A 11 de março, 50 anos depois de uma tentativa de golpe no período
revolucionário e um ano e um dia depois de a Aliança Democrática (AD) – do
Partido Social Democrata (PSD), do partido do Centro Democrático Social (CDS) e
do Partido Popular Monárquico (PPM) – ter vencido as eleições legislativas
antecipadas por muito curta margem, Luís Montenegro, líder do PSD da AD, e
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista (PS), começaram a
jogar o seu futuro político. Daqui a dois meses, saber-se-á qual deles colherá
o melhor resultado (ou o pior), tendo já começado a guerra de narrativas, que atravessará
a campanha eleitoral que se avizinha.
Entrado na Assembleia da República (AR), pela terceira vez, em 19 dias, para defender a suposta continuidade do governo, desta vez, com a apresentação da prometida moção de confiança, depois de rejeitadas duas moções de censura, o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, começou o discurso de abertura com a pergunta: “Há ou não confiança institucional no governo?” E, logo a seguir, atirou: “A votação de hoje definirá o rumo político do país. A posição do PS, o maior partido da oposição, é decisiva e definirá se vamos ter ou não eleições.”
Apresentando a Alemanha como exemplo em que “socialistas aceitam um governo democrático para fazer frente à extrema-direita” e lembrando o trabalho do governo num ano, o PM, dizendo “não temer o esclarecimento nem o escrutínio”, frisou que garantiu a “estabilidade política” e promoveu a “estabilidade social”. Depois, mostrou-se disponível para retirar a moção, caso o PS indicasse o que pretendia saber sobre a sua empresa familiar, a Spinumviva, e acusou os socialistas de terem um comportamento “que não é digno” da história do partido e confessou estar chocado com o maior partido de oposição, que acusou de “não olhar a meios, para promover o desgaste lento, à procura de tirar proveitos políticos”, e de usar, agora, “as mesmas táticas que as políticas” do Chega.
Sobre o Chega, afirmou que andou de “mãos dadas” com o PS, ficando, neste dia, para a História, por se unir à esquerda, para deitar abaixo um governo de centro-direita.
Tudo isto significa o “passa-culpas” à oposição da parte do governo.
Pedro Nuno Santos tomou a palavra já com mais de uma hora de
debate decorrido, a lançar dúvidas sobre a situação do PM e a desafiá-lo a
aceitar a comissão de inquérito parlamentar (CPI) e a retirar a moção de
confiança, ao que Luís Montenegro respondeu, dizendo conceder-lhe uma
“última oportunidade” para definir o método, enviar as perguntas que ainda
queria fazer porque, na ótica do PM, a verdadeira intenção do PS está “por
trás” do requerimento da CPI.
Apesar disso, o ambiente nos corredores era de “suspense”. Iria o chefe do governo retirar a moção de confiança, para permitir o escrutínio a que dizia estar disposto?
Do meu ponto de vista, a sugestão foi inadequada. A existir negociação, seria entre os líderes parlamentares dos dois partidos, pois, iniciado o debate na AR, a negociação cabe aos partidos.
Em reação, o líder do PS recusou o encontro à porta fechada e indicou que os esclarecimentos do PM não devem ser dados a si, mas ao país, em público e através de uma CPI.
Hugo Soares, em nome do PSD (de que é secretário-geral e líder do grupo parlamentar) e de “uma solução pela estabilidade”, estendeu o encontro aos restantes líderes parlamentares, mas não os convenceu. Com efeito, a proposta foi rejeitada pelo PS, pelo Chega, pelo Bloco de Esquerda (BE) e pelo Partido Comunista Português (PCP), com abstenção do Livre e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e com votos a favor do PSD, da Iniciativa Liberal (IL) e do CDS.
Começava aqui a guerra regimental, com André Ventura a resumir esta tentativa do governo: “É um ato de teatro desesperado.”
A resposta da oposição foi em uníssono (menos a da IL, que esteve praticamente desaparecida do debate e terminou a votar a favor, como anunciado).
