De acordo com informação do Religions
News Service (RNS), de 11 de
março, a comunidade judaica americana está, crescentemente, dividida entre os
que defendem Israel e se preocupam com a segurança judaica, e os que se
manifestam contra Israel e apoiam a liberdade de expressão.
Na verdade, como também refere o jornal digital 7Margens, a 12 de março, a prisão de um ex-aluno de pós-graduação
da Universidade de Columbia, na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos da
América (EUA), que teve um notório papel de liderança no campus, ao criticar a
guerra de Israel em Gaza, gerou fortes divisões na comunidade judaica
americana.
Mahmoud Khalil, um ativista nos protestos pró-palestinianos no campus, em
2024, que levaram a acampamentos em tendas, foi preso por agentes de imigração
dos EUA, a 8 de março, no quadro da promessa do governo de Donald Trump de
deportar ativistas estudantis anti-Israel. Khalil, que é descendente de Palestinianos
e que cresceu na Síria, é um residente dos EUA.
A sua prisão foi saudada por alguns setores da comunidade judaica norte-americana,
incluindo a Liga Antidifamação (LAD), organização que luta contra o
antissemitismo e que, sobre o caso, divulgou uma declaração a aplaudir as
“consequências rápidas e severas para os que fornecem apoio material a
organizações terroristas estrangeiras”. Todavia, Khalil não foi acusado de
apoio material ou de qualquer outro tipo a uma organização terrorista.
Também o American Jewish Committee (Comité Judaico Americano),
uma organização global de defesa judaica, se declarou, a 11 de março “horrorizado”
com as opiniões e com as ações de Khalil e sustenta que, “se o governo provar o
seu caso num processo legal rápido e público”, devendo Khalil ser objeto do
devido processo, “então a deportação será totalmente justificada”.
Ao invés, outros Judeus ficaram indignados com a prisão, que sustentam ser
uma flagrante violação das liberdades civis, incluindo a liberdade de expressão
e o direito de protesto.
Tanto assim é que, a 10 de março, uma enorme multidão de manifestantes
desfilou, empunhando cartazes e bradando palavras de ordem, em apoio ao
ativista palestiniano Mahmoud Khalil, do lado de fora do Jacob K. Javits
Federal Building, em Nova Iorque – o edifício federal mais alto dos EUA, que
recebeu o nome
de Jacob K. Javits, que serviu como senador dos EUA por Nova Iorque,
durante 24 anos, de 1957 a 1981.
Na verdade, a IfNotNow, uma
organização judaica crítica a Israel, juntamente com a Jews for Racial & Economic Justice, sediada em Nova Iorque,
organizou uma manifestação com professores da Columbia e da Barnard College,
perto do campus da Columbia, em Upper Manhattan, no dia 10. E outra
manifestação, na Foley Square, em Lower Manhattan, atraiu centenas de pessoas que
agitavam bandeiras palestinianas. Ambas denunciaram violações dos direitos de
Khalil, nos termos da Primeira Emenda Constitucional e as implicações mais
amplas para a liberdade de expressão.
***
“O governo de [Donald] Trump está a explorar preocupações reais sobre
antissemitismo para minar a democracia”, escreveu Amy Spitalnick, CEO do apartidário Jewish Council for Public Affairs, na rede social X, considerando que isso torna “menos seguros”
os judeus e muitos outros.
A prisão de Khalil ocorreu um dia após o governo Trump retirar 400 milhões
de dólares em financiamento federal da universidade, alegando que ela não havia
abordado o antissemitismo, que aumentou no campus, desde 7 de outubro de 2023.
A reação à prisão do ativista palestiniano mostra um cisma crescente na
comunidade judaica americana entre os que defendem Israel e se preocupam com a
segurança judaica e os que estão comprometidos com valores liberais de longa
data, que incluem falar contra Israel.
Khalil está detido num centro de detenção, em Jena, no estado da Louisiana,
aguardando os procedimentos do tribunal de imigração. No dia 10, um juiz
federal bloqueou, temporariamente, a tentativa do governo de Donald Trump de o
deportar. Não está claro com base em que fundamentos o governo pode deportar um
residente permanente sem uma condenação criminal.
A retaliação esmagadora de Israel ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023,
no qual matou cerca de 50 mil Palestinianos, levou muitos Judeus americanos
terem os Judeus como vítimas de antissemitismo.
