A União Europeia (UE) pretende que
todos os estados-membros desenvolvam um kit
de sobrevivência de 72 horas para os cidadãos enfrentarem qualquer crise que
surja, como parte da Estratégia de Preparação da União, que também apela a
maior acumulação de bens essenciais e a melhor cooperação entre civis e
militares.
Da estratégia revelada, a 26 de março, pela Comissão
Europeia consta uma lista de 30 ações que os estados-membros devem tomar, para
aumento da preparação contra potenciais crises futuras, desde catástrofes
naturais e acidentes industriais a ataques de agentes maliciosos nos domínios
cibernético ou militar. O kit de
emergência deve incluir alimentos, água e cópias de documentos de identidade
importantes, entre outros itens.
Hadja Lahbib, comissária responsável
pela ajuda humanitária e gestão de crises, segundo a qual o bloco “não está a
começar do zero”, disse que a pandemia de covid-19 mostrou que é crucial o
valor acrescentado de agir em conjunto, de forma solidária e coordenada, no
quadro da UE, devendo nós, de acordo com Roxana Mînzatu, comissária responsável
pela preparação, pensar de forma diferente e mais alargada, pois as ameaças são
diferentes e maiores.
Por consequência, é necessário
reforçar a preparação da população, tendo a Comissão instado os estados-membros
a garantir que os cidadãos disponham de um kit
de emergência que os torne autossuficientes, num mínimo de 72 horas, no
caso de ficarem sem bens essenciais.
Vários estados-membros já dispõem de
orientações deste tipo, com prazos variáveis. Por exemplo, a França, exige um kit de sobrevivência de 72 horas que
inclua alimentos, água, medicamentos, rádio portátil, lanterna, pilhas
sobresselentes, carregadores, dinheiro, cópias de documentos importantes,
incluindo receitas médicas, chaves sobresselentes, roupas quentes e ferramentas
básicas, como facas. E o plano da Comissão visa harmonizar as orientações nos
27 estados-membros, para garantir que “todos, a diferentes níveis, tenham um
manual do que fazer quando as sirenes tocarem”, disse um alto responsável da UE,
sob anonimato, vincando que o nível de preparação, na UE e nos diferentes estados-membros
“é muito diferente”.
Outro aspeto fundamental é o aumento
da reserva de equipamentos e de bens essenciais, de contramedidas médicas, como
vacinas, medicamentos e equipamento médico, matérias-primas críticas, para que
a produção industrial e o equipamento estratégico continuem, e de equipamento
energético. E Bruxelas apresentou propostas para aumentar a constituição de
reservas de medicamentos críticos e de minerais essenciais, uma competência dos
estados-membros.
A estratégia de preparação tem por
objetivo “reunir tudo isto e identificar a forma como as reservas interagem,
quais são as experiências comuns que podemos aprender uns com os outros”, disse
outro alto responsável da UE, também sob anonimato. Isto pode implicar o
desenvolvimento de mais reservas, a nível da UE, para a proteção civil, a
juntar às reservas existentes do mecanismo RescEU (Mecanismo de Proteção Civil
da UE). “Algumas delas podem ser a nível nacional, outras virtuais, basicamente
acordos com o setor privado, e outras físicas. É uma discussão que temos de
ter: qual é a melhor configuração possível para garantir o objetivo final da
continuação destas funções vitais da sociedade em todas as circunstâncias”,
sustentou o mesmo responsável.
É também identificada como prioridade
fundamental a melhoria da cooperação entre as autoridades civis e militares, em
caso de crise. A Comissão, que vai estabelecer um quadro de preparação
civil-militar com funções e responsabilidades claras, apelou à realização de
exercícios regulares, para testar as melhores práticas. Com efeito, há muitos
exemplos, na vida real, do tipo de ameaça para a qual temos de estar preparados.
A identificação dos papéis das autoridades
civis e militares é processo já começado, pelo menos, desde os atos de
sabotagem no Mar Báltico. Agora, está a ser analisada a forma como estamos a
reagir, onde estão os ângulos mortos, onde poderíamos ser mais eficientes e mais
rápidos e o que mais poderíamos fazer. Todo este trabalho será apoiado pelo
novo centro de coordenação de crises da UE e por avaliações de riscos e de ameaças,
devendo a primeira ser publicada no final de 2026.
Questionado sobre o motivo pelo qual
o executivo da UE precisa de mais de um ano para produzir o documento, um dos
responsáveis respondeu que o processo é complexo, com muitas contribuições dos
estados-membros e com análises setoriais publicadas em diferentes calendários.
Para analisar tudo e para produzir um documento digerível
e com valor acrescentado, é necessário tempo, de modo que nada seja esquecido,
nem faltem elementos de análise e de informação.
Entretanto, a Comissão emitirá alertas rápidos e
criará, neste ano, um painel de crise, a fim de os estados-membros estarem
atualizados sobre os riscos e de recolherem dados para se prepararem.