Antes da votação e após os pedidos de esclarecimento ao discurso do chefe do governo, o PS frisou que o pedido do PSD “não é sério”. “Não há solução mais clara do que uma CPI, com regras conhecidas, não arbitrárias”, para resolver a situação, apontou o socialista Pedro Delgado Alves, declarando que “os Portugueses não se sentem esclarecidos e também não querem eleições” e que a única forma de corresponder a estas expectativas era a retirada da moção e a garantia de que a AR “pode fazer o seu trabalho”.
Já André Ventura, do Chega defendeu que a suspensão só podia ser pedida antes da votação final, não durante o debate.
Depois de anunciada a rejeição do seu requerimento, Hugo Soares, deixou a sala e, em declarações aos jornalistas, fora do hemiciclo, deixou novas críticas ao PS, comentando: “Fica demonstrado ao país o que está em causa. O primeiro-ministro foi claro durante o debate: digam o que quero saber e eu mostro. Vai ao limite para esclarecer. Alguém viu alguma pergunta?”
Hugo Soares defendeu que está “um governo a fazer de tudo para que não haja eleições”, enquanto “há um partido que só quer lançar lama”.
Nos corredores, uma deputada comparava o que se a passava no plenário com uma “assembleia geral do Sporting, no tempo de Bruno de Carvalho”. “Não está a ser bonito”, dizia outro deputado agastado com o tom do debate. Nos corredores da AR, o frenesim não parava. As televisões instaladas nas escadarias de acesso ao plenário e nos corredores chegaram a apontar as câmaras, quando o PM saiu do hemiciclo. Os passos e as jogadas políticas eram seguidos ao milímetro.
Em resposta, Alexandra Leitão, líder parlamentar socialista, apontou ao governo que “uma CPI de 15 dias não é uma CPI”. “O prazo mais curto é o de 90 dias” definido pelo PS, sublinhou, vincando que “não é o escrutinado que define os termos”, pelo que, “se querem verdadeiramente ser transparentes, se aceitam os termos da CPI, tirem a moção de confiança”.
Com a declaração, concluiu o líder parlamentar do PSD, o PS decidiu que “quer eleições”. “Propusemos tudo, o PS mostrou ao país ao que vem. Querem eleições e só pensa no interesse do seu secretário-geral”, atirou. Porém, do lado do PS, Pedro Delgado Alves acusou o governo de usar a moção de confiança para “condicionar a CPI e a forma como faz as perguntas”.
Já o ministro Pedro Duarte concluiu que foi feita uma “proposta construtiva” para o “escrutínio total e absoluto”, indicando que a máscara do PS “está a cair, de forma estrondosa”. “O PS quer arrastar, no tempo, o clima de suspeição, porque pode ter ganhos partidários e isso é uma diferença gigante entre nós. Quer degradar o país para ganhar algo em eleições, o governo quer proteger os portugueses”, criticou, acusando o PS de “intransigência, radicalismo, arrogância e extremismo”.
Naquele momento, já nenhum dos intervenientes dispunha de tempo regimental para falar, mas também não o quiseram. Pedro Duarte fizera sinal ao líder do PS, para que atendesse o telefone interno no plenário, o qual lhe fez sinal de que não. A sua resposta era a de que não se estava a debater a CPI, mas a moção de confiança, logo, não havia negociação a fazer. O governo mandou mão, a todo o tempo que conseguia recolher, e até o Chega lhe deu dez segundos – provocando o riso da líder parlamentar da IL, Mariana Leitão – para que Hugo Soares insistisse mais na ideia.
Pedro Duarte ligara a Paulo Núncio. O conteúdo da conversa percebia-se minutos depois. O CDS, que apenas serviria apenas para isso, pedia a suspensão dos trabalhos, de forma potestativa, por uma hora. Pararam os trabalhos. E já Luís Montenegro estava a meio dos Passos Perdidos, ladeado por Margarida Balseiro Lopes e Ana Paula Martins, quando Nuno Melo acabava de subir a escadaria que o levava à porta de entrada. A micropausa evitou que aparecesse nas fotografias que ficam para a História como testemunho do momento em que o governo caiu.
Com efeito,
após o anúncio do intervalo, Montenegro saíra do hemiciclo, rapidamente, sorrindo,
enquanto Pedro Nuno Santos ficava ao telefone, durante vários
minutos, no hemiciclo, com o núcleo duro do PS: Alexandra Leitão, Marina
Gonçalves e Pedro Delgado Alves.
