sexta-feira, 7 de março de 2025

O Leão é símbolo de vários santos e uma faceta de Cristo

 

A 5 de março, algumas comunidades católicas celebraram a memória litúrgica (nalguns lugares, festa) de São Gerásimo ou São Gerásio.

Segundo uma tradição antiga, perto do rio Jordão, Gerásimo tinha um leão de estimação que, após a morte do santo, fez um gesto emocionante e carinhoso no seu túmulo. Por isso, o animal é lembrado com estátuas num santuário religioso que possui uma caverna onde a Sagrada Família (Maria, Jesus e José) se teria refugiado, durante a fuga para o Egito.

Segundo o livro “Vidas dos Santos”, do padre Alban Butler, são Gerásimo nasceu na Lícia, no Sul da Turquia atual. Tornou-se eremita (em Latim, “eremus”, “deserto”) ou anacoreta (em Grego, “anakhrētḗs”, “o que abdicou do Mundo”, do verbo anachōréō, significando “retirar-se”, “recolher-se”) e viajou para a Terra Santa. A princípio, seguia a heresia do eutiquianismo ou monofisismo, segundo a qual Jesus Cristo não tinha duas naturezas (a divina e a humana), mas apenas a divina. Portanto, só era Deus e não homem também. Contra essa heresia debateu-se, naquela época, São Leão Magno (400-461 d.C.)

Com a ajuda de Santo Eutímio, São Gerásimo abandonou esta falsa crença teológica e, mais tarde, teve muitos seguidores que resolveram assumir o seu estilo de vida radical. Mais tarde, fundou uma laura, perto do rio Jordão. Segundo a Enciclopédia Católica, esta palavra vem do grego e significa “caminho estreito”. Este centro semieremita (quase eremita) do santo tinha um cenóbio (mosteiro) e 70 celas separadas onde alguns viviam como eremitas, de segunda a sexta-feira.

O livro de Alban Butler narra uma história retirada do texto “Prado Espiritual”, escrito, segundo os católicos maronitas  pelo monge João Mosco, no século VII. Ali se relata que são Gerásimo estava às margens do Jordão quando viu um leão que mancava, por ter um espinho cravado numa pata. O santo tirou o espinho, cuidou dele e o animal ficou com ele.

Os monges do santo tinham um burro que usavam para buscar água e pediam que o leão cuidasse dele, enquanto pastava. Porém, um dia, uns comerciantes roubaram o burro. Ora, Gerásimo, pensando que a fera o havia comido, disse-lhe que, desde então, faria o trabalho do burro e o animal obedeceu.

Algum tempo depois, o leão viu os mercadores de regresso, com o burro e três camelos. O animal selvagem assustou os ladrões e levou os quatro animais para o mosteiro. Assim, o humilde santo reconheceu o seu erro e passou a chamá-lo de Jordão.

O site de pesquisa sobre os santos “Santi e Beati”, uma enciclopédia hagiográfica refere que são Gerásimo morreu a 5 de março de 475. Quando o leão percebeu que ele havia partido, ficou muito triste. O novo abade dos monges viu-o e disse-lhe que o seu amigo tinha ido com “o Mestre a quem servia”, mas que devia continuar a comer. Ao invés, o animal ficou imerso em profunda desolação, até que o superior o levou ao túmulo de são Gerásimo. O leão deitou-se no nicho e começou a bater com a cabeça no chão. Há quem diga que se pôs a rugir muito alto. Nunca mais dali saiu e morreu ao lado do túmulo do amigo.

laura de são Gerásimo continuou a florescer em vocações e era muito famosa, até que foi destruída no século XIII. Segundo o Cristian Media Center, centro audiovisual da Custódia da Terra Santa, existe, na área, o Mosteiro de São Gerásimo, com estátuas de leões, bem como uma caverna onde se acredita que a Sagrada Família se escondeu, ao fugir para o Egito. O piso deste recinto, guardado pelos ortodoxos gregos, apresenta figuras de leões e de outros animais, em homenagem a são Gerásimo.

