Em artigo de James Thomas e de Talyta França intitulado “Pode o Canadá candidatar-se à adesão à União Europeia?”, publicado pela Euronews, a 20 de março, ressalta que “as redes sociais estão repletas de Europeus e de Canadianos”, a apelar à adesão do Canadá à União Europeia (UE), na sequência da recente hostilidade do presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, que, supostamente, empurrou aquele país para a Europa.
Assim, a eventual vontade de um país da América do Norte aderir à “poderosa” estrutura do velho continente pode ser meramente circunstancial, não surgindo de uma aspiração do povo, nem dos líderes políticos. Por outro lado, os especialistas sustentam que a distância geográfica e cultural do Canadá, em relação ao continente europeu, constitui um problema.
As publicações, no Reddit e no X, estão repletas de comentários de utilizadores das redes sociais a sugerir que o Canadá pode e deve aderir à UE, para romper os laços com Washington, numa altura em que a administração Trump ameaça fazer do Canadá o seu 51.º estado e impõe tarifas aos seus aliados tradicionais, no país e na Europa. É a sugestão de quem pensa que Trump se eternizará no poder, ficando para a História como o Vladimir Putin do Ocidente.
Os promotores da ideia de o Canadá se tornar o 28.º estado-membro da UE mencionam, como razões para a adesão, o sistema de saúde público de estilo europeu, a cultura única de língua inglesa e francesa e a participação na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
Por seu turno, durante uma visita ao velho continente, nomeadamente, a Paris e a Londres, o novo primeiro-ministro canadiano, Mark Carney, aludiu às raízes europeias do seu país. Era a sua primeira viagem oficial ao estrangeiro, desde que tomou posse, e que o levou a reunir-se com o presidente francês, Emmanuel Macron, e com o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, para discutir a recente beligerância de Donal Trump. “Quero garantir que França e toda a Europa trabalham com entusiasmo com o Canadá, o mais europeu dos países não europeus”, disse Carney, vincando que desejava manter as relações mais positivas possíveis com os EUA.
As reuniões do líder canadiano com o primeiro-ministro britânico e com o presidente francês teve lugar depois de uma sondagem da “Abacus Data”, publicada a 10 de março, ter revelado que 44% dos canadianos consideram que o país deve aderir à UE, contra 34% que pensam que não deve. Outros 46% dos inquiridos apoiariam a adesão do Canadá, contra 29% que se oporiam.
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A pesquisa foi realizada de 20 a 25 de fevereiro, antes de as tarifas
dos EUA entrarem em vigor, 4 de março de 2025, que foram suspensas por
mais um mês.A partir de 2025, a administração dos EUA confrontou o público canadense com todos os tipos de ameaças, sendo a questões tarifárias iminentes são as principais preocupações de muitos. E, nas últimas semanas, diferentes meios de comunicação lançaram a ideia da possível filiação canadense à UE, expondo as vantagens e os benefícios estratégicos de ambos os lados, bem como as dificuldades e obstáculos legais. A pesquisa com 1500 adultos canadenses explorou a opinião pública sobre o relacionamento do Canadá com os parceiros estrangeiros e a ideia de uma adesão canadense à UE. O Reino Unido é visto, mais favoravelmente, com impressão positiva combinada de 72%, seguido pela UE, com 68%. Apenas 34% dos canadenses têm impressão muito ou principalmente positiva dos EUA, que está atrás do México, com 56%, e logo acima da China, com 28%. A impressão negativa combinada dos EUA é de 60%, maior do que os 58% da China. Porém, 17% disseram não saberem o suficiente para ter uma impressão da UE, que é maior do que qualquer outro país testado.
Nos países por quem os canadenses acham que é, agora, o parceiro internacional mais importante do Canadá, os EUA lideram, com 55%, como o parceiro mais importante classificado (o 1.º). A seguir, vêm a UE (43%) e o Reino Unido (40%). É de notar que os EUA são classificados como o mais importante por 46%, mais do que qualquer outro país testado. Os próximos são 20%, para a UE, e 14%, para o Reino Unido. Ao mesmo tempo, os EUA são classificados como o parceiro menos importante (5.º) por 27%, o que só é superado pela China, com 28%. Isso é comparado à UE, classificada em último por apenas 11%. Essa opinião polarizada sobre a parceria entre o Canadá e os EUA é incomparável a qualquer um dos outros países testados.
Olhando para os próximos três a cinco anos, os EUA caem do primeiro para o terceiro lugar, com a classificação combinada de 1.º e 2.º, de 38%. O público canadense vê a UE como o parceiro mais importante nesse período, com a classificação combinada de 2.º lugar de 52%, enquanto o Reino Unido vem a seguir, com 44%. Em comparação com a parceria atual, há a redução de 16% (de 46% para 30%) de canadenses a classificarem os EUA como o mais importante (1.º). Esta é a pontuação mais alta dos países testados. A UE ganhou oito pontos (de 20% para 28%) como o parceiro mais importante, olhando o futuro, e os EUA (35%) superam a China (28%) como o parceiro menos importante. A opinião polarizada sobre a parceria com os EUA continua ao olhar para o futuro e muda da pontuação líquida mais importante para a menos importante.
