domingo, 9 de março de 2025

Protestos, saúde materna e arte em Dia Internacional da Mulher

 

O Dia da Mulher começou a ser comemorado no início do século XX, ligado aos protestos operários, pacifistas e ao sufrágio feminino. Nas décadas seguintes, foi promovido, sobretudo, por países comunistas e por movimentos de esquerda. Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) festejou o Ano Internacional da Mulher e, dois anos depois, a Assembleia Geral reconheceu o Dia Internacional da Mulher, feriado em mais de 20 países, incluindo o Afeganistão, a Ucrânia, a Rússia e Cuba. Para este ano, a ONU adotou o tema “Para todas as mulheres e meninas: direitos, igualdade, empoderamento”.

Em todo o Mundo, os protestos marcaram a data. Os manifestantes quiseram mostrar que, mais do que festa, é oportunidade de chamada da atenção para situações de desigualdade e de reivindicar mais igualdade e direitos.

Em Portugal, houve manifestações em várias cidades. A Rede 8 de Março, que as organizou, lembrou os 50 anos da primeira manifestação do Dia da Mulher, após o 25 de Abril. “Há 50 anos, as mulheres tomaram as ruas em Lisboa, numa manifestação histórica do Movimento de Libertação das Mulheres”, escreveu a Rede 8 de Março, na convocatória dos protestos que tiveram como tema “Pão e cravos”.

Na Polónia, país muito marcado pela influência da Igreja Católica, a interrupção voluntária da gravidez voltou ao centro dos protestos. Ativistas do grupo Abortion Dream Team abriram um centro de distribuição de pílulas abortivas, junto ao parlamento, acompanhadas de seguranças privados. O centro é uma forma simbólica de pressionar os políticos a mudar uma das leis mais restritivas da Europa. A liberalização do aborto foi uma das promessas eleitorais do primeiro-ministro, Donald Tusk, que encontra resistência na coligação governativa.

Na Turquia, milhares de pessoas saíram à rua em diferentes cidades, com protestos que foram acompanhados de perto pela polícia de choque.  Vários grupos feministas acusam o governo de restringir os direitos das mulheres e de não fazer o suficiente para lidar com a violência contra elas. Em 2011, Recep Erdogan retirou a Turquia da Convenção de Istambul, respeitante a violência doméstica. O ano de 2025 foi declarado o Ano da Família, projeto que, para as feministas, é uma forma de circunscrever o papel das mulheres à família e à maternidade.

Em Itália, uma procissão colorida, com mulheres, homens, crianças e idosos (mais de 20 mil participantes), marchou pelas ruas de Roma até ao Circo Máximo, na sequência da manifestação convocada, pelo nono ano consecutivo, pela associação “Non una di meno”. O movimento feminista-transfeminista luta, desde 2016, contra todas as formas de violência de género e “contra todas as faces que o patriarcado assume na sociedade em que vivemos”.

Os manifestantes gritaram palavras de ordem contra o fascismo, contra a violência, contra as mulheres e contra o patriarcado, mas a favor das mulheres palestinianas ou curdas, contra os governos de Milei, na Argentina, ou de Trump nos Estados Unidos da América (EUA) e contra a Europa que se quer armar. Foram lançadas bombas de fumo cor-de-rosa e foram exibidos cartazes contra o Ministro da Educação, Giuseppe Valditara, e um cartaz para Giulia Cecchettin, a jovem morta pelo seu ex, em novembro de 2023, que se tornou um símbolo trágico.

