quinta-feira, 13 de março de 2025

Prisão de ativista palestiniano divide Judeus norte-americanos

 

De acordo com informação do Religions News Service (RNS), de 11 de março, a comunidade judaica americana está, crescentemente, dividida entre os que defendem Israel e se preocupam com a segurança judaica, e os que se manifestam contra Israel e apoiam a liberdade de expressão.

Na verdade, como também refere o jornal digital 7Margens, a 12 de março, a prisão de um ex-aluno de pós-graduação da Universidade de Columbia, na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA), que teve um notório papel de liderança no campus, ao criticar a guerra de Israel em Gaza, gerou fortes divisões na comunidade judaica americana.

Mahmoud Khalil, um ativista nos protestos pró-palestinianos no campus, em 2024, que levaram a acampamentos em tendas, foi preso por agentes de imigração dos EUA, a 8 de março, no quadro da promessa do governo de Donald Trump de deportar ativistas estudantis anti-Israel. Khalil, que é descendente de Palestinianos e que cresceu na Síria, é um residente dos EUA. 

A sua prisão foi saudada por alguns setores da comunidade judaica norte-americana, incluindo a Liga Antidifamação (LAD), organização que luta contra o antissemitismo e que, sobre o caso, divulgou uma declaração a aplaudir as “consequências rápidas e severas para os que fornecem apoio material a organizações terroristas estrangeiras”. Todavia, Khalil não foi acusado de apoio material ou de qualquer outro tipo a uma organização terrorista. 

Também o American Jewish Committee (Comité Judaico Americano), uma organização global de defesa judaica, se declarou, a 11 de março “horrorizado” com as opiniões e com as ações de Khalil e sustenta que, “se o governo provar o seu caso num processo legal rápido e público”, devendo Khalil ser objeto do devido processo, “então a deportação será totalmente justificada”.

Ao invés, outros Judeus ficaram indignados com a prisão, que sustentam ser uma flagrante violação das liberdades civis, incluindo a liberdade de expressão e o direito de protesto.

Tanto assim é que, a 10 de março, uma enorme multidão de manifestantes desfilou, empunhando cartazes e bradando palavras de ordem, em apoio ao ativista palestiniano Mahmoud Khalil, do lado de fora do Jacob K. Javits Federal Building, em Nova Iorque – o edifício federal mais alto dos EUA, que recebeu o nome de Jacob K. Javits, que serviu como senador dos EUA por Nova Iorque, durante 24 anos, de 1957 a 1981.

Na verdade, a IfNotNow, uma organização judaica crítica a Israel, juntamente com a Jews for Racial & Economic Justice, sediada em Nova Iorque, organizou uma manifestação com professores da Columbia e da Barnard College, perto do campus da Columbia, em Upper Manhattan, no dia 10. E outra manifestação, na Foley Square, em Lower Manhattan, atraiu centenas de pessoas que agitavam bandeiras palestinianas. Ambas denunciaram violações dos direitos de Khalil, nos termos da Primeira Emenda Constitucional e as implicações mais amplas para a liberdade de expressão.

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“O governo de [Donald] Trump está a explorar preocupações reais sobre antissemitismo para minar a democracia”, escreveu Amy Spitalnick, CEO do apartidário Jewish Council for Public Affairs, na rede social X, considerando que isso torna “menos seguros” os judeus e muitos outros.

A prisão de Khalil ocorreu um dia após o governo Trump retirar 400 milhões de dólares em financiamento federal da universidade, alegando que ela não havia abordado o antissemitismo, que aumentou no campus, desde 7 de outubro de 2023.

A reação à prisão do ativista palestiniano mostra um cisma crescente na comunidade judaica americana entre os que defendem Israel e se preocupam com a segurança judaica e os que estão comprometidos com valores liberais de longa data, que incluem falar contra Israel.

Khalil está detido num centro de detenção, em Jena, no estado da Louisiana, aguardando os procedimentos do tribunal de imigração. No dia 10, um juiz federal bloqueou, temporariamente, a tentativa do governo de Donald Trump de o deportar. Não está claro com base em que fundamentos o governo pode deportar um residente permanente sem uma condenação criminal. 

A retaliação esmagadora de Israel ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, no qual matou cerca de 50 mil Palestinianos, levou muitos Judeus americanos terem os Judeus como vítimas de antissemitismo.  