Durante o intervalo, o governo apresentou uma derradeira proposta ao PS, alargando o prazo da CPI ao caso do PM, até fins de maio. No entanto, o PS não deu resposta.
Fora o CDS, pela voz de Paulo Núncio, líder parlamentar, a pedir que a sessão na AR fosse, obrigatoriamente suspensa por uma hora, antes da votação. Sem explicar os argumentos e sem estarem em reflexão conjunta, Nuno Melo não esteve na sala onde os ministros e o PM estiveram reunidos durante a pausa, foi para o gabinete do CDS e de lá saiu quando a campainha tocou para a votação. Entrou sozinho no plenário e sentou-se ainda de o resto do governo acompanhar Montenegro para ver a queda do governo com os votos da esquerda, do PAN e do Chega.
Antes da votação, falou Pedro Duarte, indicando que o PS estava apostado em “mergulhar o país numa crise política” e que o governo “fez tudo o que podia”. Informava que a proposta feita ao PS alargava o prazo de uma CPI até ao final de maio, mas que receber uma “recusa liminar”, sem recuar “um milímetro na sua posição”. Porém, a resposta foi de que não aceitava negociar, dizendo Pedro Nuno Santos que o governo tentou “mercadejar” o fim do inquérito parlamentar.
Com votos contra do PS, do Chega, do BE, do PCP, do Livre e do PAN, a moção de confiança foi rejeitada. A favor da moção votaram os deputados do PSD, da IL e do CDS. A votação foi assinalada por um silêncio ensurdecedor sobre o hemiciclo.
“Tudo, mas tudo foi feito para tentarmos conciliar a visão que o PS tem no que toca à CPI para aprofundar os esclarecimentos sobre a minha situação profissional e o PS manteve-se intransigente na sua proposta de uma CPI prolongada no tempo, com isso, querendo a degradação política e que um impasse gerado pudesse ser o mais longo possível”, afirmou o chefe do governo, lamentando nunca ter obtido resposta do PS e acusando-o de querer o prolongamento do d impasse, da dúvida e da suspeição, para aproveitar ir a eleições.
“Quem sai fragilizado é o país, lamento profundamente que assim seja. Um governo que não tem maioria, que depende da legitimação do Parlamento para executar o seu programa, quando está posta em causa, tem de ter coragem e humildade de pedir isso ao Parlamento”, atirou.
Pedro Nuno Santos falou minutos depois e disse que “não se goza com os portugueses”, referindo que a atitude do governo foi “vergonhosa”, tentando condicionar a CPI sobre o caso da empresa familiar do PM. “Lamento muito o que aconteceu hoje. Pesando as palavras, o que aconteceu hoje no Parlamento foi uma vergonha”, indicou o socialista, que descreveu as tentativas de negociação do governo como “indecorosas” e como “truques”.
No fim da noite, o líder do PS saía descontraído de uma entrevista de 50 minutos, na TVI.
De ambos os lados, apostam que ganharão a guerra das narrativas. A campanha está no ar.
Todavia, parece-me que, se o PS tivesse optado, à última hora, pela abstenção e, daqui a uns dias, insistisse na CPI, o PM apresentaria, já não a moção de confiança, mas o pedido de demissão. O governo cairia e as eleições estavam no horizonte. Só esperaríamos mais uns dias, para o governo reforçar a propaganda, eventualmente, com mais uma trintena de medidas.
Infelizmente, a política está seguir este rumo: governa-se para amanhã.
Entrado na Assembleia da República (AR), pela terceira vez, em 19 dias, para defender a suposta continuidade do governo, desta vez, com a apresentação da prometida moção de confiança, depois de rejeitadas duas moções de censura, o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, começou o discurso de abertura com a pergunta: “Há ou não confiança institucional no governo?” E, logo a seguir, atirou: “A votação de hoje definirá o rumo político do país. A posição do PS, o maior partido da oposição, é decisiva e definirá se vamos ter ou não eleições.”
