sábado, 22 de março de 2025

A União Europeia precisa de diversificar os parceiros estratégicos

 
A invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro de 2024, revelou a excessiva dependência da União Europeia (UE) dos países de Leste, nomeadamente, da Rússia e da Ucrânia, e descobriu, certamente, que a dependência, em demasia, dos Estados Unidos da América (EUA) não traz as vantagens que muitos enaltecem. Essa noção clarificou-se com as ações de sabotagem nas condutas do gás da Rússia para os diversos países da UE, com a não renovação do contrato da Rússia com a Ucrânia (por decisão desta) para a exportação de gás russo através dos gasodutos da era soviética que atravessam a Ucrânia e com o estabelecimento de pesadas tarifas dos EUA sobre os produtos importados dos países da UE.
Aliás, foi generalizada a subida de preços da UE, graças à imposição de sanções económicas (e políticas) à Rússia, a que esta respondeu com pesadas tarifas aos produtos entrados do Ocidente, com o embargo à passagem de cereais da Ucrânia para diversas partes do Mundo e com o transporte marítimo de combustível, iludindo a vigilância dos países aliados da Ucrânia. A rota Nord Stream através do Mar Báltico até à Alemanha foi destruída por uma explosão, em 2022 e também foi encerrado o gasoduto Yamal-Europa através da Bielorrússia.
O gás continuou a fluir, apesar da guerra, mas a empresa de gás russa Gazprom parou o seu fornecimento, às 05h00 GMT de 1 de janeiro de 2025, depois de a Ucrânia ter recusado renovar o acordo de trânsito. A paragem esperada não terá tido impacto nos preços para os consumidores na UE, ao contrário de 2022, quando a queda da oferta da Rússia elevou os preços para máximos históricos, agravou a crise do custo de vida e atingiu a competitividade do bloco. E os últimos compradores restantes de gás russo na UE, através da Ucrânia, como a Eslováquia e a Áustria, organizaram fornecimento alternativo, enquanto a Hungria continua a receber gás russo, através do gasoduto TurkStream, sob o Mar Negro.
Porém, a Transnístria, uma região separatista pró-Rússia da Moldávia, vizinha da Ucrânia, dependente dos fluxos de trânsito, cortou o aquecimento e o fornecimento de água quente às famílias. E a empresa de energia local Tirasteploenergo pediu aos moradores que se vestissem a rigor, pendurassem cobertores ou cortinas grossas nas janelas e portas das varandas e usassem aquecedores elétricos.
A Comissão Europeia disse que a UE se preparara para o corte. O fornecimento foi reforçado com novas capacidades de importação de GNL (gás natural liquefeito) desde 2022. A Rússia e a antiga União Soviética passaram meio século a construir parte importante do mercado europeu do gás, que era, no seu auge, cerca de 35%. Mas a UE reduziu a dependência da energia russa, desde o início da guerra, comprando mais gás canalizado à Noruega e GNL ao Qatar e aos EUA.
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Todavia, nem só de gás e de petróleo vivem os países. A procura de novas matérias-primas essenciais, como o lítio, não é satisfeita, e a UE está a assinar acordos com países latino-americanos que partilham as mesmas ideias, para colmatar esta lacuna.
Depois de a guerra na Ucrânia ter levado a Europa a reconhecer a sua dependência de Moscovo, no respeitante ao abastecimento de gás, a crescente incerteza geopolítica obrigou a UE a ter em conta a origem das matérias-primas necessárias para a transição energética.
Embora a procura global da UE não seja totalmente satisfeita, alguns estados-membros continuam a produzir matérias-primas essenciais. A França produz 76% do háfnio utilizado na UE, enquanto a Bélgica é responsável por 59% do arsénio, da Finlândia sai 38% do níquel e a Espanha exporta 31% do estrôncio.
Das 34 matérias-primas críticas da lista da UE, 25 são extraídas na América Latina. Embora o Brasil seja, globalmente, o fornecedor mais importante de matérias-primas críticas da América Latina para a UE, 79% do abastecimento de lítio refinado tem origem no Chile.
De acordo com a Comissão Europeia, procura de lítio na UE deverá aumentar 12 vezes, até 2030, e 21 vezes, até 2050.
Em fevereiro, entrou em vigor um acordo comercial com o Chile, o primeiro a conter um capítulo exclusivamente dedicado à energia e às matérias-primas.
Em dezembro de 2024, a UE e o bloco comercial sul-americano Mercosul chegaram a um acordo inicial, para reduzir e eliminar vários direitos aduaneiros de exportação, bem como para eliminar algumas restrições à exportação.
A procura crescente de matérias-primas essenciais pode oferecer enormes oportunidades económicas à América Latina. Contudo, a exploração destes recursos tem gerado desafios significativos, em termos do impacto ambiental e do aumento dos conflitos socioecológicos.