Em muitas faculdades, estudantes judeus argumentaram que as ocupações de prédios, durante os protestos, os impediram de irem às aulas e que os materiais distribuídos nos acampamentos, alguns com denúncias do sionismo, a ideologia que sustenta a criação de Israel, e a sua ocupação do território palestiniano, os fizeram sentir-se inseguros no campus.

Porém, outros Judeus, incluindo muitos estudantes judeus que participaram nos protestos pró-palestinos no campus, disseram que as críticas a Israel não são inerentemente antissemitas, nem devem ser rotuladas como “pró-terroristas” ou “pró-Hamas”, como a administração Trump e outros apoiantes ferrenhos de Israel tentaram fazer. 

“Deveria ser óbvio, para todos, que o que está a acontecer, neste campus ou para este campus, não é sobre proteger os Judeus”, disse a professora Marianne Hirsch do Columbia Jewish Faculty Group, explicando: “Os meus colegas judeus comprometidos e eu alertamos que a falsa caraterização da Universidade de Columbia como um foco de antissemitismo seria usada como um álibi para o que está, realmente, em jogo, para o establishment republicano e, agora, para a administração Trump – o controlo rigoroso da fala, do protesto e do ensino superior em geral.”

A Hillel, organização estudantil judaica em campi universitários, que monitoriza relatos de antissemitismo, no campus, e trabalha para proteger estudantes judeus, não respondeu aos pedidos de comentário que lhe foram dirigidos pelo RNS, tal como a União para o Judaísmo Reformista, a maior denominação judaica do país, nos EUA.

O rabino Jacob Blumenthal, CEO da Assembleia Rabínica, conservadora, disse à RNS: “Qualquer esforço para abordar os episódios intoleráveis ​​de antissemitismo que os estudantes judeus têm sofrido na Universidade de Columbia deve garantir o devido processo legal.”

O rabino Moshe Hauer, vice-presidente executivo da Orthodox Union, com opinião diferente, sustentou em declarações ao The New York Times, que “são claramente necessárias novas táticas agressivas e legais” para lidar com o antissemitismo.

Ainda não está claro como os oficiais de imigração souberam de Khalil ou do que ele está a ser acusado. Em e-mails que Khalil enviou aos administradores de Columbia, mostrava saber que estava a ser alvo e pedia proteção. “Desde ontem, tenho sido submetido a uma campanha de doxxing cruel, coordenada e desumanizante, liderada pelos afiliados da Columbia Shai Davidai e David Lederer que, entre outros, me rotularam como uma ameaça à segurança e pediram a minha deportação”, escreveu, num e-mail, a que acedeu a organização de notícias Zeteo, referindo nomes de professores atuais e antigos da Columbia que, supostamente, o perseguiram numa campanha de doxxing. (Doxxing consiste em publicar, geralmente online, informações pessoalmente identificáveis ​​sobre um indivíduo ou sobre uma organização).

Entretanto, o The Intercept relatou que o grupo do WhatsApp Columbia Alumni for Israel, com mais de mil membros, buscava a deportação de qualquer estudante internacional que criticasse Israel. E também é possível que a própria Universidade de Columbia tenha fornecido informações aos agentes de imigração. A universidade foi intimada pelo Comité de Educação e Força de Trabalho da Câmara dos EUA, em 2024, e solicitada a entregar todos os procedimentos disciplinares contra manifestantes pró-palestinianos, desde 7 de outubro de 2023. Por conseguinte, enviou os documentos em conformidade com a intimação do comité, em 21 de agosto, levantando preocupações sobre confidencialidade e sobre privacidade dos alunos, incluindo violação do Family Educational Rights and Privacy Act.

Em 2024, Khalil foi suspenso do seu programa de pós-graduação, devido ao seu papel nas manifestações no campus, mas a suspensão foi revertida, por falta de provas, e ele pôde concluir o seu curso em dezembro.

Khalil era ativista na Columbia University Apartheid Divest, uma coligação de organizações estudantis que veem a Palestina como a vanguarda para a sua libertação coletiva. É casado e a esposa, uma cidadã dos EUA, está grávida de oito meses.