Com foco na UE, os canadenses consideram, dentro da UE, os parceiros mais importantes deste modo: em todo o Canadá, 44% selecionam a França, e 29% escolhem a Alemanha como o parceiro mais importante do Canadá, dentro da UE, países com as maiores economias e maiores populações. O que é de notar é o relacionamento entre o Québec e a França: 71% dos canadenses do Québec selecionaram a França como o parceiro mais importante na UE.
Depois de se espevitar o ânimo dos canadenses acerca das ameaças tarifárias e da reflexão sobre o Canadá se tornar o 51.º estado dos EUA, 44% acha que o governo canadense, definitivamente ou provavelmente, deveria considerar juntar-se à UE, enquanto 34% são contra. Cerca de um em cada quatro canadenses não tem certeza sobre a sugestão. E o quadro muda um pouco, ao serem questionados sobre se há apoio geral para o Canadá se tornar estado membro da UE. Um total de 46% expressou forte ou um pouco apoio à filiação canadense à UE, enquanto 29% são forte ou um pouco contra. E um quarto indica não ter certeza sobre a filiação canadense à UE. Comparados ao total, os jovens (de 18 a 29 anos) mostram o apoio mais forte à filiação canadense à UE, enquanto os mais velhos (de 60 anos ou mais) estão mais inseguros. E, ao decompor a questão para a votação federal anterior, os eleitores do Partido Liberal mostram maior apoio, enquanto os do Partido Conservador se opõem mais à ideia.
Por fim, imaginando um cenário em que o Canadá se unisse à UE e se achavam que uma lista de questões-chave melhoraria, pioraria ou não mudaria muito, as respostas foram:
Um total de 62% acha que o comércio entre o Canadá e a UE melhoraria muito ou um pouco; um total de 48% acha que a situação económica no Canadá melhoraria muito ou um pouco; e que a qualidade de vida geral melhoraria foi indicado por 41%. Em relação ao número de pessoas que se mudariam da UE para o Canadá, 40% acham que melhoraria, enquanto 24% disseram que não sabem. Os canadenses estão mais divididos sobre a questão do custo de vida no Canadá: 33% acham que melhoraria e 32% acham que pioraria. Sobre a acessibilidade à moradia no Canadá, mais canadenses acham que pioraria (33%) do que melhoraria (28%). A maior pontuação de nenhuma mudança foi para a questão da assistência médica no Canadá (23%), enquanto 34% acham que a assistência médica melhoraria.
Sobre o relacionamento entre o Canadá e o Reino Unido, 47% acham que melhoraria, enquanto 17% acham que pioraria. Em comparação, apenas 20% acham que o relacionamento com os EUA melhoraria, e 50% acham que ele pioraria.
Por décadas, os EUA foram considerados o principal parceiro do Canadá e, para muitos, esse senso de proximidade e de interesse compartilhado raramente foi questionado. Porém, os novos dados sugerem mudança significativa na forma como os canadenses percebem tal relacionamento. As crescentes tensões comerciais, tarifas e, sobretudo, a tensão da retórica dos EUA criaram polarização na opinião pública. Enquanto muitos canadenses acreditam que os EUA são um parceiro importante, muitos agora veem-no como uma potencial responsabilidade em termos económicos e diplomáticos. A dissonância onde os EUA, simultaneamente, estão em primeiro lugar como parceiro mais importante e menos importante, revela quão inquietos os canadenses estão sobre dependerem de um mercado americano volátil.
Nesse contexto, a abertura à parceria canadense ou até à filiação à UE assume novo significado. Os valores compartilhados que os canadenses veem refletidos na Europa, a par do apelo do comércio diversificado e do acesso mais amplo ao mercado, alimentam esse interesse. Para muitos, fortalecer os laços com parceiros europeus ou pressionar por um acordo mais formal pode ser contrapeso estratégico aos riscos económicos associados a uns EUA imprevisíveis.
Naturalmente, haveria inúmeros obstáculos legais, políticos e culturais, se o Canadá pretendesse a filiação à UE. Mas, no mínimo, a base da opinião pública dispõe-se a integração mais profunda, por acordos comerciais expandidos sob o acordo de livre comércio entre a UE e o Canadá (CETA), pela entrada na Área Económica Europeia ou noutras alianças criativas que afrouxem a dependência do Canadá de uma administração dos EUA hostil. Com cerca de um em cada quatro canadenses inseguros, há espaço para mais debate público sobre como uma parceria com a UE pode funcionar e o que ela pode alcançar para o Canadá. No geral, os canadenses parecem mais abertos a novas alianças internacionais, em parte motivados pelo esfriamento das atitudes, em relação aos EUA. Ainda não se sabe onde isso levará, como política concreta, mas a ideia ganhou força. Se a relação com os EUA continuar em caminho contencioso, a noção de “Canadá na UE”, pode evoluir de fantasiosa para uma opção de política convencional.
