domingo, 23 de março de 2025

Forças aéreas deixam destruição e algumas vantagens no país

 

Não difamo qualquer força aérea militar ou de outra origem extranatural, mas apenas falo dos efeitos provocados pela ruidosa e excecionalmente acelerada força eólica, pela copiosa queda de água sob a forma de chuva e de granizo (forças aéreas) e pela alterosa fúria das ondas marinhas, que a depressão Marinho provocou em todo o país, em especial, na região da Grande Lisboa.  

As chuvas e as, por vezes, fortíssimas rajadas de vento atingiram, em força, Portugal nos dias 19 e 20 de março – com maior incidência na noite entre os dois dias –, tendo causado a derrocada de várias estruturas e a queda de árvores e de postes em diferentes pontos de Portugal Continental e da Madeira. Na Grande Lisboa, a zona mais afetada, registaram-se alguns feridos.

Das 00h00 do dia 19 às 18h00 do dia 20, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) registou 8241 ocorrências (depois, subiram para mais de 8600), mais de metade na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com 5051 situações reportadas.

Em Odivelas, o vento forte destruiu parte da cobertura de um pavilhão da Escola Básica Bernardim Ribeiro. Cerca de 200 alunos ficaram sem aulas, com a escola a ser encerrada, sem previsão de abertura, ainda no dia 21.

Na zona de Lisboa, 22 estradas foram cortadas e a circulação dos comboios na ponte 25 de Abril esteve interrompida, entre as estações de Coina e Roma-Areeiro, tendo sido retomada às 7h25 da manhã. Os comboios da linha de Cascais deixaram de circular. Houve estradas submersas. As linhas do Douro e do Vouga estiveram igualmente interrompidas. Cerca de 20 barras marítimas foram fechadas à navegação. Na Lourinhã, 13 pessoas tiveram de ser realojadas, devido à queda de um telhado – cenário que se repetiu em vários pontos de Portugal, com o vento a deitar abaixo estruturas, como parte do telhado do estádio do Rio Ave, em Vila do Conde. Em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira, um muro do estádio local ruiu sobre o cemitério, provocando a destruição de cerca de três dezenas de campas. E, em Nogueira da Regedoura, cães vadios (esfaimados por falta de comida disponível) mataram o proprietário de um depósito de inertes e feriram um militar de Guarda Nacional Republicana (GNR)

Cerca de 50 mil pessoas ficaram sem eletricidade nos distritos de Leiria, de Coimbra e de Vila Real, devido aos efeitos do mau tempo intenso e prolongado. No distrito de Coimbra, no concelho de Oliveira do Hospital, a estrutura da bancada do estádio de futebol do Nogueira do Cravo, ruiu parcialmente. No aeródromo de Cascais, várias avionetas ficaram viradas ao contrário.

A situação afetou, não só Portugal Continental, como também o arquipélago da Madeira, onde a queda de galhos de uma árvore feriu dois turistas estrangeiros, no Funchal. Também na Madeira foram registadas várias dezenas de incidentes.

O mau tempo prolongou-se até ao dia 22, com a chuva e o vento forte a manterem-se, embora com menos intensidade, tal como a agitação marítima, mas com inundações em vários lugares, sobretudo, nas zonas costeiras.

Os fenómenos de vento extremo aconteceram no litoral e nas zonas Centro e Sul do Continente.

A ANEPC foi lançando avisos e pedindo cuidado e cautela à população, durante aqueles dias.

A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, louvou o trabalho feito da ANEPC, da Polícia de Segurança Pública (PSP), da GNR dos bombeiros e das autarquias e pediu a população o cumprimento escrupuloso das indicações da ANEPC.

Segundo a governante, 13 mil pessoas foram mobilizadas para o terreno, em todo o país.

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A depressão Martinho levou a ANEPC a pôr em alerta a região do Baixo Tejo em alerta, devido ao risco de cheias. Com efeito, a Espanha, onde os efeitos da tempestade também se fizeram sentir, foi obrigada a intensificar as descargas das barragens, depois das chuvas quase diluvianas dos últimos dias, o que levou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a avisar que a subida do caudal do rio era inevitável.

A barragem de Castelo de Bode foi tentando controlar o caudal do Zêzere, sob pressão das descargas em Cabril e em Bouça e do afluente Rio Nabão. Resistiu-se a injetar mais do que 2300 metros cúbicos por segundo para um Tejo que, afinal, não é suficientemente grande para receber tanta água. A Espanha, que vinha contendo as descargas, já não conseguia evitar abrir a torneira, após recordes de chuva.

A depressão Martinho deixou também Pracana, Fratel e Belver a transbordar. É água que adensa a situação nos campos agrícolas do Tejo, com futuras vantagens para a produção agrícola.

O lastro da depressão Martinho estendeu-se ao Vouga. Ribeiradio (Oliveira de Frades) descarregou, obrigando a que, uns quilómetros abaixo, também Ermida (Sever do Vouga) começasse a descarregar. O risco de cheia existiu, por isso, em toda a sua bacia hidrográfica.