Em muitas faculdades, estudantes judeus argumentaram que as ocupações de
prédios, durante os protestos, os impediram de irem às aulas e que os materiais
distribuídos nos acampamentos, alguns com denúncias do sionismo, a ideologia
que sustenta a criação de Israel, e a sua ocupação do território palestiniano,
os fizeram sentir-se inseguros no campus.
Porém, outros Judeus, incluindo muitos estudantes judeus que participaram nos
protestos pró-palestinos no campus, disseram que as críticas a Israel não são
inerentemente antissemitas, nem devem ser rotuladas como “pró-terroristas” ou
“pró-Hamas”, como a administração Trump e outros apoiantes ferrenhos de Israel
tentaram fazer.
“Deveria ser óbvio, para todos, que o que está a acontecer, neste campus ou
para este campus, não é sobre proteger os Judeus”, disse a professora Marianne
Hirsch do Columbia Jewish Faculty Group, explicando: “Os meus colegas judeus
comprometidos e eu alertamos que a falsa caraterização da Universidade de
Columbia como um foco de antissemitismo seria usada como um álibi para o que
está, realmente, em jogo, para o establishment
republicano e, agora, para a administração Trump – o controlo rigoroso da fala,
do protesto e do ensino superior em geral.”
A Hillel, organização estudantil judaica em campi universitários, que
monitoriza relatos de antissemitismo, no campus, e trabalha para proteger
estudantes judeus, não respondeu aos pedidos de comentário que lhe foram
dirigidos pelo RNS, tal como a União
para o Judaísmo Reformista, a maior denominação judaica do país, nos EUA.
O rabino Jacob Blumenthal, CEO da
Assembleia Rabínica, conservadora, disse à RNS:
“Qualquer esforço para abordar os episódios intoleráveis de antissemitismo
que os estudantes judeus têm sofrido na Universidade de Columbia deve garantir
o devido processo legal.”
O rabino Moshe Hauer, vice-presidente executivo da Orthodox Union, com opinião diferente, sustentou em declarações ao The New York Times, que “são claramente necessárias
novas táticas agressivas e legais” para lidar com o antissemitismo.
Ainda não está claro como os oficiais de imigração souberam de Khalil ou do
que ele está a ser acusado. Em e-mails
que Khalil enviou aos administradores de Columbia, mostrava saber que estava a
ser alvo e pedia proteção. “Desde ontem, tenho sido submetido a uma campanha de
doxxing cruel, coordenada e
desumanizante, liderada pelos afiliados da Columbia Shai Davidai e David
Lederer que, entre outros, me rotularam como uma ameaça à segurança e pediram a
minha deportação”, escreveu, num e-mail,
a que acedeu a organização de notícias Zeteo,
referindo nomes de professores atuais e antigos da Columbia que, supostamente,
o perseguiram numa campanha de doxxing.
(Doxxing consiste em publicar,
geralmente online, informações
pessoalmente identificáveis sobre um indivíduo ou sobre uma organização).
Entretanto, o The Intercept relatou que
o grupo do WhatsApp Columbia Alumni for
Israel, com mais de mil membros, buscava a deportação de qualquer estudante
internacional que criticasse Israel. E também é possível que a própria
Universidade de Columbia tenha fornecido informações aos agentes de imigração.
A universidade foi intimada pelo Comité de Educação e Força de Trabalho da
Câmara dos EUA, em 2024, e solicitada a entregar todos os procedimentos
disciplinares contra manifestantes pró-palestinianos, desde 7 de outubro de
2023. Por conseguinte, enviou os documentos em conformidade com a
intimação do comité, em 21 de agosto, levantando preocupações sobre
confidencialidade e sobre privacidade dos alunos, incluindo violação do Family Educational Rights and Privacy Act.
Em 2024, Khalil foi suspenso do seu programa de pós-graduação, devido ao
seu papel nas manifestações no campus, mas a suspensão foi revertida, por falta
de provas, e ele pôde concluir o seu curso em dezembro.
Khalil era ativista na Columbia
University Apartheid Divest, uma coligação de organizações estudantis que
veem a Palestina como a vanguarda para a sua libertação coletiva. É casado e a
esposa, uma cidadã dos EUA, está grávida de oito meses.