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Paula Pinho,
porta-voz da Presidente da Comissão Europeia, afirmou, em conferência de
imprensa realizada no início de março, que se sentia honrada com os resultados
da sondagem, que mostram a atratividade da UE, mas acrescentou que ao
artigo 49.º do Tratado da União Europeia
(TUE) estabelece que só os estados
europeus podem candidatar-se à adesão à UE, ao dispor: “Qualquer Estado europeu
que respeite os valores referidos no artigo 2.º e esteja empenhado em
promovê-los pode pedir para se tornar membro da União.”Sucede que o TUE não define o que é um “estado europeu”. No entanto, um documento, de 1992, da Comissão das Comunidades Europeias de então dá uma pista, sublinhando a importância dos laços geográficos e culturais. “O termo ‘europeu’ não foi oficialmente definido”, diz o documento, mas “combina elementos geográficos, históricos e culturais que contribuem para a identidade europeia.” Ora, de acordo com o documento, a experiência partilhada de proximidade, de ideias, de valores e de interação histórica “não pode ser condensada numa fórmula simples e está sujeita a revisão em cada geração seguinte”.
Segundo Peter Van Elsuwege, professor de Direito Comunitário na Universidade de Gand, outras organizações continentais podem servir de barómetro para a europeização. “Um outro ponto de referência é a adesão ao Conselho da Europa, uma vez que esta organização também só está aberta a ‘estados europeus’”, disse à EuroVerify. “Por isso, ser membro do Conselho da Europa dá uma indicação dos ‘limites da Europa’”, concluiu.
O Estatuto do Conselho da Europa, que é anterior à UE, estabelece: “Qualquer estado europeu [...] pode ser convidado a tornar-se membro do Conselho da Europa pelo Comité de Ministros.”
Porém, a qualificação de membro postula adesão ao objetivo de “salvaguardar e de promover os ideais e os princípios que são o seu património comum e de favorecer o seu progresso económico e social”, que se prossegue, “por meio dos órgãos do Conselho, “através do exame de questões de interesse comum, pela conclusão de acordos e pela adoção de uma ação comum nos domínios económico, social, cultural, científico, jurídico e administrativo, bem como pela salvaguarda e desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais” (ver artigo 1.º).
Países não pertencentes à Europa continental já solicitaram e acabaram por aderir à UE. O Chipre, país cultural e politicamente europeu mas, geograficamente situado na Ásia Ocidental, tornou-se membro de pleno direito da UE, em 2004. Embora uma parte da Turquia se situe na Europa, a maior parte encontra-se na Ásia Ocidental. No entanto, é oficialmente um país candidato à adesão à UE, apesar de as negociações terem estagnado, durante anos. E Marrocos apresentou o pedido de adesão em 1987, mas foi rejeitado, por não ser um país europeu.
Ao invés de Chipre e da Turquia, Marrocos não é membro do Conselho da Europa, nem o Canadá – um dos maiores obstáculos à sua adesão à UE. E Van Elsuwege explica: “O Canadá, tal como Marrocos, no passado, não satisfaz o critério de ‘estado europeu’. Em particular, o Canadá não está geograficamente localizado na Europa, não é um estado-membro do Conselho da Europa e não tem quaisquer ligações antigas ao desenvolvimento cultural da Europa.”
Quase todos os países europeus são membros do Conselho da Europa e o Canadá é observador.
Van Elsuwege salienta que a situação é diferente no caso de Chipre e da Turquia. Com efeito, a Comissão Europeia decidiu que o papel de Chipre no desenvolvimento da cultura e da civilização europeias, para lá dos estreitos laços culturais, políticos e económicos com o resto do continente, tornava a sua candidatura admissível. E, para a Turquia, a sua Geografia e a sua História contribuem para que seja considerada um “Estado europeu”. Já era esse o caso, no acordo de associação de 1963, entre a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Turquia, que inclui uma referência a potencial futuro pedido de adesão da Turquia.
Chipre e a Turquia são casos específicos, e não precedentes para concluir que o Canadá pode ser considerado “estado europeu”, ao abrigo do artigo 49.º do TUE. Por conseguinte, a conclusão mais provável é o Canadá não poder aderir à UE, por não ser cultural, política ou geograficamente europeu, pelo que hipotética candidatura canadiana exigiria a revisão dos tratados.
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E por que
não rever os tratados, se os conceitos estratégicos podem mudar com as diversas
gerações. O Canadá não pode vir a reunir as condições definidas pelo objetivo
do Estatuto do Conselho da Europa e os parâmetros do funcionamento da UE,
talvez melhor do que alguns dos atuais estados-membros?
De resto, que têm a ver com o Atlântico países, como, por exemplo, a Roménia, a
Hungria e a Itália? No entanto, pertencem à NATO. As convenções é que definem
os objetivos, os interesses e as regras. Quando se quer, não há barreiras.
Assim, as Malvinas ainda continuam britânicas e a Gronelândia dinamarquesa!
2025.03.20 – Louro de Carvalho
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