***
Aquando
do 5.º aniversário do início da pandemia – a Organização Mundial de Saúde (OMS)
declarou-a a 11 de março de 2020 – a Comissão Europeia propôs regras para
reforçar a segurança do abastecimento e a disponibilidade de medicamentos
essenciais, dando prioridade aos fornecedores baseados na UE nos contratos
públicos. E incluiu o novo mecanismo “Comprar Europeu” na proposta de Lei dos
Medicamentos Críticos, peça fundamental da legislação, em matéria de Saúde,
para esta legislatura. A proposta chegou a tempo de cumprir o prazo de 100 dias
que o Comissário da Saúde, Olivér Várhelyi impusera a si próprio.
Este calendário acelerado suscitou
controvérsia, devido à falta de avaliação de impacto exaustiva e à limitada
reação das partes interessadas, mas a Comissão afirmou que a proposta era
urgente, face à escassez de medicamentos. Está em causa garantir cadeias de
abastecimento estáveis e fiáveis na UE, assegurando elevado nível de proteção e
de segurança da saúde pública. “A Lei dos Medicamentos Críticos garante que os
doentes da UE têm acesso aos medicamentos de que necessitam, quando e onde
precisam, a preço acessível. No atual contexto geopolítico, esta é uma
prioridade ainda maior”, afirmou Olivér Várhelyi.
A proposta estabelece a segurança do
abastecimento e a disponibilidade de medicamentos essenciais como um dos objetivos
estratégicos da UE, para o que é necessária uma abordagem coordenada a nível
nacional e europeu. E visa, sobretudo, os medicamentos críticos incluídos na
lista da UE elaborada pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), em 2023,
centrando-se nos medicamentos utilizados para tratar doenças graves ou com
alternativas limitadas, para combater a grave escassez de medicamentos na UE,
em especial, de medicamentos essenciais como os antibióticos, a insulina e os
analgésicos. Muitos deles tornaram-se difíceis de obter, devido à dependência
de um limitado número de fabricantes ou de países.
A Comissão reconhece a forte
dependência da UE, em relação aos fornecedores estrangeiros de princípios ativos
farmacêuticos (API) e os riscos colocados pelas perturbações nas exportações. A
pandemia de covid-19 expôs estas vulnerabilidades, mostrando a necessidade de
uma cadeia de abastecimento mais resiliente, pois, embora as empresas
farmacêuticas sejam responsáveis por garantir suficiente abastecimento de
medicamentos, cada estado-membro supervisiona a distribuição nos seus
territórios, ou seja, a maior parte das situações de escassez é, atualmente,
gerida a nível nacional. A proposta tem por objetivo aumentar o investimento no
fabrico de medicamentos essenciais e de ingredientes essenciais na UE,
reduzindo a dependência externa. Uma medida fundamental é o “Comprar Europeu”,
que introduz critérios de adjudicação de contratos públicos que priorizam a segurança
do abastecimento, em relação ao preço.
Identificada vulnerabilidade nas cadeias
de abastecimento e dependência de um só país terceiro, as entidades adjudicantes
da UE aplicarão, quando se justifique, requisitos de adjudicação que favoreçam
os fabricantes de parte significativa dos medicamentos críticos na UE. Tais
medidas serão aplicadas em conformidade com os compromissos internacionais da
União, sendo o objetivo aumentar a sua capacidade de produção e diversificar as
cadeias de abastecimento para as tornar mais resistentes, aproveitando, ao
mesmo tempo, a procura.
Surge, como novidade, a categoria de
medicamentos que está a ser objeto de análise aprofundada: os medicamentos de
interesse comum, incluindo os pouco disponíveis e pouco acessíveis em, pelo
menos, três estados-membros, como os utilizados no tratamento de doenças raras.
Para estes medicamentos, a Comissão
propõe mecanismos de aquisição coordenados, a fim de evitar desigualdades e
lacunas na oferta. Isto pode ser visto como a tentativa de pôr em prática a esperada
aquisição conjunta de medicamentos, a nível da UE, com o envolvimento da
Comissão Europeia no apoio aos estados-membros na utilização de diferentes
instrumentos de aquisição em colaboração para medicamentos críticos e outros
medicamentos de interesse comum. Além disso, a proposta introduz o conceito de
projetos estratégicos, destinados a reforçar a capacidade da UE de fabricar e de
desenvolver medicamentos essenciais. Estes projetos, localizados na UE,
beneficiarão de incentivos, como a aceleração do processo de licenciamento, a
simplificação das avaliações ambientais, o apoio administrativo e científico e
o financiamento da UE.
Tilly Metz, eurodeputada
luxemburguesa (Verdes/Aliança Livre Europeia), defendeu a necessidade de
iniciativas mais ambiciosas para a relocalização da produção de medicamentos na
Europa, pois “a aquisição conjunta e a simples aceleração dos processos não são
suficientes”.