Também o Mondego esteve em alerta, pois o Rio Ceira ultrapassou as margens, inundando garagens em Cabouço. Baixou, entretanto, o nível das águas, permitindo que Fronhas (em Arganil) pudesse descarregar em simultâneo com a Aguieira (em Travanca do Mondego e em Almaça), sem risco de afetar Coimbra.

No Douro, no Tua, no Varosa e na barragem do Vilar (Moimenta da Beira) e de Fonte Arcada (Sernancelhe), esteve a gerir-se o limite. A Sul, Pedrógão (Vidigueira) esteve, durante uma semana, a libertar o excesso de Alqueva (no Alentejo), de Odeleite, de Beliche e do Funcho (no Algarve), já aliviaram quanto baste. E anteviu-se que Odelouca (no Algarve), quase vazia ao longo da última década, possa vir, ainda este ano, estrear-se a libertar água.

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A ANEPC registou, também no dia 21, entre as 00h00 e as 12h00, um total de 185 ocorrências associadas à passagem da depressão Martinho em Portugal continental, maioritariamente, queda de árvores, que ocorreram sobretudo na Grande Lisboa e Península de Setúbal.

Estas 185 ocorrências acrescem às mais de 8600 situações registadas nos dois dias anteriores, entre as 00h00 do dia 19 e as 22h do dia 21, conexas com as condições meteorológicas adversas, devido à passagem da depressão Martinho, com chuva, vento e agitação marítima fortes. “Hoje é um dia muito mais calmo, apesar de continuarmos numa situação de alerta”, disse à Lusa fonte da ANEPC, reforçando que os avisos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) conexos com o mau tempo em Portugal continental se prologariam até à meia-noite do dia 22.

Assim, a ANEPC manteve, até ao final do dia 22, todos os agentes de proteção civil “em alerta de nível amarelo”, o menos grave de uma escala de três, “face à ocorrência desta meteorologia adversa”, ressalvando estar em contacto, diariamente, com o IPMA e com a APA, relativamente à monitorização das bacias hidrográficas dos diferentes rios do país, pois a situação podia ter uma evolução ou não, dependendo também daqueles contactos permanentes.

Relativamente às 185 ocorrências do dia 21, a ANEPC adiantou que a maioria era relativa a queda de árvores, com 104 situações, seguindo-se limpeza de vias (27), mas referiu não haver registo significativo de inundações.

Em resultado do mau tempo, perto de mil clientes fornecidos pela E-Redes – Distribuição de Eletricidade estavam, pelas 12h30, sem energia, devido aos efeitos do mau tempo, prevendo-se a reposição integral do serviço até às 18h.

A par dos cerca de 10 feridos ligeiros associados à passagem da depressão Martinho, destaca-se um ferido grave, ou seja, uma mulher, “com cerca de 30 anos”, que foi atingida, no dia 19, por uma árvore, na Lagoa Azul, em Sintra, no distrito de Lisboa, e que se manteve internada com “prognóstico muito reservado”, informou à Lusa fonte da autarquia.

A passagem da depressão Martinho fez com que estradas, portos, linhas ferroviárias, espaços públicos, habitações, equipamentos desportivos, viaturas e serviços de energia e água fossem afetados, em especial nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, do Centro e do Sul, registando-se um ferido grave e perto de uma dezena de feridos ligeiros.

Na noite do dia 19 para o dia 20, os ventos fortes ajudaram a propagar cerca de meia centena de incêndios rurais no Minho, sem registo de vítimas ou danos em habitações, numa época pouco propícia a fogos. Porém, a chuva forte e contínua contribuiu para a sua rápida extinção.

A circulação automóvel e pedonal na Avenida de Dom Carlos I, no Porto, foi cortada a partir das 19h00, devido à forte agitação marítima, como anunciou a Câmara Municipal do Porto.
Numa informação publicada na sua página Web, a autarquia referiu que a circulação seria restabelecida, assim que as condições do mar o permitissem. Relativamente à agitação marítima, o Porto esteve sob avisos amarelo e laranja, entre a tarde do dia 22 e o dia 23. O período mais crítico ocorreu no dia 22, com ondas de Noroeste entre cinco e sete metros, sendo a altura máxima de 12 metros, o que aumentou o risco de galgamentos costeiros, sobretudo, nos períodos de preia-mar. Por isso, a ANEPC recomendou à população o respeito pelos perímetros de segurança estabelecidos junto da orla costeira e do acesso aos molhes e às praias, nomeadamente, nas avenidas D. Carlos I, Brasil e Montevideu. Os serviços municipais pediram à população que evitasse atividades marítimas, passeios junto ao mar e a travessia de zonas inundadas e que adotasse uma condução defensiva. Outra das recomendações foi evitar o estacionamento de veículos junto da costa e em zonas mais vulneráveis a galgamentos costeiros, assim como a especial atenção aos avisos emitidos pelo IPMA.

