O Dia da Mulher começou a ser
comemorado no início do século XX, ligado aos protestos operários,
pacifistas e ao sufrágio feminino. Nas décadas seguintes, foi
promovido, sobretudo, por países comunistas e por movimentos de esquerda. Em
1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) festejou o Ano Internacional da
Mulher e, dois anos depois, a Assembleia Geral reconheceu o Dia Internacional
da Mulher, feriado em mais de 20 países, incluindo o
Afeganistão, a Ucrânia, a Rússia e Cuba. Para este ano, a ONU adotou o tema
“Para todas as mulheres e meninas: direitos, igualdade, empoderamento”.
Em
todo o Mundo, os protestos marcaram a data. Os manifestantes quiseram mostrar
que, mais do que festa, é oportunidade de chamada da atenção para situações de
desigualdade e de reivindicar mais igualdade e direitos.
Em Portugal,
houve manifestações em várias cidades. A Rede 8 de Março, que as organizou,
lembrou os 50 anos da primeira manifestação do Dia da Mulher, após
o 25 de Abril. “Há 50 anos, as mulheres tomaram as ruas em Lisboa,
numa manifestação histórica do Movimento de Libertação das Mulheres”, escreveu
a Rede 8 de Março, na convocatória dos protestos que tiveram como tema “Pão e
cravos”.
Na Polónia, país
muito marcado pela influência da Igreja Católica, a interrupção
voluntária da gravidez voltou ao centro dos protestos. Ativistas
do grupo Abortion Dream Team abriram um centro de distribuição de pílulas
abortivas, junto ao parlamento, acompanhadas de seguranças privados. O centro é
uma forma simbólica de pressionar os políticos a mudar uma das leis mais restritivas
da Europa. A liberalização do aborto foi uma das promessas eleitorais do primeiro-ministro,
Donald Tusk, que encontra resistência na coligação governativa.
Na Turquia,
milhares de pessoas saíram à rua em diferentes cidades, com protestos que foram
acompanhados de perto pela polícia de choque. Vários grupos feministas
acusam o governo de restringir os direitos das mulheres e de não fazer o
suficiente para lidar com a violência contra elas. Em 2011, Recep
Erdogan retirou a Turquia da Convenção de Istambul, respeitante a violência
doméstica. O ano de 2025 foi declarado o Ano da Família,
projeto que, para as feministas, é uma forma de circunscrever o papel das
mulheres à família e à maternidade.
Em Itália, uma
procissão colorida, com mulheres, homens, crianças e idosos (mais de 20 mil
participantes), marchou pelas ruas de Roma até ao Circo Máximo, na sequência da
manifestação convocada, pelo nono ano consecutivo, pela associação “Non una di
meno”. O movimento feminista-transfeminista luta, desde 2016, contra todas as formas
de violência de género e “contra todas as faces que o patriarcado assume na
sociedade em que vivemos”.
Os manifestantes gritaram palavras de
ordem contra o fascismo, contra a violência, contra as mulheres e contra
o patriarcado, mas a favor das mulheres palestinianas ou curdas, contra
os governos de Milei, na Argentina, ou de Trump nos Estados Unidos da América (EUA)
e contra a Europa que se quer armar. Foram lançadas bombas de fumo cor-de-rosa
e foram exibidos cartazes contra o Ministro da Educação, Giuseppe Valditara, e um
cartaz para Giulia Cecchettin, a jovem morta pelo seu ex, em novembro de 2023,
que se tornou um símbolo trágico.
Espanha foi palco de manifestações em
massa, pelos direitos e pela igualdade da mulher. Em Madrid, mais de 80 mil
pessoas, segundo os organizadores (25 mil segundo a Delegação do Governo),
percorreram as ruas de Atocha até à Praça de Espanha, sob o lema “o feminismo
foi a chuva necessária”. O mau tempo não impediu que os cidadãos de aderirem à
causa, mostrando que o empenhamento na igualdade ultrapassa qualquer obstáculo
meteorológico. A manifestação reuniu ativistas de todas as idades, desde
veteranas com décadas de luta feminista a jovens raparigas, com cartazes com
mensagens, como “não somos princesas, somos guerreiras”. Homens e mulheres uniram-se
pela igualdade, vincando a inclusão de um movimento que muitos participantes
descreveram como benéfico para a sociedade em geral. Tema recorrente foi o
alarme para atitudes machistas dos adolescentes. Muitos manifestantes apontaram
a influência negativa das redes sociais e de certos discursos que parecem
impor-se entre os jovens.