Espanha  foi palco de manifestações em massa, pelos direitos e pela igualdade da mulher. Em Madrid, mais de 80 mil pessoas, segundo os organizadores (25 mil segundo a Delegação do Governo), percorreram as ruas de Atocha até à Praça de Espanha, sob o lema “o feminismo foi a chuva necessária”. O mau tempo não impediu que os cidadãos de aderirem à causa, mostrando que o empenhamento na igualdade ultrapassa qualquer obstáculo meteorológico. A manifestação reuniu ativistas de todas as idades, desde veteranas com décadas de luta feminista a jovens raparigas, com cartazes com mensagens, como “não somos princesas, somos guerreiras”. Homens e mulheres uniram-se pela igualdade, vincando a inclusão de um movimento que muitos participantes descreveram como benéfico para a sociedade em geral. Tema recorrente foi o alarme para atitudes machistas dos adolescentes. Muitos manifestantes apontaram a influência negativa das redes sociais e de certos discursos que parecem impor-se entre os jovens.

A mesma situação repetiu-se noutras cidades, como Barcelona, onde as feministas marcharam em manifestações diferentes, evidenciando as discrepâncias que o movimento atravessa.

No Afeganistão, o governo emitiu um comunicado a defender o país em matéria de direitos das mulheres. Os talibãs escrevem que as afegãs vivem em segurança, com os direitos protegidos. E o porta-voz do governo, Zabihallah Mujahid,  disse que a prioridade do país é a defesa a dignidade, da honra e dos direitos das mulheres. Porém, a ONU) têm outra opinião. A chefe da Missão da ONU no país, Roza Otunbayeva,  disse que “o apagamento da vida pública das mulheres e crianças afegãs não pode ser ignorado”.

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As mulheres grávidas e as novas mães continuam a morrer, a níveis alarmantemente elevados, em todo o Mundo e uma nova análise da Organização Mundial de Saúde (OMS) começou a desvendar alguns motivos. Uma mulher grávida ou recém-mãe morre a cada dois minutos, podendo a maioria dessas mortes ser evitada. Segundo a análise, em 2020, terão ocorrido 287 mil mortes maternas em todo o Mundo, em qualquer altura durante a gravidez, até seis semanas após o parto, e diretamente conexas com a gravidez. Quase todas estas mortes ocorrem em países de baixos rendimentos, enfrentando riscos elevados as mulheres da África Subsariana e do Sul da Ásia.

Esta análise é a primeira atualização global da OMS, em mais de uma década, sobre a razão destas mortes. Os resultados oferecem pistas para salvar as vidas das mulheres grávidas e das novas mães, nos países de alto risco, em todo o Mundo. “As intervenções não são de difícil execução”, disse à Euronews Health Jenny Cresswell, cientista da OMS e principal autora do estudo.

Entre 2009 e 2020, as causas mais comuns, em todo o Mundo, foram a hemorragia (sangramento grave, geralmente durante o parto ou imediatamente a seguir), bem como a pré-eclâmpsia e outros problemas conexos com a tensão arterial elevada, que podem levar a acidentes vasculares cerebrais (AVC) ou à falência de órgãos, se não forem tratados.

Os problemas de saúde agravados pela gravidez, como infeções ou doenças crónicas, foram outro dos principais fatores, de acordo com o estudo, publicado na revista Lancet Global Health. Outras causas principais foram a sépsis, a obstrução dos vasos sanguíneos e as complicações do aborto.

Poucos países dispunham de dados sobre saúde mental materna, mas os investigadores afirmam que o suicídio é preocupação fundamental para as mulheres, no primeiro ano de maternidade.

As mortes maternas são o “canário na mina de carvão” que alerta para problemas de saúde, sociais e políticos mais vastos”, afirmou Joyce Browne, professora associada de Saúde Global e Epidemiologia no Centro Médico Universitário de Utrecht, nos Países Baixos, vincando: “Se tiverem acesso a cuidados de saúde de qualidade, se os determinantes sociais forem bem tratados, as mulheres, geralmente, não morrem.”

O risco mais elevado de hemorragia nos países de baixo rendimento, por exemplo, reflete as desigualdades persistentes no acesso a cuidados médicos de alta qualidade durante as emergências, sem os quais, as mulheres podem esvair-se em sangue e morrer em duas horas. Porém, as mulheres da América Latina e das Caraíbas mais facilmente morrem de complicações conexas com a hipertensão arterial, que pode ocorrer na primeira semana após o parto.