***
Cedo o chefe do governo se mostrou disponível para mais
esclarecimentos e até sugeriu a suspensão do debate para o secretário-geral do
PS dizer quais as dúvidas que ainda tem. Vários telefonemas de Hugo Soares houve
para Pedro Nuno Santos, para Alexandra Leitão, para José Pedro Aguiar-Branco,
mas, em nenhum deles, surgiu a proposta que acabaria por ser a final. Ainda não
eram quatro da tarde e da bancada do PS ouviam-se ruidosos “não”, quando o PM dizia
que era preciso saber se o governo tinha condições para governar. Durante
a primeira hora de debate, não se ouviu um socialista a falar. E o líder do
partido Chega, André Ventura teve dificuldades em fazer-se ouvir:
manifestamente rouco, esteve muito contido.Apresentando a Alemanha como exemplo em que “socialistas aceitam um governo democrático para fazer frente à extrema-direita” e lembrando o trabalho do governo num ano, o PM, dizendo “não temer o esclarecimento nem o escrutínio”, frisou que garantiu a “estabilidade política” e promoveu a “estabilidade social”. Depois, mostrou-se disponível para retirar a moção, caso o PS indicasse o que pretendia saber sobre a sua empresa familiar, a Spinumviva, e acusou os socialistas de terem um comportamento “que não é digno” da história do partido e confessou estar chocado com o maior partido de oposição, que acusou de “não olhar a meios, para promover o desgaste lento, à procura de tirar proveitos políticos”, e de usar, agora, “as mesmas táticas que as políticas” do Chega.
Sobre o Chega, afirmou que andou de “mãos dadas” com o PS, ficando, neste dia, para a História, por se unir à esquerda, para deitar abaixo um governo de centro-direita.
Tudo isto significa o “passa-culpas” à oposição da parte do governo.
Apesar disso, o ambiente nos corredores era de “suspense”. Iria o chefe do governo retirar a moção de confiança, para permitir o escrutínio a que dizia estar disposto?
***
Já a meio a
discussão da moção de confiança, o PSD lançou a cartada da sugestão
de se suspender o debate, durante 30 minutos, para Luís Montenegro e Pedro
Nuno Santos se reunirem à porta fechada e poderem evitar a queda do governo.Do meu ponto de vista, a sugestão foi inadequada. A existir negociação, seria entre os líderes parlamentares dos dois partidos, pois, iniciado o debate na AR, a negociação cabe aos partidos.
Em reação, o líder do PS recusou o encontro à porta fechada e indicou que os esclarecimentos do PM não devem ser dados a si, mas ao país, em público e através de uma CPI.
Hugo Soares, em nome do PSD (de que é secretário-geral e líder do grupo parlamentar) e de “uma solução pela estabilidade”, estendeu o encontro aos restantes líderes parlamentares, mas não os convenceu. Com efeito, a proposta foi rejeitada pelo PS, pelo Chega, pelo Bloco de Esquerda (BE) e pelo Partido Comunista Português (PCP), com abstenção do Livre e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e com votos a favor do PSD, da Iniciativa Liberal (IL) e do CDS.
Começava aqui a guerra regimental, com André Ventura a resumir esta tentativa do governo: “É um ato de teatro desesperado.”
A resposta da oposição foi em uníssono (menos a da IL, que esteve praticamente desaparecida do debate e terminou a votar a favor, como anunciado).
Antes da votação e após os pedidos de esclarecimento ao discurso do chefe do governo, o PS frisou que o pedido do PSD “não é sério”. “Não há solução mais clara do que uma CPI, com regras conhecidas, não arbitrárias”, para resolver a situação, apontou o socialista Pedro Delgado Alves, declarando que “os Portugueses não se sentem esclarecidos e também não querem eleições” e que a única forma de corresponder a estas expectativas era a retirada da moção e a garantia de que a AR “pode fazer o seu trabalho”.
Já André Ventura, do Chega defendeu que a suspensão só podia ser pedida antes da votação final, não durante o debate.
Depois de anunciada a rejeição do seu requerimento, Hugo Soares, deixou a sala e, em declarações aos jornalistas, fora do hemiciclo, deixou novas críticas ao PS, comentando: “Fica demonstrado ao país o que está em causa. O primeiro-ministro foi claro durante o debate: digam o que quero saber e eu mostro. Vai ao limite para esclarecer. Alguém viu alguma pergunta?”
Hugo Soares defendeu que está “um governo a fazer de tudo para que não haja eleições”, enquanto “há um partido que só quer lançar lama”.
