terça-feira, 25 de março de 2025

A benevolência é o mais relevante fator de felicidade

 

 

A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, a 20 de março, Dia Mundial da Felicidade, o Relatório Mundial da Felicidade 2025, que determina quais são os países mais felizes, com base na avaliação de cada população sobre a sua qualidade de vida. Alguns caíram algumas posições, como o Reino Unido, os Estados Unidos da América (EUA) e Portugal, por exemplo; e outros conseguiram melhores posições, em relação ao ano passado, sendo o Brasil um deles.

O relatório finaliza um estudo realizado em parceria entre a empresa de análise Gallup e a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Todos os países estão classificados de acordo com as autoavaliações de vida das pessoas inquiridas, calculadas, em média, entre 2022 e 2024. Especialistas em economia, psicologia, sociologia e outros procuram explicar as variações entre países e ao longo do tempo, utilizando fatores como o produto interno bruto (PIB) per capita, a esperança de vida saudável, o facto de os respondentes terem alguém com quem contar, o sentimento de liberdade, a generosidade e a perceção da corrupção.

O estudo – que resulta da inquirição de mais de 100 mil pessoas, em 140 países e territórios – mais uma vez, reconheceu a liderança dos países nórdicos, neste âmbito, cabendo à Finlândia, pelo oitavo ano consecutivo, a posição de mais feliz do Mundo, com a pontuação média de 7,736, em 10. Em seguida, estão a Dinamarca (7,521), a Islândia (7,515), a Suécia (7,345) e os Países Baixos (7,306) – pela mesma ordem do relatório anterior –, que formam o top 5. Estes países nórdicos obtêm regularmente pontuações elevadas em indicadores como o apoio social, a confiança e o bem-estar geral.

O que surpreende é a entrada de Costa Rica e México no top 10. Ao invés, o Reino Unido e os EUA registaram um declínio, caindo, respetivamente, para o 23.º lugar e para o 24.º, mas ainda acima do Brasil (36º), da Espanha (38º) e da Itália (40º).

Portugal caiu cinco posições e aparece na 60.ª posição, com 6,013 pontos, contra 6,030 no relatório anterior. O Afeganistão mantém-se como o último classificado (em 147.º lugar).

Os países latinos entraram no top 10 com a Costa Rica e o México, no 6.º e no 10.º lugar da lista. Já o Brasil está no 36.º lugar (6,494), sendo o segundo país com a melhor colocação entre os sul-americanos, perdendo apenas para o Uruguai, que ficou em 28.º lugar (6,661). 

A surpresa deste ano é a posição dos EUA. Esta potência da América do Norte caiu bastante, quando comparada com edições anteriores, ocupando o 24.º lugar (6,724).

O levantamento tem como base a média de três anos de avaliação da população (2022-2024), considerando seis fatores: apoio social, rendimento, saúde, liberdade, generosidade e ausência de corrupção. Porém, também foram investigados os efeitos dos benefícios para os destinatários do comportamento de cuidado e para aqueles que cuidam dos outros. Inclusive, entre as descobertas do relatório deste ano, está a de que as pessoas são muito pessimistas, quanto à benevolência dos outros. Por exemplo, quando carteiras foram deixadas na rua por pesquisadores, a proporção de carteiras devolvidas foi muito maior do que as pessoas esperavam, o que leva à consideração de um outro dado interessante: a felicidade é mais bem distribuída em países com níveis mais altos de benevolência esperada.

Também se verifica a pertença à União Europeia (UE) de metade dos 10 países mais felizes do Mundo. Por outro lado, os países com populações pequenas dominam as classificações e os países com menos de 15 milhões de habitantes têm uma avaliação positiva da sua qualidade de vida.

Os especialistas incluem, nos critérios de avaliação, o acesso à natureza e um bom sistema de bem-estar. “A felicidade na Finlândia não tem a ver com alegria constante, mas com uma sensação de segurança, [de] confiança e [de] equilíbrio na vida quotidiana. Resulta do facto de sabermos que existe apoio, quando necessário, seja através das nossas fortes políticas sociais, seja de uma educação de alta qualidade ou do acesso à natureza”, afirmou Miika Mäkitalo, CEO da HappyOrNot, empresa finlandesa que ajuda as empresas a medir a satisfação dos clientes, vincando: “Enquanto sociedade, valorizamos a igualdade e a sustentabilidade, criando um ambiente onde as pessoas se sentem apoiadas e são capazes de prosperar. Políticas, como a licença parental generosa e o acolhimento de crianças, a preços acessíveis, garantem que as famílias têm segurança financeira e tempo para passar com os seus filhos, refletindo um compromisso mais amplo com o bem-estar e [com] o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal.”

As sociedades onde as pessoas partilham, frequentemente, as refeições registam maior felicidade e apoio social. A Polónia é o único país da UE representado no top 10, com uma média de mais de 10 refeições partilhadas por semana. Em contraponto, a Estónia está no fundo da lista, onde os residentes partilham apenas 2,7 refeições por semana.