A mesma situação repetiu-se noutras
cidades, como Barcelona, onde as feministas marcharam em manifestações
diferentes, evidenciando as discrepâncias que o movimento atravessa.
No Afeganistão,
o governo emitiu um comunicado a defender o país em matéria de direitos das
mulheres. Os talibãs escrevem que as afegãs vivem em segurança, com os direitos
protegidos. E o porta-voz do governo, Zabihallah Mujahid,
disse que a prioridade do país é a defesa a dignidade, da honra e dos
direitos das mulheres. Porém, a ONU) têm outra opinião. A chefe da
Missão da ONU no país, Roza Otunbayeva,
disse que “o apagamento da vida pública das mulheres e crianças afegãs não
pode ser ignorado”.
***
As
mulheres grávidas e as novas mães continuam a morrer, a níveis alarmantemente
elevados, em todo o Mundo e uma nova análise da Organização Mundial de Saúde
(OMS) começou a desvendar alguns motivos. Uma mulher grávida ou recém-mãe morre
a cada dois minutos, podendo a maioria dessas mortes ser evitada. Segundo a
análise, em 2020, terão ocorrido 287 mil mortes maternas em todo o Mundo, em
qualquer altura durante a gravidez, até seis semanas após o parto, e
diretamente conexas com a gravidez. Quase todas estas mortes ocorrem em países
de baixos rendimentos, enfrentando riscos elevados as mulheres da África
Subsariana e do Sul da Ásia.
Esta análise é a primeira atualização
global da OMS, em mais de uma década, sobre a razão destas mortes. Os resultados
oferecem pistas para salvar as vidas das mulheres grávidas e das novas mães,
nos países de alto risco, em todo o Mundo. “As intervenções não são de difícil
execução”, disse à Euronews Health Jenny
Cresswell, cientista da OMS e principal autora do estudo.
Entre 2009 e 2020, as causas mais
comuns, em todo o Mundo, foram a hemorragia (sangramento grave, geralmente
durante o parto ou imediatamente a seguir), bem como a pré-eclâmpsia e outros
problemas conexos com a tensão arterial elevada, que podem levar a acidentes
vasculares cerebrais (AVC) ou à falência de órgãos, se não forem tratados.
Os problemas de saúde agravados pela
gravidez, como infeções ou doenças crónicas, foram outro dos principais
fatores, de acordo com o estudo, publicado na revista Lancet Global Health. Outras causas principais foram a sépsis, a
obstrução dos vasos sanguíneos e as complicações do aborto.
Poucos países dispunham de dados
sobre saúde mental materna, mas os investigadores afirmam que o suicídio é
preocupação fundamental para as mulheres, no primeiro ano de maternidade.
As mortes maternas são o “canário na
mina de carvão” que alerta para problemas de saúde, sociais e políticos mais
vastos”, afirmou Joyce Browne, professora associada de Saúde Global e Epidemiologia
no Centro Médico Universitário de Utrecht, nos Países Baixos, vincando: “Se
tiverem acesso a cuidados de saúde de qualidade, se os determinantes sociais
forem bem tratados, as mulheres, geralmente, não morrem.”
O risco mais elevado de hemorragia
nos países de baixo rendimento, por exemplo, reflete as desigualdades
persistentes no acesso a cuidados médicos de alta qualidade durante as
emergências, sem os quais, as mulheres podem esvair-se em sangue e morrer em
duas horas. Porém, as mulheres da América Latina e das Caraíbas mais facilmente
morrem de complicações conexas com a hipertensão arterial, que pode ocorrer na
primeira semana após o parto.