Joseph-Marie Sauget, na Enciclopédia “Dei Santi e Beati”, fala de São Gerásio, como um anacoreta na Palestina, perto do Rio Jordão, na época do Imperador Zenão. O santo foi trazido de volta à verdadeira fé por Santo Eutímio e dedicou-se a grandes penitências. A quantos escolheram a vida monástica sob a sua orientação, ofereceu disciplina severa e uma ração de comida.

O Martirológio Romano, que o homenageia a 5 de março, sustenta que, na Palestina, às margens do Jordão, São Gerásimo, que, no tempo do imperador Zenão, depois de ter sido reconduzido à reta fé por Santo Eutímio, realizou grande obra de penitência, oferecendo a quantos, sob a sua orientação, praticavam a vida monástica, um modelo irrepreensível de disciplina e de vida.

Em 1897, Athanasius Papadopoulos-Kerameus (estudioso grego otomano de afiliação religiosa ortodoxa grega), no volume IV da sua “Anagesta”, publicou uma “Vita Gerasimi” anónima e, com base em argumentos aparentemente justificados, atribuiu esta obra ao famoso hagiógrafo Cirillo de Citópolis (monge, sacerdote e historiador cristão grego que viveu em Citópolis, no século VI). Henri Grégoire (ex-membro da Assembleia Nacional Francesa), alguns anos depois, demonstrou que essa atribuição era insustentável, especialmente, porque a “Vita Gerasimi” não continha alguns pormenores essenciais (como a data de nascimento e o local de origem) que sempre aparecem nas obras autênticas de Cirillo. Por outro lado, após análise cuidadosa, a “Vita Gerasimi” revela-se como um composto de fragmentos retirados do próprio Cirillo e, em particular, da sua “Vita Euthymii”, isto é, de Eutímio, o Grande.

Ainda segundo Henri Grégoire, a Vita, que fornece, entre outras coisas, a data precisa (526) da morte do hegúmeno Eugénio, um dos sucessores de Gerásimo, teria sido composta na segunda metade do século VI e, provavelmente, na sua própria laura. “Hegúmeno” é o título do responsável por um mosteiro da Igreja Ortodoxa e da Igreja Católica Oriental.

Segundo a fonte citada, Gerásimo nasceu na Lícia, em local e data desconhecidos e, depois de viver num mosteiro, na sua província, dedicou-se à vida de anacoreta. Por volta de 451, na época do Concílio de Calcedónia, estava na Palestina, onde se havia estabelecido perto do Mar Morto. Segundo Teodósio, o bispo intruso que substituiu o patriarca Juvenal, Gerásimo abraçou as ideias de Eutiques durante algum tempo, mas logo se distanciou delas, para retornar à ortodoxia, provavelmente, sob a influência de Eutímio, o Grande. Por volta de 455, mudou-se para cerca de um quilómetro das margens do Jordão, onde fundou um mosteiro para cenobitas. Nesta laura, onde todos os aspirantes tinham de passar vários anos, Gerásimo fundou um certo número de eremitérios (havia até 70 celas) para aqueles que queriam levar uma vida de anacoreta. No entanto, os eremitas reuniam-se todas as semanas, de sábado a segunda-feira. Todos os anos, durante a Quaresma, Gerásimo ia até junto de Eutímio e, depois de um jejum que interrompia, apenas para receber a Eucaristia, retornava à sua laura, no domingo anterior à Páscoa.

No “Prado Espiritual”, Giovanni Mosco ou João Mosco relata, a respeito de Gerásimo, a história do leão que o santo curou, removendo um espinho da pata. O leão ficou com Gerásimo cerca de cinco anos e, quando este morreu, o animal ficou tão triste que caiu morto no túmulo do santo.

Por outro lado, no “Prado Espiritual”, há outras histórias contadas sobre os monges da Gerásimo laura. Certamente, devido à homofonia dos nomes, o episódio do leão foi, posteriormente, atribuído também a São Jerónimo, tornando-se tema iconográfico amplamente difundido.