As pessoas que vivem sozinhas também são menos felizes. Na Europa, um agregado familiar de quatro a cinco pessoas apresenta os níveis mais elevados de felicidade. Porém, a solidão entre os jovens adultos está a aumentar, com 19% a declarar não ter ninguém com quem contar – um aumento de 39%, desde 2006.

Muitos jovens adultos subestimam a empatia dos seus pares, o que os leva a evitar estabelecer contactos com os outros e a perder oportunidades de estabelecer relações significativas.

Os atos de bondade aumentaram na pandemia de covid-19 e continuam 10% acima dos níveis anteriores à pandemia. As doações e o voluntariado parecem ser mais comuns na Europa Central e Oriental, enquanto a partilha de recursos materiais é mais comum na Europa Ocidental.

“O relatório deste ano leva-nos a olhar para lá dos determinantes tradicionais, como a saúde e a riqueza. Verifica-se que a partilha de refeições e a confiança nos outros são indicadores de bem-estar ainda mais fortes do que o esperado”, afirmou Jan-Emmanuel De Neve, diretor do Centro de Investigação do Bem-Estar de Oxford e editor do relatório, vincando: “Nesta era de isolamento social e de polarização política, temos de encontrar formas de voltar a reunir as pessoas à volta da mesa. Fazê-lo é fundamental para o nosso bem-estar individual e coletivo.”

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Desta vez, sobressai o impacto do cuidado e da partilha na felicidade das pessoas. Como a “misericórdia” em O Mercador de Veneza, de Shakespeare, o cuidado é “duplamente benfazejo”: ​​beneficia quem o dá e quem o recebe. O relatório analisa os dois efeitos: os benefícios para os destinatários do cuidado e os benefícios para aqueles que cuidam dos outros.

Na pesquisa global da Gallup, as pessoas eram questionadas se, no mês passado, doaram dinheiro a instituições de beneficência, se foram voluntárias e se ajudaram um estranho. Em 2019, foram questionadas se achavam que outras pessoas as ajudariam, devolvendo a sua carteira perdida.

Em primeiro lugar, as pessoas são muito céticas, quanto à benevolência dos outros. Por exemplo, quando os pesquisadores deixaram carteiras na rua, a percentagem de carteiras devolvidas foi muito maior do que as pessoas esperavam, o que, por não ser expectável, é bastante encorajador.

Em segundo lugar, o nosso bem-estar depende da nossa perceção da benevolência dos outros, bem como da sua real benevolência. Como subestimamos a bondade dos outros, o nosso bem-estar pode ser melhorado, ao receber informações sobre a sua verdadeira benevolência.

Em terceiro lugar, quando a sociedade é mais benevolente, as pessoas que mais se beneficiam são as menos felizes. Como resultado, a felicidade é distribuída de forma mais equitativa nos países com níveis mais elevados de benevolência esperada.

Na verdade, a benevolência (capacidade de querer bem e querer o bem) anda a par com a beneficência (fazer bem e fazer o bem), mas não substituindo a justiça pela caridade. Esta, por seu turno, deve sublimar as ações de justiça social, procurando o bem-estar de todos.  

Outro dado relevante é que a boa vontade aumentou, durante a covid-19, em todas as regiões do Mundo. As pessoas precisavam de mais ajuda e outras responderam. Este aumento da benevolência tem sido sustentado desde então. Apesar do declínio de 2023 para 2024, os atos de gentileza ainda estão cerca de 10% acima dos níveis pré-pandémicos.

A benevolência também beneficia os que se importam e compartilham. Funciona melhor, se a motivação for ajudar os outros (em vez de se sentir bem), se o ato for voluntário e se tiver impacto positivo claro no destinatário. Assim, as classificações nacionais usuais de felicidade são complementadas por classificações de atos de beneficência e de retorno esperado.

Há muitas formas de nos importarmos e de compartilharmos uns com os outros. Talvez o exemplo mais universal seja a partilha de refeições. Jantar sozinho não é bom para o bem-estar. Pessoas que comem acompanhadas são, geralmente, muito mais felizes, e esse efeito é verdadeiro, mesmo quando se leva em consideração o tamanho da família. O número crescente de pessoas que comem sozinhas é um dos motivos do declínio do bem-estar nos EUA.

Outra forma importante de cuidado e de partilha é a família. As sociedades latino-americanas, caraterizadas por famílias maiores e por fortes laços familiares, oferecem lições valiosas para outras sociedades que buscam um bem-estar maior e mais sustentável. De facto, a felicidade aumenta com o tamanho da família até quatro pessoas, mas, acima desse número, diminui. Em particular, as pessoas que vivem sós são muito menos felizes do que as que vivem acompanhadas.

As tendências para uma maior solidão são mais evidentes entre os jovens. Em 2023, quase um quinto (19%) dos jovens adultos em todo o Mundo relataram não ter ninguém com quem contar para apoio social, um aumento de 39%, em relação a 2006, o que é preocupante. Porém, subestimam, frequentemente, a gentileza de outras pessoas. Após uma intervenção poderosa, os estudantes da Universidade de Stanford ficaram, significativamente, mais felizes, quando receberam evidências da gentileza dos colegas.