As mortes não contam a história toda. Por cada mulher que morre, durante a gravidez ou no parto, muitas outras sofrem, potencialmente, de complicação, o “quase-acidente”. Em sete países da África Subsariana, por exemplo, uma em cada 20 mulheres irá sofrer um quase-acidente durante a sua vida, segundo um estudo de 2024. Na Guatemala, o risco é de uma em cada seis.

“A mortalidade é a ponta do icebergue”, afirmou Jenny Cresswell, sustentando que os novos resultados frisam a necessidade de maior coordenação entre as diferentes partes do sistema de saúde, como Obstetrícia, Cuidados Primários, Serviços de Emergência e apoio à Saúde Mental, e sugerem que os esforços mais alargados para impulsionar os sistemas de saúde nos países de baixo rendimento podem compensar com melhores resultados, em termos de saúde materna.

Esses ganhos podem ser incrementais. Por exemplo, as diretrizes internacionais de saúde dizem que, quando a mulher se prepara para dar à luz, o batimento cardíaco do bebé deve ser monitorizado a cada poucos minutos. Todavia, em áreas sem pessoal médico suficiente, isso pode ser possível apenas uma vez por hora (é melhor do que nada). Por isso, no dizer de Joyce Browne, os profissionais de saúde “precisam de ter orientações práticas que garantam que fazem o melhor que podem no contexto em que se encontram, enquanto se esforçam por fazer melhor no futuro”.

O estudo só inclui dados até 2020, pelo que não tem em conta a forma como a pandemia de covid-19 afetou os sistemas de saúde e os trabalhadores em todo o Mundo. Ora, a situação não progride como desejável e a decisão dos EUA de redução dos programas de saúde, a nível mundial, aumenta a incerteza quanto ao futuro. Porém, registam-se alguns progressos.

Desde a viragem do século, 69 países reduziram as taxas de mortalidade materna, pelo menos, para metade. E, como região, a África Subsariana reduziu a sua taxa em 33%. “Dispomos de bons dados sobre as razões pelas quais as mulheres estão a morrer. […] O importante é investir em intervenções e soluções para impedir que isso volte a acontecer”, afirmou Jenny Cresswell

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Entre retrospetivas, há muito aguardadas, e extensas exposições multiartistas, vários museus europeus optaram por destacar a arte de mulheres, para celebrar o Dia Internacional da Mulher.

Um estudo realizado em 2022, nos principais museus de arte dos EUA, revelou que 87% dos artistas apresentados nestas instituições eram homens. Na Europa, a situação é muito melhor.

Eis cinco exposições europeias imperdíveis centradas em artistas femininas, para o Dia Internacional da Mulher (e para o Mês Internacional da Mulher):

1. No século XVI, Roma tornara-se importante centro artístico, acolhendo titãs da arte, como Caravaggio e Miguel Ângelo. Porém, as mulheres artistas continuaram marginalizadas e excluídas da formação, de tal modo que muitos dos seus nomes desapareceram dos livros de História da Arte. O Museo di Roma, no Palazzo Braschi, pretende mudar a situação. A exposição “Artistas femininas em ação entre os séculos XVI e XIX” apresenta cerca de 130 obras de 56 artistas diferentes. Entre as pintoras em destaque, contam-se Lavinia Fontana, Artemisia Gentileschi e Élisabeth Vigée Le Brun, que foram para Roma, na esperança de encontrarem o sucesso e de consolidarem o seu lugar no mundo da arte. A exposição é uma mostra de obras de arte e uma tentativa de esclarecer a vida e as experiências profissionais destas mulheres. No período de duração da exposição (de 8 de março a 4 de maio), o museu organizará também uma série de painéis de discussão com historiadores de arte e estudiosos de estudos de género.