Gerásimo morreu a 5 de março de 475. O Martirológio Romano preservou a data no mesmo dia em que é venerado segundo alguns calendários siríacos, incluindo o Martirológio de Rabban Slibà. Na Igreja Bizantina, por outro lado, a festa de Gerásimo é celebrada no dia anterior (4 de março) e as notícias da Sinaxária (compilação de hagiografias da Igreja Ortodoxa e da Igreja Católica Oriental) a ele dedicada dependem de outras fontes, além da “Vita Gerasimi”, acima mencionada. O episódio do leão é encontrado lá, mas Gerásimo aparece como contemporâneo do imperador Constantino Pogonato (século VII).

O mosteiro de Gerásimo permaneceu famoso durante muito tempo, mas, no final do século XIII, foi destruído e os eremitas refugiaram-se no mosteiro próximo de Qalamon.

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Como se deixou entreler, o leão também é símbolo de São Jerónimo. Na arte, São Jerónimo é, geralmente, representado como um dos quatro doutores da Igreja latinos, juntamente com Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Gregório Magno. Como membro proeminente do clero romano, foi muitas vezes representado, anacronicamente, com o hábito vermelho de cardeal. Mesmo quando aparece como anacoreta seminu, com a cruz, a caveira (símbolo da mortalidade) e a Bíblia como únicas mobílias de sua cela, o chapéu cardinalício ou outro indicativo da sua posição de cardeal aparece, por via de regra, em algum lugar da obra.

É também representado na companhia de um leão, referência a uma lenda de como teria domado um leão, ao curar-lhe um ferimento na pata. A origem da história, quase idêntica à de São Gerásimo, resultou, possivelmente, da confusão entre os nomes latinos dos dois, “Gerasimus” e “Geronimus” ou “Hieronymus”. Hagiografias de Jerónimo contam que passou muitos anos nos desertos da Síria romana e diversos artistas, como Pietro Perugino e Lambert Sustris, intitularam as suas obras “São Jerónimo no Deserto”. É, por vezes, representado com a coruja, símbolo da sabedoria e da erudição. Finalmente, a iconografia de São Jerónimo inclui materiais de escrita (pena, tinteiro, papel etc.) e a trombeta do Juízo Final.

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Na iconografia de São Vito, o leão é mais raro e mais discreto.

Segundo a lenda, Vito, Modesto e Crescentia eram mártires de Diocleciano. O primeiro testemunho da sua veneração é oferecido pelo “Martyrologium Hieronymianum”. O facto de a nota estar nos três manuscritos mais importantes indica que também estava no exemplo comum deles, que apareceu no seculo V. O mesmo Martyrologium fez, no mesmo dia, outra menção a Vitus no topo de uma lista de nove mártires, com a declaração do local, em Eboli, em Lucania, ou seja, na província romana desse nome, no Sul da Itália, entre o mar da Toscana e o golfo de Taranto. É possível que seja o mesmo mártir Vito, em ambos os casos.

Nos séculos VI e VII, apareceu uma narrativa lendária do seu martírio, que parece basear-se em outras lendas, especialmente, na lenda de São Potito, e ornamentada com relatos de milagres fantásticos. Segundo a lenda, que não tem valor histórico, Vito tinha sete anos e era filho de um senador de Lucania (algumas versões falam em 12 anos). Resistiu às tentativas do pai, que incluíam várias formas de tortura, para o levar a afastar-se da sua fé. Fugiu com Lucest, seu tutor Modestus, e a esposa de Modestus, Crescentia, que era a babá de Vito. Foi levado para Roma, a fim de expulsar um demónio que havia tomado posse de um filho do imperador Diocleciano. E fê-lo, mas, porque permaneceu firme na fé cristã, foi torturado junto com os seus tutores. Por milagre, um anjo levou de volta os três a Lucania, onde morreram pelas torturas que haviam sofrido. Três dias depois, Vito apareceu a uma matrona chamada Florentia, que encontrou os corpos e os enterrou no local onde estavam.