Nos corredores, uma deputada comparava o que se a passava no plenário com uma “assembleia geral do Sporting, no tempo de Bruno de Carvalho”. “Não está a ser bonito”, dizia outro deputado agastado com o tom do debate. Nos corredores da AR, o frenesim não parava. As televisões instaladas nas escadarias de acesso ao plenário e nos corredores chegaram a apontar as câmaras, quando o PM saiu do hemiciclo. Os passos e as jogadas políticas eram seguidos ao milímetro.
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No final do
debate, da parte dos deputados, e quando era a vez de o governo falar, este apelou
a uma nova solução, para evitar a moção de confiança: uma CPI, com resultados
em 15 dias. A proposta foi avançada pelo ministro dos Assuntos Parlamentares,
Pedro Duarte, garantindo que o governo retiraria a moção de confiança, se o PS aprovasse tal CPI. “O país está
intrigado com a sua intervenção, todos queremos perceber se isso significa que
aceita a proposta. É muito importante que se perceba. Se for negativa, é
esclarecedor do que se tem passado, nos últimos 15 dias, no país. Se aceitar, o
governo retirará a moção de confiança”, disse o governante.Em resposta, Alexandra Leitão, líder parlamentar socialista, apontou ao governo que “uma CPI de 15 dias não é uma CPI”. “O prazo mais curto é o de 90 dias” definido pelo PS, sublinhou, vincando que “não é o escrutinado que define os termos”, pelo que, “se querem verdadeiramente ser transparentes, se aceitam os termos da CPI, tirem a moção de confiança”.
Com a declaração, concluiu o líder parlamentar do PSD, o PS decidiu que “quer eleições”. “Propusemos tudo, o PS mostrou ao país ao que vem. Querem eleições e só pensa no interesse do seu secretário-geral”, atirou. Porém, do lado do PS, Pedro Delgado Alves acusou o governo de usar a moção de confiança para “condicionar a CPI e a forma como faz as perguntas”.
Já o ministro Pedro Duarte concluiu que foi feita uma “proposta construtiva” para o “escrutínio total e absoluto”, indicando que a máscara do PS “está a cair, de forma estrondosa”. “O PS quer arrastar, no tempo, o clima de suspeição, porque pode ter ganhos partidários e isso é uma diferença gigante entre nós. Quer degradar o país para ganhar algo em eleições, o governo quer proteger os portugueses”, criticou, acusando o PS de “intransigência, radicalismo, arrogância e extremismo”.
Naquele momento, já nenhum dos intervenientes dispunha de tempo regimental para falar, mas também não o quiseram. Pedro Duarte fizera sinal ao líder do PS, para que atendesse o telefone interno no plenário, o qual lhe fez sinal de que não. A sua resposta era a de que não se estava a debater a CPI, mas a moção de confiança, logo, não havia negociação a fazer. O governo mandou mão, a todo o tempo que conseguia recolher, e até o Chega lhe deu dez segundos – provocando o riso da líder parlamentar da IL, Mariana Leitão – para que Hugo Soares insistisse mais na ideia.
***
O debate já
ia com mais de três horas e meia, parecendo
encaminhar-se para o fim, quando Paulo
Núncio, do CDS, pediu um intervalo de uma hora, após o fim do debate e antes da
votação da moção de confiança, permitindo novas intenções de negociações com o
PS.Pedro Duarte ligara a Paulo Núncio. O conteúdo da conversa percebia-se minutos depois. O CDS, que apenas serviria apenas para isso, pedia a suspensão dos trabalhos, de forma potestativa, por uma hora. Pararam os trabalhos. E já Luís Montenegro estava a meio dos Passos Perdidos, ladeado por Margarida Balseiro Lopes e Ana Paula Martins, quando Nuno Melo acabava de subir a escadaria que o levava à porta de entrada. A micropausa evitou que aparecesse nas fotografias que ficam para a História como testemunho do momento em que o governo caiu.
Durante o intervalo, o governo apresentou uma derradeira proposta ao PS, alargando o prazo da CPI ao caso do PM, até fins de maio. No entanto, o PS não deu resposta.