2. A Gropius Bau, em Berlim, apresenta, de 31 de março a 14 de setembro, a primeira exposição individual completa de Vaginal Davis, na Alemanha, 20 anos depois de a artista americana se ter estabelecido em Berlim. No campo da arte, Vaginal Davis é: pintora, performer, cineasta, musicista, escritora, etc. Em sete instalações de grande escala, Fabelhaftes Produkt (“Magnificent Product”) reflete esta diversidade e abrange obras de 1985 a 2025. A exposição reflete a sua colaboração com outros artistas, como o coletivo artístico CHEAP, de Berlim.

Ícone negro queer, Vaginal Davis deu a si própria o nome da famosa ativista Angela Davis. O seu trabalho é mistura deliciosa de punk, de glamour e de cultura drag. Foi descrita como “terrorista drag”: “Sempre fui demasiado gay para os punks e demasiado punk para os gays. Sou uma ameaça para a sociedade”, disse, em entrevista de 2015 à The New Yorker.

3. A artista francesa Eugénie Dubreuil, com 87 anos, passou 25 anos da vida a colecionar obras de arte de mulheres, com o sonho de, um dia, dedicar um museu às suas descobertas. Em 2024, com mais de 500 peças em mãos, reuniu uma das maiores coleções conhecidas de obras de arte feminina, em França, e decidiu fazer uma doação ao Musée Sainte Croix, em Poitiers.

O resultado é “La Musée” – trocadilho entre “o museu” (la musée) e “a divertida” (l’amusée) –, exposição de 300 peças datadas do século XVII ao século XXI. Desenhos, gravuras e miniaturas constituem a maior parte da exposição. O conjunto é mistura eclética de artistas desconhecidos e de nomes conhecidos, como Rosa Bonheur, Niki de Saint Phalle e Suzanne Valadon (que é o foco de uma exposição no Centre Pompidou, em Paris). “La Musée. Une collection d’artistes femmes” decorre até 18 de maio.

4. Com “Every Atom is Color”, o Museu de Arte Kode Bergen conduz os visitantes através do desenvolvimento pessoal e artístico de Harriet Backer, que se tornou uma das pintoras mais influentes da História da Noruega, conhecida pela sua rica utilização da cor e da luz.

Backer (1845-1932) era uma aficionada do espaço privado, e muitas das peças expostas em Bergen apresentam cenas de interiores e retratos dos seus amigos e entes queridos.

A música é também tema predominante na sua obra, e a exposição inclui um programa musical que destaca a irmã de Backer, a pianista norueguesa Agathe Backer-Grøndahl. “Every Atom is Color” conclui uma digressão internacional que, nos últimos dois anos, levou o trabalho de Backer a Estocolmo, a Paris e a Oslo, com grande aclamação do público.

“Harriet Backer. Every Atom is Color” está patente até 24 de agosto.

5. É punk, é rock e usou um vestido de carne, 30 anos antes de Lady Gaga. A artista feminista pioneira Linder Sterling é o foco de “Linder: Danger Came Smiling”, uma retrospetiva patente na Hayward Gallery, em Londres.

Ao longo de cinco décadas, a artista nascida em Liverpool produziu colagens satíricas e fotomontagens, para questionar a representação do corpo feminino. Partindo da cultura pop, a artista propõe um questionamento radical das normas sexuais e de género.

O título “Danger Came Smiling” refere-se ao nome de um álbum, de 1982, da banda pós-punk Ludus, que Sterling fundou. O sorriso é também motivo recorrente no seu trabalho. A exposição inclui as montagens marcantes, esculturas, fotografias e instalações de vídeo.

“Linder: Danger Came Smiling”, na Hayward Gallery, decorre até 5 de maio.

E como bónus para os amantes da arte que vivem em Londres, a Granary Square, em King’s Cross, permite admirar as ilustrações de Hanna Benihoud, apresentadas no âmbito da exposição gratuita e ao ar livre “HighlightHer”. O evento celebra as “mulheres extraordinárias e comuns”, no Dia Internacional da Mulher.

2025.03.09 – Louro de Carvalho

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