A veneração a São Vito estendeu-se até pela Alemanha, de modo que o nome foi incluído entre os “Catorze Santos Protetores” e se considerou o santo como padroeiro especial dos epiléticos e dos afetados pela enfermidade nervosa chamada ‘Baile de São Vito’, talvez por isso é também protetor dos bailarinos e dos autores. Também é invocado contra o perigo das tormentas, contra o excesso de sono, contra mordeduras de serpentes e contra todo o dano que os animais podem fazer aos homens. Amiúde se representa a sua imagem acompanhada de alguma fera, nomeadamente, o leão. O menino São Vito é considerado santo também pelos milagres que fazia, escolhido por Deus para dar exemplos da fé cristã associada a poderes divinos.

São Vito, São Modesto e Santa Crescência, a quem foram atribuídos poderes sobrenaturais, morreram por se negarem, rotundamente, sacrifício aos deuses. Estes mártires foram submetidos a diversas torturas de que saíram ilesos. Morreram em Lucania, esgotados pelos seus sofrimentos.

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A representação do evangelista São Marcos como leão na iconografia cristã deriva das visões proféticas contidas no versículo do Apocalipse de São João (Ap 4,7). O leão é uma das quatro criaturas ali descritas como estando em volta do trono do Todo-o-Poderoso, que são os símbolos dos quatro evangelistas. Esse seres já tinham sido descritos, antes, pelo profeta Ezequiel.

O leão veneziano é representado de duas formas distintas. Uma é um animal alado a repousar sobre água, simbolizando o domínio sobre os mares, segurando o Evangelho de Marcos sob uma pata dianteira. Estes animais poderosos podem ser vistos por todo o Mediterrâneo, geralmente, no cimo de uma coluna clássica. O outro tipo de representação é conhecido como o leão “in moleca”, na forma de caranguejo. Aqui, o leão é representado de frente, com as asas a rodear a cabeça e o lembrar as pinças de crustáceo. Emerge da água, pelo que é associado à laguna e à cidade, enquanto o leão em pé é associado aos territórios venezianos em volta do Mediterrâneo.

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Na Arte Cristã, o “tetramorfos” é a união dos quatro “seres viventes” no Livro de Ezequiel como representação dos quatro evangelistas, tanto numa única figura ou, mais comumente, como um grupo de quatro figuras. Um tetramorfos é um conjunto simbólico de quatro elementos distintos ou a combinação de quatro elementos díspares, ou opostos, em unidade. O termo é derivado da letra grega “tetra” (“quatro”) e “morphê” (“forma”).

Cada um dos quatro evangelistas é associado a uma criatura e, geralmente, com asas. A associação mais comum, embora não pioneira, é: o leão representa Marcos; o homem, Mateus; a águia, João; e o touro Lucas.

Tanto na arte como na iconografia cristã, o retrato dos evangelistas é, comumente, acompanhado do “Tetramorfos” ou do único ser vivente que o representa. Também Cristo, em seu trono de Majestade costuma ser envolto pelas quatro criaturas simbólicas.

Há razões associadas às particularidades dos Evangelhos de cada autor, segundo São Jerónimo.

Mateus é associado ao homem alado, ou anjo, porque o seu Evangelho se concentra na humanidade de Cristo. O seu Evangelho inclui a narrativa da genealogia de Jesus.

O leão é associado a Marcos, porque o seu Evangelho enfatiza a majestade de Cristo e a sua dignidade real, sendo o leão considerado o rei dos animais. O seu Evangelho começa com a voz profética de João Batista, a clamar no deserto como um rugido de leão.

A Lucas associa-se o touro, porque o seu Evangelho se concentra no caráter sacrificial da morte de Cristo, e o touro sempre foi um animal sacrificial por excelência, tanto para o judaísmo como para o paganismo romano.

Por fim, João está associado à águia, porque o seu Evangelho descreve a Encarnação do Logos divino, e a águia é um símbolo do que vem de cima; e porque, tal como a águia, João, na sua Revelação, viu além do que está imediatamente presente. Por isso, João Evangelista é denominado “Águia de Patmos”.

2025.03.07 – Louro de Carvalho

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