais recebiam recompensas em dinheiro pelas execuções.
O TPI abriu uma investigação preliminar sobre a guerra as drogas de Duterte, em 2018, levando a que o presidente filipino removesse o país do grupo. É o único presidente na História das Filipinas a não declarar os seus bens e ativos e passivos. A sua popularidade e o seu índice de aprovação doméstica permaneceram relativamente altos, ao longo do seu mandato.
Em 15 de maio de 2017, a Comissão de Justiça do Congresso nas Filipinas rejeitou uma queixa apresentada pelo deputado da oposição Gay Alejano, que denunciava o envolvimento de Duterte com narcotraficantes. As razões para a rejeição eram que a queixa “carecia de substância” e se baseava em “rumores”. Os membros da Comissão de Justiça do Congresso eram, na sua maioria, integrantes de partidos favoráveis a Duterte, o que gera denúncia de enviesamento em prol dele, na decisão. Em abril de 2017, foi apresentada outra queixa, pelo advogado Jude Sabio junto ao TPI, em Haia, por crimes contra a Humanidade, o que levou à emissão de um mandado de captura, que deu o resultado acima referido.
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A Conferência dos Bispos Católicos das Filipinas, há muito tempo, que manifestava aberta oposição a Duterte, pela sua “guerra às drogas”, e se opôs ao seu apelo, em 2020, para reaplicar a pena de morte para o uso ilegal de drogas e para outros crimes.
A Cáritas Filipinas, divisão de ação social da conferência, elogiou, desta vez, os desenvolvimentos no caso do ICC (International Criminal Court, ou seja, o TPI) contra Duterte. A organização pediu aos apoiantes e aliados políticos de Duterte que deixassem de lado a lealdade pessoal e que escolhessem “ficar com o império da lei”.
“Esses assassinatos não foram aleatórios, antes integraram uma política que violava o direito fundamental à vida”, disse o bispo de San Carlos, Dom Gerardo Alminaza, vice-presidente da Cáritas Filipinas. “As famílias das vítimas merecem verdade, reparações e justiça”, disse Alminaza. “Como nação, devemos garantir que tais crimes nunca mais aconteçam”.
Rodrigo Duterte, no seu mandato, foi abertamente hostil à Igreja Católica, à qual pertence a vasta maioria dos Filipinos. Pouco antes da sua eleição para presidente, chamou o papa Francisco de “filho da p-a”, por causa de um engarrafamento de trânsito na capital, Manila, durante uma visita do Pontífice ao país. Mais tarde, Duterte, já presidente, desculpou-se, através de carta a Francisco.
Em junho de 2018, num discurso, chamou Deus de “estúpido” e “filho da p-a”, tal como disse que a maioria dos padres filipinos eram homossexuais.
Naquele mesmo mês, disse estar disposto a entrar em diálogo com a Conferência Episcopal do país, num esforço para reparar relacionamentos, e o porta-voz de Duterte anunciou que seria criado um comité para melhor colaborar e se relacionar com a hierarquia da Igreja. 
Mais tarde, naquele mesmo ano, Rodrigo Duterte disse que os cidadãos deveriam “matar e roubar” os bispos, dizendo que “esse bando estúpido não serve para nada – tudo o que faz é criticar”.
Em mensagem pastoral de setembro de 2021, o arcebispo de Nueva Segovia, Dom Marlo Mendoza Peralta, o arcebispo de Lingayen-Dagupan, Dom Sócrates Buenaventura Villegas, e o arcebispo de Tuguegarao, Dom Sergio Lasam Utleg, no Norte da ilha de Luzón, lamentaram a onda de assassinatos relacionados com as drogas, no país, e os ataques a jornalistas, a membros da oposição política, a advogados, a ativistas e a padres. Os arcebispos pediram aos fiéis que resistissem à “cultura de assassinato e de pilhagem”.
Em 2020, quatro bispos e dois padres foram acusados ​​de tentar derrubar Duterte, mas as acusações foram retiradas. Vários padres e leigos, presos sob o governo de Duterte, por criticarem a guerra às drogas, foram absolvidos em 2023.
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Enfim, um perfil pessoal e político nada aceitável, típico do autocrata e do ditador, para quem tudo vale, das palavras aos atos, nomeadamente, os indiretos: manda, paga e pune o insucesso.

2025.03.12 – Louro de Carvalho


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