Por seu turno, o eurodeputado romeno Vlad Voiculescu (Aliança
dos Democratas e Liberais pela Europa) saudou a proposta, como “passo positivo”
para maior acesso, a medicamentos a preços acessíveis, esperando que seja
apoiada por fundos, por orçamentos e por legislação nacional, o mais
rapidamente possível.
Mantêm-se, de facto, as preocupações com
o financiamento. Alguns receiam que o orçamento indicativo de 83 milhões de
euros para 2026-2027, principalmente através do programa EU4Health, seja
insuficiente. Assim, antes da apresentação da proposta, 11 ministros da Saúde
da UE defenderam o alargamento do âmbito do próximo regime de financiamento da
Defesa da UE, para incluir medicamentos críticos. E o ministro da Saúde belga,
Frank Vandenbroucke, um dos signatários, instou a Comissão a integrar o Ato no
quadro de segurança e defesa da Europa. “A segurança dos medicamentos é tão importante
como a segurança da Defesa ou da Energia. A nossa segurança coletiva depende
dela”, sublinhou.
***
A covid-19 apanhou a UE e o Mundo desprevenidos, com consequências sem precedentes, só ultrapassadas graças à resiliência dos profissionais de saúde, ao trabalho dos investigadores e da indústria farmacêutica e a uma ação coletiva, ao nível da UE e com parceiros mundiais.
Foi criada a União Europeia da Saúde para reforçar a preparação contra pandemias. A UE investiu em soluções a longo prazo, tendo a Comissão Europeia, a EMA e o ECDC (Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças) reforçado a sua capacidade de detetar e de responder, rapidamente, às ameaças para a saúde.
A Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA) garante o acesso a medicamentos e a equipamentos essenciais, em contexto de crise, e “promove a colaboração com parceiros mundiais, para desenvolver vacinas, medicamentos e diagnósticos”, tal como “apoia a inovação e facilita a aquisição de contramedidas médicas ao nível da UE. E a sua rede de locais de produção reforça a capacidade da UE em situações de emergência. Assim, priorizando a segurança sanitária mundial, reforçando a vigilância e a preparação e apoiando a produção regional de vacinas, a UE lidera as respostas de emergência, a nível mundial, ajudando nos esforços contra surtos, como a Mpox, o Ébola e o Marburg.
Houve progressos significativos e estamos muito mais bem preparados para enfrentar uma nova crise. Porém, há muito a fazer, para estarmos preparados para enfrentar a próxima crise sanitária. Ainda faltam vacinas, tratamentos e diagnósticos para muitos agentes patogénicos de alto risco. A gripe aviária continua a ser preocupação, devido ao aumento das transmissões a seres humanos. As alterações climáticas impulsionam o aumento de doenças transmitidas por vetores, como a dengue e o vírus do Nilo Ocidental na Europa, o que exige ação rápida, em matéria de tratamentos. E a resistência antimicrobiana está a agravar-se, causando 35 mil mortes, por ano, na UE.
Os problemas da cadeia de abastecimento e a fragmentação dos esforços continuam a limitar a disponibilidade de material médico. Os riscos decorrentes de conflitos armados ou de incidentes QBRN (Químicos, Biológicos, Radiológicos e Nucleares) mostram a necessidade de maior cooperação entre os setores civil e militar, bem como de reforçar os sistemas de saúde.
A nível mundial, a OMS e outras organizações têm menos recursos e capacidade para monitorizar e para responder a emergências de saúde, o que aumentará os riscos e criará mais incerteza.
Desde a covid-19, o Acordo de Aquisição Conjunta (das vacinas) tornou-se modelo para outros setores, como a Defesa e a Energia, já que permite a aquisição conjunta de contramedidas médicas por 37 países participantes. Garante acesso equitativo, sobretudo, para mercados mais pequenos, e reforça a preparação.
Depois, a Estratégia da União para a Preparação, a adotar em março, estabelece a abordagem global da preparação para as crises; a Estratégia de Contramedidas Médicas, prevista para junho, reforça o desenvolvimento de vacinas e de terapêuticas, reforçando a segurança e a competitividade da UE em setores estratégicos, como a Biotecnologia; a Estratégia da UE de Constituição de Reservas assegura a disponibilidade imediata de fornecimentos essenciais; e a Lei dos Medicamentos Críticos aborda as vulnerabilidades da cadeia de abastecimento, priorizando a produção diversificada, para reforçar a resiliência.
***
Enfim, uma UE
mais bem preparada evitará a avalanche de casos nas urgências hospitalares e o
número quase infindo de mortes? Não se terão abandonado instrumentos que foram necessários
para conter a pandemia, como os equipamentos de proteção em serviços abertos ao
público?
2025.03.26 – Louro de Carvalho
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