No dia 23, pelas 20h00, José Pimenta Machado, presidente da APA, considerava que a chuva trazida pela depressão Martinho quebrara o recorde de precipitação no alto Tejo, desde que há registo, mas que não havia motivos para alarme, por existir “grande articulação entre Portugal e Espanha, através da Confederación Hidrográfica del Tajo, que nos permite ganhar tempo”.

Referia-se ao jogo de descargas e de retenções entre barragens portuguesas e espanholas que está a ser feito: “A zona mais problemática é de Constância para baixo, no ponto de confluência entre o Zêzere e o Tejo. Estamos a tentar ao máximo aguentar a água nesse afluente para que os espanhóis consigam fazer as descargas programadas para hoje, durante a maré baixa”, explicou.

As autoridades portuguesas estimavam que o pico do caudal acontecesse por volta das 20h00, quando se previa que atingisse os três mil metros cúbicos por segundo. “Por comparação, durante a última grande cheia que houve nos concelhos da bacia do Tejo, em 2013, o caudal do rio chegou a bater nos 10 mil metros cúbicos por segundo”, explicitou Pimenta Machado.

João Heitor, presidente da Câmara do Cartaxo, sustentava que tudo o que se podia fazer, então, era monitorizar, pois, ainda não se registavam ocorrências de maior no concelho: “Não há razões para alarme, as populações estão habituadas a um fenómeno com o qual sempre conviveram”, dizia. E António Camilo, presidente da Câmara da Golegã, corroborava: “Não só estão habituadas como até desejosas. A cheia no Tejo é um fenómeno importante para a agricultura da região”.

Face às previsões, a ANEPC ativou o Plano Especial de Emergência para Cheias na Bacia do Tejo, por haver “risco elevado de galgamento das margens do rio Tejo, podendo inundar áreas historicamente suscetíveis a cheias”. Uma dessas áreas é a aldeia de Reguengo do Alviela, onde a população foi avisada pelos bombeiros de que, durante a noite, corria o risco de ficar isolada.

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Todavia, não se abateram só desgraças sobre o país com a depressão Martinho. Além das chuvadas fortes e contínuas, que apagaram fogos na zona de Arcos de Valdevez, cuja causa se desconhece, ressalta o efeito de fertilização nos campos alagados, bem como a acumulação de água nas barragens a prevenir os efeitos das secas. E, a par disso, sobressai o aumento de produção de energia elétrica.    

Segundo a REN – Redes Energéticas Nacionais, a produção eólica do dia 19, alimentada pelos ventos fortes da depressão Martinho, chegou a máximos históricos e abasteceu 56% do consumo de eletricidade registado no país.

A produção total diária de energia elétrica gerada pelo vento atingiu os 112,4 GWh (Gigawatts), informou a REN – Redes Energéticas Nacionais, no dia 20. Permitiu “uma nova potência eólica máxima de 5080 MW (Megawatts), às 12h15”. E, nesse dia, a totalidade da produção renovável foi responsável pelo abastecimento de 92% das necessidades de energia elétrica do país.

Desde o início do ano, a produção renovável representa 79% do consumo nacional, repartida pela hídrica, com 39%, a eólica, com 28%, a solar, com 7%, e a biomassa, com 5%.

“Estes registos confirmam que Portugal tem mantido uma trajetória sustentável na progressiva incorporação de fontes renováveis endógenas, enquanto mantém os objetivos primordiais de segurança de abastecimento e de qualidade de serviço no Sistema Elétrico Nacional, mesmo em situações mais adversas como as de ontem”, concluiu a REN.

Em fevereiro, a produção renovável abasteceu 78% do consumo de energia elétrica, em Portugal. Tal como em janeiro as condições voltaram a ser muito favoráveis para a energia hidroelétrica, com um índice de produtibilidade de 1,28 (média histórica igual a um).

Em sentido oposto, tanto nas eólicas como nas fotovoltaicas, as condições foram particularmente desfavoráveis, com os índices respetivos a registarem 0,71 e 0,83, respetivamente. No caso da energia solar, o contínuo aumento da potência instalada permitiu manter crescimentos homólogos elevados (27%), com a potência entregue à rede a atingir pela primeira vez pontas da ordem de 2800 MW. E, no período de janeiro e fevereiro, o índice de produtibilidade hidroelétrica situou-se em 1,25, o de produtibilidade eólica em 1,00 e o de produtibilidade solar em 0,82.

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Não obstante, é discutível a vantagem, face aos custos. Os prejuízos causados pela depressão Martinho são enormes. E nada paga o sobressalto e até o pânico das pessoas, bem como o trabalho dos milhares de pessoas que obviaram às ocorrências, mobilizando uma enormidade de recursos. Por isso é de nos interrogarmos se os poderes políticos, os agentes económicos e os cidadãos estão a fazer tudo, para minimizar os efeitos das alterações climáticas.

2025.03.23 – Louro de Carvalho

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