A rabina Rachel Goldenberg de Malkhut, uma congregação judaica progressista
no Queens, compareceu ao comício do dia 10, perto de Columbia, dizendo que se
sentiu compelida a manifestar-se contra a prisão de Khalil. “Preciso de deixar
bem claro que o governo de Trump e a maneira como eles falam de proteger os Judeus
do antissemitismo não nos representam, do meu ponto de visto, e que a maioria
da comunidade judaica, neste país, se importa com o ensino superior, se importa
com a liberdade de expressão”, declarou, vincando. “Como judia, como rabina,
como líder judaica, é muito importante, para mim, que os Americanos entendam
que [Trump] não fala pelos Judeus.”
***
A diferença de opinião entre organizações judaicas americanas a propósito
da guerra levada a cabo pelo Estado de Israel e o apoio incondicional que tem
recebido dos EUA, bem como as propostas de Donald Trump para o território já
anteriormente tinha vindo a público, de forma evidente e notória.
Na verdade, uma página inteira da edição de 13 de fevereiro
do The New York Times era ocupada por um anúncio em
que se lia em grandes carateres: “Trump pediu a remoção de todos os Palestinianos
de Gaza. O povo judeu diz NÃO à limpeza étnica!”
O anúncio era seguido por mais de 350 nomes de rabinos e de
celebridades judias americanas.
Esta ostensiva posição pública contra o plano de Trump levar
os EUA a assumirem o controlo da Faixa de Gaza, depois de expulsar os seus
residentes palestinianos para os países vizinhos, já tinha sido formulada pelas
duas maiores denominações judaicas americanas, o movimento reformista e o
movimento conservador. A Assembleia Rabínica, que representa o movimento conservador,
classificou o plano do presidente como “um anátema para os valores judaicos e
para o direito internacional dos direitos humanos”. E a União para o Judaísmo
Reformista disse que esvaziar Gaza “não era uma ação estratégica, nem moral
aceitável”.
O anúncio no The New York Times foi
financiado por doadores progressistas que fazem parte da “Campanha In Our Name”,
um grupo filantrópico de Judeus que procura angariar 10 milhões de dólares para
organizações que “apoiam os esforços liderados pelos Palestinianos para
construir segurança, dignidade e autodeterminação na Palestina”.
Não obstante, segundo o RNS, de
14 de fevereiro, “as organizações judaicas americanas do establishment emitiram posições neutras [sobre o
plano de Trump], verdadeiras não-declarações”. Por outro lado, “várias das
grandes instituições judaicas, que normalmente oferecem apoio incondicional a
Israel, permaneceram silenciosas”.
A Conferência dos Presidentes das Principais Organizações
Judaicas Americanas, as Federações Judaicas da América do Norte e a American Israel Public Affairs Committee
(AIPAC), o grupo de lobby pró-Israel,
não responderam publicamente à proposta sobre Gaza.
Esta presença de Judeus e de organizações judias a criticar,
nos media, as posições de Trump contrasta com vários anúncios pró-Trump
surgidos durante a última campanha eleitoral, de que foi exemplo o clip transmitido
em canais televisivos nos estados do Arizona, da Geórgia, de Michigan, da Nevada
e da Pensilvânia, em meados de outubro de 2024, e que terá custado ao grupo
Coligação Republicana Judia um pouco mais de 360 mil dólares.
Entretanto, Amir Ali, um juiz federal norte-americano, ordenou,
na noite de 13 de fevereiro, que a Administração Trump restabelecesse, de
imediato, o financiamento a centenas de empresas e organizações não-governamentais
parceiras da United
States Agency for International Development (USAID), uma das maiores agências oficiais de ajuda humanitária
do Mundo e responde por mais da metade de toda a assistência externa dos EUA.
“Pelo menos até à data, os réus [a Administração Trump] não
deram qualquer explicação sobre por que razão uma suspensão geral de toda a
ajuda externa autorizada pelo Congresso que […] constitui um instrumento
racional para a revisão dos programas [de ajuda aos países mais pobres]”,
aduziu o magistrado, lembrando que tal suspensão “desencadeou uma onda de
choque e minou a confiança de milhares de acordos com empresas, [com organizações
sem fins lucrativos e [com] organizações em todo o país”.
***
Toda a intolerância patente nestes acontecimentos é
lamentável num país que se diz democrático como os EUA e espanta que uma universidade
se preste à cooperação ativa na repressão dos direitos, garantias e liberdades fundamentais
dos cidadãos. Decididamente, os EUA podem ter dinheiro, mas não dão lições de ética,
nem de legalidade.
2025.03.13
– Louro de Carvalho
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