De acordo com um estudo do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança sobre direitos ambientais e conflitos relacionados com matérias-primas na América Latina, mais de 40% dos conflitos ambientais estão relacionados com a extração de minerais.
Embora a UE sublinhe que o último acordo contém “disposições sobre a extração mineira sustentável e princípios para a avaliação do impacto ambiental”, continuam as preocupações, por exemplo, com a sustentabilidade da extração de lítio, que consome muita água.
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A par da procura de matérias-primas essenciais, a UE deve diversificar os parceiros que recebam os seus produtos. A Turquia e os EUA têm sido os principais parceiros de exportação da UE.
De acordo com os últimos dados do Eurostat, em 2024, a UE exportou ferro, aço e artigos relacionados, no valor de 77,8 mil milhões de euros, e importou 73,1 mil milhões de euros, o que resultou num excedente comercial de 4,7 mil milhões de euros. Em comparação com 2019, as exportações aumentaram 15,2% e as importações aumentaram 23,7%. Apesar destes aumentos, o peso físico das exportações diminuiu 17,3% e das importações 1,6%. Isto revela que o aumento do valor foi impulsionado, sobretudo, pelo aumento dos preços.
A Turquia foi um dos principais parceiros, tanto nas exportações como nas importações de ferro e de aço, em 2024, ocupando o primeiro lugar nas exportações, com um total de 6,2 mil milhões de euros, e o terceiro lugar nas importações, com 3,5 mil milhões de euros. Os EUA foram o segundo maior parceiro de exportação, com 5,4 mil milhões de euros de ferro e de aço, vindo a seguir o Reino Unido, a Suíça e o México. Entre 2019 e 2024, as exportações de ferro e de aço, para o México, aumentaram 54,1% e 51,1%, para os EUA, enquanto as importações da Índia aumentaram 89,2% e da Coreia do Sul 43,0%.
A Índia foi o principal importador de ferro e de aço, com 3,9 mil milhões de euros. Seguiram-se a Coreia do Sul, com 3,6 mil milhões de euros, a China, com 3,5 mil milhões de euros, e o Reino Unido, com 3,2 mil milhões de euros.
A Comissão Europeia anunciou planos para reduzir as quotas de importação, de forma a reduzir os fluxos de entrada em mais 15% a partir de abril. Esta medida destina-se a evitar um afluxo de aço barato ao mercado europeu, na sequência das novas tarifas impostas pelos EUA.
Os produtores europeus de aço, que se debatem com os elevados preços da energia e com a concorrência da Ásia e de outras regiões, alertaram que a UE poderá vir a tornar-se uma zona onde é despejado o aço barato reencaminhado do mercado dos EUA, ameaçando potencialmente as siderurgias europeias. “No espaço de alguns anos, o excesso de capacidade a nível mundial, em especial na Ásia, afetou as carteiras de encomendas das nossas fábricas”, afirmou o vice-presidente da Comissão Europeia, Stéphane Séjourné, ao apresentar um plano de ação para as indústrias siderúrgicas e metalúrgicas, acrescentando: “Esta é a prioridade número um: temos de proteger as nossas siderurgias da concorrência estrangeira desleal, venha ela de onde vier.”
Em termos genéricos, a China era o terceiro maior parceiro de exportações de mercadorias da UE e o primeiro nas importações de mercadorias, em 2024. Na verdade, em 2024, a UE exportou bens no valor de 213,3 mil milhões de euros para a China e importou 517,8 mil milhões de euros. Esta situação conduziu a um défice comercial de 304,5 mil milhões de euros.
Os únicos países da UE que registaram excedentes comerciais com a China foram a Irlanda e o Luxemburgo. Os outros 25 países da UE registaram défices comerciais, sendo os Países Baixos o país com o maior défice, com 85 mil milhões de euros. A China continuou a ser o maior parceiro comercial da UE no atinente às importações, representando 21,3% do total, seguida dos EUA, com 13,7%, e do Reino Unido, com 6,8%. E a China foi o terceiro maior parceiro de exportação da UE, depois dos EUA (20,6%) e do Reino Unido (13,2%).
Em comparação com 2023, tanto as importações como as exportações diminuíram em 2024, caindo 0,5% e 4,5%, respetivamente. Entre 2014 e 2024, as importações da China aumentaram 101,9%, enquanto as exportações cresceram 47,0%. Os três maiores importadores da China, na UE, foram os Países Baixos (109 mil milhões de euros), a Alemanha (96 mil milhões de euros) e a Itália (50 milhões de euros). Entretanto, os três maiores exportadores da UE para a China foram a Alemanha (90 mil milhões de euros), a França (24 mil milhões de euros) e os Países Baixos (24 mil milhões de euros).
