Em Dia Internacional da Mulher, há que dar conta dos progressos nos direitos
das mulheres e das raparigas em todo o Mundo, que são consideráveis, mas
frágeis e sem abarcarem todas as mulheres e raparigas.
De acordo com um novo relatório “ONU Mulheres”, da Organização das
Nações Unidas (ONU), sob o título “Women's
Rights in Review: 30 Years After Beijing”, foi alcançada a paridade na
educação das raparigas, a mortalidade materna diminuiu em um terço e a
representação das mulheres nos parlamentos mais do que duplicou, nas últimas
três décadas.
Assim,
em 2025, celebramos 30 anos de conquistas na Declaração e Plataforma de Ação de
Pequim, um plano visionário de 1995, acordado por 189 governos, para alcançar a
igualdade de direitos para todas as mulheres e meninas.
O
relatório do secretário-geral da ONU sobre a revisão e a avaliação destes 30
anos reflete as revisões globais, regionais e nacionais de 159 países,
resumindo o progresso e as prioridades para ações futuras. Conclui que muitos
países fizeram progressos na igualdade de género e no empoderamento das
mulheres, desde a proibição da discriminação no emprego até à adoção de planos
de ação climática sensíveis ao género. A inovação acelera o progresso e abrem-se
oportunidades para ampliar estratégias comprovadas. Porém, a discriminação de
género continua enraizada em todas as economias e sociedades, impondo
restrições crónicas aos direitos e às esperanças de mulheres e de meninas.
A
ampla participação na revisão reflete a contínua relevância e a importância
crítica da Plataforma de Ação de Pequim, incluindo o alcance dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) globais. Com base nas descobertas, a “ONU
Mulheres” colaborou com parceiros para elaborar a “agenda de ação Pequim+30”,
que reúne pessoas para concretizar as promessas da plataforma e os objetivos
globais, reforçando como todos têm um papel a desempenhar e destacando as
conclusões do relatório do Secretário-Geral da ONU.
O Mundo é, hoje, mais igualitário, em termos de género, do que em qualquer
outro momento da História, mas os progressos não estão garantidos e, sem uma
ação sustentada, podem ser revertidos, de acordo com Belén Sanz, diretora
regional da “ONU Mulheres” Europa e Ásia Central, em entrevista à Euronews, considerando: “As mulheres
fizeram uma verdadeira mudança no Mundo, mas estamos a ver que há um retrocesso
alarmante, que a discriminação está a aprofundar-se, que as proteções legais
estão a enfraquecer e que os fundos e o financiamento para a igualdade de
género também estão a diminuir.”
Nestes termos, Belén Sanz advertiu que os progressos duramente conquistados
“podem ser alterados, num instante”, e enfatizou a necessidade de a União
Europeia (UE) permanecer “extremamente vigilante” contra potenciais
retrocessos, pois a Europa não está imune à reação global contra a igualdade de
género. Com efeito, em 2024, um em cada quatro países do Mundo registou um
retrocesso nos direitos das mulheres. Por exemplo, a Geórgia aboliu a quota de
género para as mulheres no parlamento, regressão que suscitou preocupações.
Por isso, Belén Sanz sustenta que é preciso consolidar as políticas que a
UE implementou e garantir forte controlo e recursos adequados, porque, sem eles,
há o risco de retrocesso.
A nível da UE, cerca de 50 milhões de mulheres continuam a sofrer elevados
níveis de violência sexual e física, em casa, no trabalho e em público. Entre
2014 e 2024, a percentagem de mulheres com idades entre os 18 e os 74 anos que
sofreram violência de género quase não se alterou (31,4% versus 30,7%). As mulheres em toda a UE continuam a enfrentar grande
diferença na participação no mercado de trabalho, com apenas 44% das mulheres
empregadas, em comparação com 69% dos homens.
Neste âmbito, Belén Sanz releva que a disparidade de género, no emprego,
continua a ser problema importante, na região, e que as responsabilidades de
cuidados e o trabalho não remunerado recaem, desproporcionadamente, sobre as
mulheres.
A nível mundial, as mulheres ocupam-se 2,5 vezes mais do que os homens no
trabalho não remunerado de prestação de cuidados. Na Europa e na Ásia Central,
esse fosso é maior, com as mulheres a ocuparem-se 3,4 vezes mais do que os
homens com os cuidados não remunerados e com o trabalho doméstico. E Sanz
defende: “Os progressos são possíveis, mas têm sido demasiado lentos, demasiado
desiguais e demasiado frágeis. A dura verdade é que o Mundo está a falhar para
com as mulheres e as raparigas.”
Segundo a “ONU Mulheres”, uma rapariga nascida hoje teria de esperar até
aos 40 anos para ver as mulheres ocuparem tantos lugares no parlamento como os
homens, a nível mundial, 68 anos para o casamento infantil ser erradicado; e
137 anos para se eliminar a extrema pobreza.