A rabina Rachel Goldenberg de Malkhut, uma congregação judaica progressista no Queens, compareceu ao comício do dia 10, perto de Columbia, dizendo que se sentiu compelida a manifestar-se contra a prisão de Khalil. “Preciso de deixar bem claro que o governo de Trump e a maneira como eles falam de proteger os Judeus do antissemitismo não nos representam, do meu ponto de visto, e que a maioria da comunidade judaica, neste país, se importa com o ensino superior, se importa com a liberdade de expressão”, declarou, vincando. “Como judia, como rabina, como líder judaica, é muito importante, para mim, que os Americanos entendam que [Trump] não fala pelos Judeus.”

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A diferença de opinião entre organizações judaicas americanas a propósito da guerra levada a cabo pelo Estado de Israel e o apoio incondicional que tem recebido dos EUA, bem como as propostas de Donald Trump para o território já anteriormente tinha vindo a público, de forma evidente e notória.

Na verdade, uma página inteira da edição de 13 de fevereiro do The New York Times era ocupada por um anúncio em que se lia em grandes carateres: “Trump pediu a remoção de todos os Palestinianos de Gaza. O povo judeu diz NÃO à limpeza étnica!”

O anúncio era seguido por mais de 350 nomes de rabinos e de celebridades judias americanas.

Esta ostensiva posição pública contra o plano de Trump levar os EUA a assumirem o controlo da Faixa de Gaza, depois de expulsar os seus residentes palestinianos para os países vizinhos, já tinha sido formulada pelas duas maiores denominações judaicas americanas, o movimento reformista e o movimento conservador. A Assembleia Rabínica, que representa o movimento conservador, classificou o plano do presidente como “um anátema para os valores judaicos e para o direito internacional dos direitos humanos”. E a União para o Judaísmo Reformista disse que esvaziar Gaza “não era uma ação estratégica, nem moral aceitável”.

O anúncio no The New York Times foi financiado por doadores progressistas que fazem parte da “Campanha In Our Name”, um grupo filantrópico de Judeus que procura angariar 10 milhões de dólares para organizações que “apoiam os esforços liderados pelos Palestinianos para construir segurança, dignidade e autodeterminação na Palestina”.

Não obstante, segundo o RNS, de 14 de fevereiro, “as organizações judaicas americanas do establishment emitiram posições neutras [sobre o plano de Trump], verdadeiras não-declarações”. Por outro lado, “várias das grandes instituições judaicas, que normalmente oferecem apoio incondicional a Israel, permaneceram silenciosas”.

A Conferência dos Presidentes das Principais Organizações Judaicas Americanas, as Federações Judaicas da América do Norte e a American Israel Public Affairs Committee (AIPAC), o grupo de lobby pró-Israel, não responderam publicamente à proposta sobre Gaza.

Esta presença de Judeus e de organizações judias a criticar, nos media, as posições de Trump contrasta com vários anúncios pró-Trump surgidos durante a última campanha eleitoral, de que foi exemplo o clip transmitido em canais televisivos nos estados do Arizona, da Geórgia, de Michigan, da Nevada e da Pensilvânia, em meados de outubro de 2024, e que terá custado ao grupo Coligação Republicana Judia um pouco mais de 360 mil dólares.

Entretanto, Amir Ali, um juiz federal norte-americano, ordenou, na noite de 13 de fevereiro, que a Administração Trump restabelecesse, de imediato, o financiamento a centenas de empresas e organizações não-governamentais parceiras da United States Agency for International Development (USAID), uma das maiores agências oficiais de ajuda humanitária do Mundo e responde por mais da metade de toda a assistência externa dos EUA.

“Pelo menos até à data, os réus [a Administração Trump] não deram qualquer explicação sobre por que razão uma suspensão geral de toda a ajuda externa autorizada pelo Congresso que […] constitui um instrumento racional para a revisão dos programas [de ajuda aos países mais pobres]”, aduziu o magistrado, lembrando que tal suspensão “desencadeou uma onda de choque e minou a confiança de milhares de acordos com empresas, [com organizações sem fins lucrativos e [com] organizações em todo o país”.

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Toda a intolerância patente nestes acontecimentos é lamentável num país que se diz democrático como os EUA e espanta que uma universidade se preste à cooperação ativa na repressão dos direitos, garantias e liberdades fundamentais dos cidadãos. Decididamente, os EUA podem ter dinheiro, mas não dão lições de ética, nem de legalidade.

2025.03.13 – Louro de Carvalho

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