As mortes não contam a história toda.
Por cada mulher que morre, durante a gravidez ou no parto, muitas outras sofrem,
potencialmente, de complicação, o “quase-acidente”. Em sete países da África
Subsariana, por exemplo, uma em cada 20 mulheres irá sofrer um quase-acidente
durante a sua vida, segundo um estudo de 2024. Na Guatemala, o risco é de
uma em cada seis.
“A mortalidade é a ponta do
icebergue”, afirmou Jenny Cresswell, sustentando que os novos resultados frisam
a necessidade de maior coordenação entre as diferentes partes do sistema de
saúde, como Obstetrícia, Cuidados Primários, Serviços de Emergência e apoio à
Saúde Mental, e sugerem que os esforços mais alargados para impulsionar os
sistemas de saúde nos países de baixo rendimento podem compensar com melhores
resultados, em termos de saúde materna.
Esses ganhos podem ser incrementais. Por
exemplo, as diretrizes internacionais de saúde dizem que, quando a mulher
se prepara para dar à luz, o batimento cardíaco do bebé deve ser monitorizado a
cada poucos minutos. Todavia, em áreas sem pessoal médico suficiente, isso pode
ser possível apenas uma vez por hora (é melhor do que nada). Por isso, no dizer
de Joyce Browne, os profissionais de saúde “precisam de ter orientações
práticas que garantam que fazem o melhor que podem no contexto em que se
encontram, enquanto se esforçam por fazer melhor no futuro”.
O estudo só inclui dados até 2020,
pelo que não tem em conta a forma como a pandemia de covid-19 afetou os
sistemas de saúde e os trabalhadores em todo o Mundo. Ora, a situação não progride
como desejável e a decisão dos EUA de redução dos programas de saúde, a
nível mundial, aumenta a incerteza quanto ao futuro. Porém, registam-se alguns
progressos.
Desde a viragem do século, 69 países
reduziram as taxas de mortalidade materna, pelo menos, para metade. E, como
região, a África Subsariana reduziu a sua taxa em 33%. “Dispomos de bons dados
sobre as razões pelas quais as mulheres estão a morrer. […] O importante é
investir em intervenções e soluções para impedir que isso volte a acontecer”,
afirmou Jenny Cresswell
***
Entre
retrospetivas, há muito aguardadas, e extensas exposições multiartistas, vários
museus europeus optaram por destacar a arte de mulheres, para celebrar o Dia
Internacional da Mulher.
Um estudo realizado em 2022, nos
principais museus de arte dos EUA, revelou que 87% dos artistas apresentados
nestas instituições eram homens. Na Europa, a situação é muito melhor.
Eis cinco exposições europeias
imperdíveis centradas em artistas femininas, para o Dia Internacional da Mulher
(e para o Mês Internacional da Mulher):
1. No século XVI, Roma tornara-se
importante centro artístico, acolhendo titãs da arte, como Caravaggio e Miguel
Ângelo. Porém, as mulheres artistas continuaram marginalizadas e excluídas da
formação, de tal modo que muitos dos seus nomes desapareceram dos livros de
História da Arte. O Museo di Roma, no Palazzo Braschi, pretende mudar a
situação. A exposição “Artistas femininas em ação entre os séculos XVI e XIX”
apresenta cerca de 130 obras de 56 artistas diferentes. Entre as pintoras em
destaque, contam-se Lavinia Fontana, Artemisia Gentileschi e Élisabeth Vigée Le
Brun, que foram para Roma, na esperança de encontrarem o sucesso e de consolidarem
o seu lugar no mundo da arte. A exposição é uma mostra de obras de arte e uma
tentativa de esclarecer a vida e as experiências profissionais destas mulheres.
No período de duração da exposição (de 8 de março a 4 de maio),
o museu organizará também uma série de painéis de discussão com historiadores
de arte e estudiosos de estudos de género.