As recentes crises globais – incluindo a ovid-19, a emergência climática e
o aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis – só intensificaram a
urgência de agir, no dizer de Sanz, que entende ser 2025 “um ponto de viragem”
para os direitos das mulheres. Na verdade, certas narrativas que deturpam a
igualdade de género atingem, diretamente, os progressos feitos, em virtude do
impacto da ascensão dos movimentos de extrema-direita e antifeministas na igualdade
de género no discurso público e político. “Não nos podemos dar ao luxo de
sofrer outro revés. As mulheres e as raparigas não podem esperar – temos de encontrar
uma solução em conjunto”, preconiza Sanz.
A “ONU Mulheres” tem sido apoiada pela ajuda externa dos Estados Unidos da
América (EUA) na Ucrânia, na Sérvia, no Tajiquistão e na Geórgia, entre outros
países. Porém, a suspensão do financiamento e da ajuda externa dos EUA afeta o
trabalho das Nações Unidas e da “ONU Mulheres”. Por exemplo, na Ucrânia, a
suspensão reduzirá os recursos para os esforços de construção da paz das
mulheres e para a criação de espaços mais seguros para as sobreviventes da
guerra e da violência. Este corte de ajuda afetará, pelo menos, 4500 mulheres
da Ucrânia e afetará, indiretamente, mais cerca de 12 mil pessoas.
Nos últimos dois ou três anos, mais de metade dos 20 principais doadores da
“ONU Mulheres” alteraram as suas políticas de desenvolvimento, diminuindo o
apoio financeiro a esta agência da ONU. “Investir em iniciativas que permitam
que as mulheres e as raparigas cresçam, se desenvolvam, nas suas comunidades e
nas suas sociedades, é um investimento muito bom. Não é uma despesa, é um
investimento com elevados retornos para elas e para as suas sociedades, afirmou
Sanz, apelando aos estados-membros para que continuem a apoiar o trabalho da
agência.
***
Em
1995, o Mundo uniu-se em torno da Plataforma de Ação de Pequim, que
preparou o cenário para mudanças em grande escala. De leis que protegem
mulheres da violência doméstica a programas que empoderam mulheres e meninas, o
documento molda o nosso Mundo e pavimenta o caminho de um futuro justo e igual
para “todas” as mulheres e meninas.
Estes
30 anos remodelaram,
globalmente, os direitos das mulheres, mostrando que o progresso é possível.
Desde 1995, a proporção de mulheres nos parlamentos mais que duplicou, as taxas
de casamento infantil caíram e mais mulheres têm acesso à licença de maternidade,
a subsídios de pensão alimentícia, a benefícios de desemprego e a planos de
pensão – medidas essenciais para a redução da pobreza e para o aumento da
segurança económica.
A
educação tem visto os maiores ganhos para mulheres e meninas, com mais meninas
na escola. As proteções legais também se expandiram: antes da Plataforma de
Ação de Pequim, apenas 19 países tinham leis que protegiam as mulheres da
violência; hoje, o número aumentou para 152. Todavia sistemas políticos
frágeis, falta crónica de financiamento e choques e crises recorrentes tornaram
o progresso muito lento e, com muita frequência, levaram a retrocessos.
O último relatório do secretário-geral da ONU mostra
que, se as coisas continuarem como agora, uma menina nascida hoje terá 39 anos,
quando as mulheres ocuparem tantos assentos nos parlamentos como os homens, e
68 anos antes de testemunhar o fim do casamento infantil. E isso é só a ponta
do iceberg. Quase não mudou, em 20 anos, a participação na força de
trabalho, com 63% das mulheres e 92% na força de trabalho, em 2022, em comparação
com 64% e 94%, respetivamente, em 2002.
1. Violência
contra as mulheres: 90% dos países relataram o fortalecimento das leis de
violência de género, a sua implementação e aplicação – um aumento, face aos 83%
de 2019.
2. Pobreza: 79% dos estados relatam esforços para
fortalecer os sistemas de proteção social, como licença de maternidade,
transferências de rendimento, sistemas de pensão e outras políticas essenciais
para conter a pobreza e para impulsionar o empoderamento económico das mulheres
– um aumento, face aos 70% de 2019.
3. Direitos das meninas: 70% dos estados-membros
concentraram ações no acesso das meninas à educação – um aumento, face aos 61%
de 2019.
4. Mulheres na liderança: 38% dos países relataram medidas
para prevenir e investigar casos de violência contra mulheres na vida pública —
mais do dobro da percentagem de 2019.
5. Acesso à terra e aos recursos: 48% dos estados relatam medidas
para aumentar o acesso das mulheres à terra, à água, à energia e a outros
recursos – um aumento de 10%, face a 2019.