Fora o CDS, pela voz de Paulo Núncio, líder parlamentar, a pedir que a sessão na AR fosse, obrigatoriamente suspensa por uma hora, antes da votação. Sem explicar os argumentos e sem estarem em reflexão conjunta, Nuno Melo não esteve na sala onde os ministros e o PM estiveram reunidos durante a pausa, foi para o gabinete do CDS e de lá saiu quando a campainha tocou para a votação. Entrou sozinho no plenário e sentou-se ainda de o resto do governo acompanhar Montenegro para ver a queda do governo com os votos da esquerda, do PAN e do Chega.
Antes da votação, falou Pedro Duarte, indicando que o PS estava apostado em “mergulhar o país numa crise política” e que o governo “fez tudo o que podia”. Informava que a proposta feita ao PS alargava o prazo de uma CPI até ao final de maio, mas que receber uma “recusa liminar”, sem recuar “um milímetro na sua posição”. Porém, a resposta foi de que não aceitava negociar, dizendo Pedro Nuno Santos que o governo tentou “mercadejar” o fim do inquérito parlamentar.
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Retomados os
trabalhos, às 19h40, depois da informação prestada pelo ministro dos Assuntos
Parlamentares, Pedro Duarte, procedeu-se à votação.Com votos contra do PS, do Chega, do BE, do PCP, do Livre e do PAN, a moção de confiança foi rejeitada. A favor da moção votaram os deputados do PSD, da IL e do CDS. A votação foi assinalada por um silêncio ensurdecedor sobre o hemiciclo.
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À saída da
AR, sorridente, o PM declarou: “As
coisas são o que são. Tentámos tudo.” Mas, depois de curtas declarações
de Hugo Soares – a acusar o PS de “derrubar o governo” e ser “mais Chega do que
o Chega” –, Luís Montenegro decidiu falar em horário nobre televisivo,
às 20 horas.“Tudo, mas tudo foi feito para tentarmos conciliar a visão que o PS tem no que toca à CPI para aprofundar os esclarecimentos sobre a minha situação profissional e o PS manteve-se intransigente na sua proposta de uma CPI prolongada no tempo, com isso, querendo a degradação política e que um impasse gerado pudesse ser o mais longo possível”, afirmou o chefe do governo, lamentando nunca ter obtido resposta do PS e acusando-o de querer o prolongamento do d impasse, da dúvida e da suspeição, para aproveitar ir a eleições.
“Quem sai fragilizado é o país, lamento profundamente que assim seja. Um governo que não tem maioria, que depende da legitimação do Parlamento para executar o seu programa, quando está posta em causa, tem de ter coragem e humildade de pedir isso ao Parlamento”, atirou.
Pedro Nuno Santos falou minutos depois e disse que “não se goza com os portugueses”, referindo que a atitude do governo foi “vergonhosa”, tentando condicionar a CPI sobre o caso da empresa familiar do PM. “Lamento muito o que aconteceu hoje. Pesando as palavras, o que aconteceu hoje no Parlamento foi uma vergonha”, indicou o socialista, que descreveu as tentativas de negociação do governo como “indecorosas” e como “truques”.
No fim da noite, o líder do PS saía descontraído de uma entrevista de 50 minutos, na TVI.
De ambos os lados, apostam que ganharão a guerra das narrativas. A campanha está no ar.
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Independentemente de quem tenha mais razão política ou menos, vistas
as coisas objetivamente, o governo, com a moção de confiança, desafiou a oposição
e, em especial, o PS, alijando a responsabilidade da crise, que é unicamente do
PM, pela falta de completa e atempada informação sobre os seus misteres empresariais.
Além disso, tudo leva a crer que a principal preocupação do PSD foi a fuga à
CPI de normal duração e que todos os partidos querem eleições, embora digam que
não. Talvez a única exceção seja o PS.Todavia, parece-me que, se o PS tivesse optado, à última hora, pela abstenção e, daqui a uns dias, insistisse na CPI, o PM apresentaria, já não a moção de confiança, mas o pedido de demissão. O governo cairia e as eleições estavam no horizonte. Só esperaríamos mais uns dias, para o governo reforçar a propaganda, eventualmente, com mais uma trintena de medidas.
Infelizmente, a política está seguir este rumo: governa-se para amanhã.
2025.03.11
– Louro de Carvalho
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