O oposto da felicidade é o desespero (ou “morte do desespero”), que pode levar à morte, por suicídio ou por abuso de substâncias. Felizmente, essas mortes estão a diminuir na maioria dos países, embora não nos EUA ou na República da Coreia. As mortes por desespero são significativamente menores em países onde mais pessoas relatam doações, voluntariado ou ajuda a estranhos.

O grau de benevolência de um país também tem impacto profundo na sua política. O populismo deve-se, em grande parte, à infelicidade. Porém, se os populistas são de esquerda ou de direita depende da confiança. Há pessoas que confiam nos outros e viram à esquerda e há as que não confiam e viram à direita.

Para muitas pessoas, uma questão séria é como expressar gentileza. A resposta lógica à questão onde cada um deve doar o seu dinheiro é perceber onde gerará o máximo de felicidade extra (ou menos infelicidade) possível. Isso implica optar por instituições de beneficência que produzam mais felicidade, por euro ou por dólar. Mesmo em países de baixo rendimento, os tratamentos de saúde mental surgem como uma forma particularmente eficaz de gastar dinheiro.

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Em suma, o top 10 dos países mais felizes é: 1.º Finlândia; 2.º Dinamarca; 3.º Islândia; 4.º Suécia; 5.º Países Baixos; 6.º Costa Rica; 7.º Noruega; 8.º Israel; 9.º Luxemburgo e 10.º México.

No final do ranking, imediatamente antes do Afeganistão, a Serra Leoa, na África Ocidental, é o segundo país mais infeliz do Mundo, antecedido pelo Líbano.

Os últimos 10 países do ranking são: 138.º Lesoto; 139.º Comores; 140.º Iémen; 141.º República Democrática do Congo; 142.º Botswana; 143.º Zimbabué; 144.º Malawi; 145.º Líbano; 146.º Serra Leoa; e 147.º Afeganistão.

Confiança, conexão social e apoio mútuo são cruciais para a felicidade. “A felicidade não tem apenas a ver com riqueza ou crescimento; tem a ver com a confiança, com a ligação e com o saber que as pessoas nos apoiam”, explica o diretor executivo da Gallup, Jon Clifton, citado no relatório, frisando: “Se queremos comunidades e economias mais fortes, temos de investir no que realmente importa: uns nos outros.”

Além da saúde e da riqueza, alguns fatores que influenciam a felicidade parecem aparentemente simples: partilhar refeições com outras pessoas, ter alguém com quem contar, para obter apoio social, e a dimensão do agregado familiar.

Segundo o estudo, no México e na Europa, por exemplo, um agregado familiar de quatro a cinco pessoas é o que prevê os níveis mais elevados de felicidade.

Acreditar na bondade dos outros também está muito mais ligado à felicidade do que se pensava anteriormente. A título de exemplo, o relatório sugere que as pessoas que acreditam que os outros estão dispostos a devolver a sua carteira, se a perderem, são um forte indicador da felicidade geral da população. Os países nórdicos encontram-se entre os primeiros lugares no que respeita à devolução esperada e efetiva de uma carteira perdida. Os EUA, onde o número de pessoas que jantam sozinhas aumentou 53%, nas últimas duas décadas, caem, nesta edição do estudo para a posição mais baixa de sempre, a 24.ª, depois de terem ocupado o 11.º lugar em 2011.

Embora os países europeus dominem o top 20, há exceções. Por exemplo, apesar da guerra com o Hamas, Israel surge em 8.º lugar (7,234). Já a Costa Rica e o México ocupam, pela primeira vez, posições no top 10, ocupando o 6.º e o 10.º lugar, respetivamente.

O relatório também revela que, embora os atos de generosidade tenham aumentado durante a pandemia de covid-19, perderam força, o que, segundo os especialistas, afeta o bem-estar global, porque esses atos são motores de felicidade coletiva. Ser bondoso e esperar a bondade dos outros são preditores mais fortes de felicidade do que evitar grandes acontecimentos negativos, como o crime ou as dificuldades económicas”, refere o documento.

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O relatório fornece indicadores valiosos de fatores de felicidade, que são de ter em conta, mas a felicidade de cada pessoa não é uma grandeza física, muito menos uma grandeza mensurável. Há pessoas que dispõem de tudo para serem felizes: família, companhia, refeições em conjunto, riqueza, sucesso académico e social, têm atos de generosidade, têm saúde, mas não são felizes. Com efeito, a felicidade depende do ânimo da pessoa e da relação com a vida e com os outros.

A nível de países, veja-se o caso da Finlândia e de Israel. O país mais feliz do Mundo não descansou, enquanto não viu consumada a sua adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), por causa da proximidade com a Rússia. E o país que faz e sofre uma guerra tragicamente atroz surge relativamente bem classificado no ranking da felicidade.   

2025.03.25 – Louro de Carvalho

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