6. Mulheres em situações de crise: 43% relataram adotar
abordagens sensíveis ao género para ações humanitárias e respostas a crises –
um aumento, face aos 40% de 2019.
7. Trabalho de assistência não remunerado: os países que
relatam serviços de assistência a idosos aumentaram de 46%, em 2019, para 66%,
em 2024 – essencial para libertar o tempo das mulheres, grande parte do qual é
alocado à assistência não remunerada e ao trabalho comunitário.
Porém,
grandes desafios continuam a desacelerar o progresso em direção à igualdade de
género. De acordo com o relatório do secretário-geral da ONU, os obstáculos
mais prementes são:
1.
Os choques
económicos e climáticos, a pandemia da covid-19 e os conflitos.
De facto, os esforços de igualdade de género atrasaram, a violência
doméstica aumentou, durante os bloqueios da pandemia, e os conflitos e a
emergência climática afetam, desproporcionalmente, milhões de mulheres e de meninas,
em todo o Mundo.
2. A reação contra o feminismo e contra
a fadiga de género. Os movimentos antidireitos ganharam força com leis discriminatórias,
visando os direitos de saúde sexual e reprodutiva das mulheres,
limitando-lhes o acesso a serviços e enfraquecendo a proteção contra a
violência de género. As mulheres enfrentam ameaças na política e na vida pública,
e o espaço para mulheres e meninas se manifestarem e responsabilizarem os
líderes diminui a taxas alarmantes.
3. A falta de financiamento para
igualdade de género. Leis não mudam vidas e o progresso real requer
investimento na colocação de leis e políticas em ação. Ora, o financiamento
para igualdade de género está atrasado. Medidas de austeridade e dívida
crescente, sobretudo, nos países mais pobres, levaram a cortes em serviços
essenciais, como saúde e educação. E órgãos nacionais de igualdade de
género são desfinanciados, minados ou desmantelados, deixando-os sem poder, sem
capacidade e sem recursos, alimentando mais as crises.
4. As mudanças
populacionais. O rápido crescimento populacional, na África subsaariana e
em partes da Ásia, da América Latina e do Caribe, sobrecarrega os serviços
públicos, como saúde, educação e serviços sexuais e reprodutivos. E, noutros
lugares, como a Europa ou o Japão, o envelhecimento da população aumenta o
volume de trabalho de cuidado não remunerado que mulheres e meninas assumem mais,
comparativamente com os homens.
***
1.
Uma revolução digital. A tecnologia deve impulsionar
a igualdade, não a exclusão. Assim, urgem políticas de inclusão digital, garantindo acesso
igualitário e liderança para todos/as.
2. Libertação
da pobreza. Quase 10% das mulheres vivem em extrema pobreza. As mulheres fazem,
pelo menos, o dobro de trabalho de cuidado não remunerado que os homens. O
cuidado é vital no bem-estar das famílias, das sociedades e das economias, mas
é subvalorizado e mal pago. Há que investir em sistemas de proteção social, em serviços
públicos e em serviços de assistência, para dar às mulheres e meninas a mesma
oportunidade de prosperarem.
3. Violência zero. Sofrem violência sexual
25% das mulheres. Embora tenhamos muitas leis, elas são, frequentemente,
mal implementadas e falta investimento em estratégias de prevenção. Ora, é preciso
aplicar as leis e os procedimentos que travem a violência contra as mulheres.
4. Poder de decisão pleno e igual. As mulheres
representam 27% dos parlamentares nacionais, mas as decisões que moldam as
suas vidas são tomadas, predominantemente, por homens. Ora, estando as mulheres
envolvidas na política, há decisões mais inclusivas, soluções diversificadas e
resultados económicos mais fortes. Assim, há que aumentar o número de
mulheres em cargos de tomada de decisão na política, nos negócios e nas
instituições.
5. Paz e segurança. Mais de 600 milhões de
mulheres e meninas vivem em áreas de conflito armado, com a violência sexual a
disparar. As organizações femininas estão na linha de frente da construção
da paz e da resposta à crise, mas continuam subfinanciadas e
subvalorizadas. Por isso, é preciso adotar e financiar planos nacionais para
aumentar a participação das mulheres em todos os aspetos da paz e da
segurança e financiar organizações de mulheres em situação de conflito.
6. Justiça climática. A crise climática e a
perda de biodiversidade aceleram, e as mulheres, sobretudo, em comunidades
rurais e indígenas, arcam com esses impactos. Ora, elas também estão na
vanguarda das soluções. Por conseguinte, há que priorizar mulheres e
meninas na ação climática, aumentando o investimento na sua liderança e acesso
a empregos verdes.
Juntos, podemos criar um futuro justo e
igualitário para todas as mulheres e meninas.
A
Plataforma de Ação de Pequim estabeleceu a base para a mudança. Agora é hora de
agir, com urgência, com cooperação e com sério comprometimento.
2025.03.08 –
Louro de Carvalho
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