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As exportações da UE de produtos manufaturados (88%) tiveram quota muito mais elevada do que as de produtos primários (11%). Os produtos manufaturados mais exportados foram máquinas e veículos (51%), seguidos de outros produtos manufaturados (20%) e de produtos químicos (17%). De igual modo, em 2024, as importações da UE de produtos manufaturados representaram 97% do total das importações, com os produtos primários a representarem só 2%.
Os produtos mais importados da China foram as máquinas elétricas, os aparelhos e as peças elétricas, o equipamento de telecomunicações e áudio e as máquinas de escritório e de processamento de dados.
Estas categorias representaram quase 40% do total das importações provenientes da China.
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Também é elucidativo o estado da balança comercial entre a UE e os EUA.
Na última década, as exportações da UE para os EUA registaram um aumento de 44%.
De acordo com o US Census Bureau, em 2024, os EUA importaram um total de pouco mais de 584 mil milhões de euros em bens da UE. Abril, julho e novembro foram os meses mais importantes para as importações dos EUA. E, entre 2014 e 2024, as importações dos EUA provenientes do bloco registaram um aumento de 44%.
Por outro lado, os EUA exportaram cerca de 357 mil milhões de euros em bens para a UE, em 2024. Os principais meses foram março, agosto e novembro. Em 2014, os EUA tinham exportado mais de 266 mil milhões de euros em bens para a UE, tendo os 10 anos seguintes registado um aumento de 34%.
A Alemanha, a Itália e a Irlanda estão entre os principais exportadores da UE para os EUA. Em 2023, a Alemanha exportou, de longe, o maior número de mercadorias (157 mil milhões de euros), seguida da Itália (67 mil milhões de euros) e da Irlanda (51 mil milhões de euros). A Irlanda também teve a maior quota (45,8 %) dos EUA nas suas exportações extra-UE. Os bens mais exportados para os EUA foram os produtos medicinais e farmacêuticos, os automóveis e os veículos a motor. Os Países Baixos são o país que mais importa bens dos EUA, no valor de quase 76 mil milhões de euros. Seguem-se Alemanha, com 71 mil milhões de euros e França, com 43 mil milhões de euros. E o Luxemburgo registou a percentagem mais elevada (29,2%) dos EUA nas suas importações extracomunitárias.
Como é sabido, Donald Trump assinou uma ordem executiva para introduzir novas tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio, para entrarem em vigor a partir de 4 de março, data que foi protelada. Tal anúncio afetará a UE, em especial, a Alemanha, um importante exportador de aço para os EUA. E os fabricantes de automóveis alemães também serão prejudicados por eventuais direitos aduaneiros contra o México, já que muitos fabricantes têm operações de produção significativas neste país.
Ursula von der Leyen afirmou que “lamenta profundamente” a decisão de Trump, mas “as tarifas injustificadas sobre a UE não ficarão sem resposta”. “A UE vai agir para salvaguardar os seus interesses económicos. Protegeremos os nossos trabalhadores, as nossas empresas e os nossos consumidores”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, a 11 de fevereiro.
O presidente dos EUA já tinha descrito a UE como uma “atrocidade” em termos de comércio.
Esta medida é a primeira tentativa de Trump de impor tarifas. Com feito, no seu primeiro mandato, impôs direitos aduaneiros de 25%, sobre as importações de aço, e de 10%, sobre as importações de alumínio provenientes da UE, do Canadá e do México. E a UE respondeu com tarifas de 2,8 mil milhões de euros sobre os produtos norte-americanos.
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É ainda de recordar que o colégio de comissários da Comissão Europeia, liderado pela sua presidente, fez, a 27 de fevereiro, uma “visita sem precedentes” a Nova Deli, para, em encontros com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e com outros governantes, reforçar as relações entre a UE e a Índia, em domínios fundamentais para a prosperidade e para a segurança da UE e da Índia, como comércio, segurança económica e cadeias de abastecimento resilientes, agenda tecnológica comum e cooperação reforçada em matéria de Defesa.
Esta visita seguiu-se ao anúncio de Ursula von der Leyen de uma nova agenda estratégica com a Índia, a apresentar, neste ano, numa cimeira bilateral.
Desde 2004, a Índia é um parceiro estratégico da UE e, em 2022, as partes celebraram o 60.º aniversário das suas relações. A colaboração entre a UE e a Índia de 2020 a 2025 é orientada pelo Roteiro da Parceria Estratégica UE-Índia, pela Estratégia da UE para a Cooperação no Indo-Pacífico e pela Estratégia Global Gateway. Durante a presidência portuguesa do Conselho da UE, no 1.º semestre de 2021, a Índia e a UE concordaram em negociar um acordo comercial, outro de proteção de investimentos e outro de indicações geográficas, na sequência da tentativa de alcançarem um acordo comercial, há alguns anos, mas cujas negociações ficaram bloqueadas, em 2013, devido a desentendimentos.
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O sucesso da UE estará mesmo na maior e melhor diversificação de parceiros.

2025.03.22 – Louro de Carvalho



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