2. A Gropius Bau, em Berlim,
apresenta, de 31 de março a 14 de setembro, a primeira exposição individual
completa de Vaginal Davis, na Alemanha, 20 anos depois de a artista americana
se ter estabelecido em Berlim. No campo da arte, Vaginal Davis é: pintora,
performer, cineasta, musicista, escritora, etc. Em sete instalações de grande
escala, Fabelhaftes Produkt (“Magnificent Product”) reflete esta diversidade e
abrange obras de 1985 a 2025. A exposição reflete a sua colaboração com outros
artistas, como o coletivo artístico CHEAP, de Berlim.
Ícone negro queer, Vaginal Davis deu
a si própria o nome da famosa ativista Angela Davis. O seu trabalho é mistura
deliciosa de punk, de glamour e de
cultura drag. Foi descrita como
“terrorista drag”: “Sempre fui demasiado gay para os punks e demasiado punk
para os gays. Sou uma ameaça para a sociedade”, disse, em entrevista de 2015 à The New Yorker.
3. A artista francesa Eugénie
Dubreuil, com 87 anos, passou 25 anos da vida a colecionar obras de arte de
mulheres, com o sonho de, um dia, dedicar um museu às suas descobertas. Em
2024, com mais de 500 peças em mãos, reuniu uma das maiores coleções conhecidas
de obras de arte feminina, em França, e decidiu fazer uma doação ao Musée
Sainte Croix, em Poitiers.
O resultado é “La Musée” – trocadilho
entre “o museu” (la musée) e “a divertida” (l’amusée) –, exposição de 300 peças
datadas do século XVII ao século XXI. Desenhos, gravuras e miniaturas constituem
a maior parte da exposição. O conjunto é mistura eclética de artistas
desconhecidos e de nomes conhecidos, como Rosa Bonheur, Niki de Saint Phalle e
Suzanne Valadon (que é o foco de uma exposição no Centre Pompidou, em Paris). “La
Musée. Une collection d’artistes femmes” decorre até 18 de maio.
4. Com “Every Atom is Color”, o Museu
de Arte Kode Bergen conduz os visitantes através do desenvolvimento pessoal e
artístico de Harriet Backer, que se tornou uma das pintoras mais influentes da
História da Noruega, conhecida pela sua rica utilização da cor e da luz.
Backer (1845-1932) era uma aficionada
do espaço privado, e muitas das peças expostas em Bergen apresentam cenas de
interiores e retratos dos seus amigos e entes queridos.
A música é também tema predominante
na sua obra, e a exposição inclui um programa musical que destaca a irmã de
Backer, a pianista norueguesa Agathe Backer-Grøndahl. “Every Atom is Color”
conclui uma digressão internacional que, nos últimos dois anos, levou o
trabalho de Backer a Estocolmo, a Paris e a Oslo, com grande aclamação do
público.
“Harriet Backer. Every Atom is Color”
está patente até 24 de agosto.
5. É punk, é rock e usou um
vestido de carne, 30 anos antes de Lady Gaga. A artista feminista pioneira
Linder Sterling é o foco de “Linder: Danger Came Smiling”, uma retrospetiva
patente na Hayward Gallery, em Londres.
Ao longo de cinco décadas, a artista
nascida em Liverpool produziu colagens satíricas e fotomontagens, para
questionar a representação do corpo feminino. Partindo da cultura pop, a artista propõe um questionamento
radical das normas sexuais e de género.
O título “Danger Came Smiling”
refere-se ao nome de um álbum, de 1982, da banda pós-punk Ludus, que Sterling
fundou. O sorriso é também motivo recorrente no seu trabalho. A exposição
inclui as montagens marcantes, esculturas, fotografias e instalações de vídeo.
“Linder: Danger Came Smiling”, na
Hayward Gallery, decorre até 5 de maio.
E como bónus para os amantes da arte
que vivem em Londres, a Granary Square, em King’s Cross, permite admirar as
ilustrações de Hanna Benihoud, apresentadas no âmbito da exposição gratuita e
ao ar livre “HighlightHer”. O evento celebra as “mulheres extraordinárias e
comuns”, no Dia Internacional da Mulher.
2025.03.09 – Louro de Carvalho
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