domingo, 16 de março de 2025

Nacionalização da banca e das seguradoras em março de 1975

 

A nacionalização da banca e das seguradoras é vista, por muitos, como retaliação esquerdista à tentativa de golpe palaciano de 11 de março de 1975, tendo até surgido indicações públicas de “luta de galões” militares em ditas “assembleias selvagens” de oficiais. Ora, muitas vezes, em política, o que parece é e isso acarreta graves consequências de perceção.

Não obstante, tanto o Decreto-Lei n.º 132-A/75, de 14 de março, que nacionaliza instituições de crédito, como o Decreto-Lei n.º 135-A/75, de 15 de março, que nacionaliza seguradoras, atualizam o cumprimento do programa do governo provisório, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 203/74, de 15 de maio, no atinente à política económica e financeira, na observância dos objetivos e dos critérios do programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), na sua versão genuína, ainda sem os retoques do general António Spínola.   

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As normas atinentes à política económica e financeira estão elencadas no n.º 4 do preâmbulo do programa do governo provisório, de que se destacam: o “combate à inflação”; a “revisão da orgânica e dos métodos de administração económica”; a “eliminação dos protecionismos, dos condicionalismos e dos favoritismos que restrinjam a igualdade de oportunidades e afetem o desenvolvimento económico do país”; a “criação de estímulos à poupança e ao investimento privado – interno e externo –, com salvaguarda do interesse nacional”; a “adoção de novas providências de intervenção do Estado nos setores básicos da vida económica”; a “gestão eficiente e coordenada das participações do Estado, orientada para a defesa efetiva do interesse público”; a “prossecução de uma política de ordenamento do território e de descentralização regional, em ordem à correção das desigualdades existentes”; o apoio e o “fomento de sociedades cooperativas”, bem como a “revisão dos circuitos de comercialização, de molde a libertá-los de intervenções e encargos não justificados”; “revisão da orgânica dos planos de fomento”; adoção de medidas excecionais para combater “a especulação e a fraude fiscal”; “reforma do sistema de crédito e da estrutura bancária, visando, em especial, as exigências do desenvolvimento económico acelerado”; “nacionalização dos bancos emissores”; dinamização da agricultura e reforma gradual da estrutura agrária; auxílio às pequenas e médias empresas; e “proteção das participações minoritárias no capital das sociedades”.

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No que aos bancos emissores diz respeito, é de recordar que o Banco de Angola foi nacionalizado pelo Conselho de Estado, através do Decreto-Lei n.º 450/74, de 13 de setembro; o Banco Nacional Ultramarino, através do Decreto-Lei n.º 451/74, de 13 de setembro; e o Banco de Portugal, através do Decreto-Lei n.º 452/74, de 13 de setembro. Tais diplomas entraram imediatamente em vigor e estabeleceram que as referidas nacionalizações produziam efeitos a partir de 15 de setembro.

Esses bancos passaram a ser empresas públicas, cujo capital era representado por ações de que o Estado era o único titular e continuavam a exercer todas as funções que lhe estavam cometidas por força de lei, de contratos com o Estado e dos seus estatutos. Na data em referência, “as ações representativas do capital social do Banco de Portugal que não estejam já na titularidade do Estado consideram-se transmitidas para este, para todos os efeitos legais, independentemente de quaisquer formalidades, livres de ónus ou encargos que sobre elas incidam”. Além disso, previa-se um regime de indemnizações nos termos legais.

Entretanto, o recém-criado Conselho da Revolução (CR) passou a deter os poderes do Conselho de Estado e da Junta de Salvação Nacional (extintos a seguir ao golpe de 11 de março), bem como em matéria de legislação militar, as competências até aí reservadas ao conselho de chefes de estado-maior.

Em relação à política económica, o CR considerou, a 14 de março de 1975, “a necessidade de concretizar uma política económica antimonopolista que sirva as classes trabalhadoras e as camadas mais desfavorecidas da população”; a situação do sistema bancário, na sua função privada, como “elemento ao serviço dos grandes grupos monopolistas, em detrimento da mobilização da poupança e da canalização do investimento em direção à satisfação das reais necessidades da população portuguesa e ao apoio às pequenas e médias empresas; a capacidade de a banca servir de “alavanca fundamental de comando da economia”, podendo “dinamizar a atividade económica, em especial, a criação de novos postos de trabalho; a evidência dos perigos, para os superiores interesses da Revolução, não sendo “tomadas medidas imediatas no campo do controlo efetivo do poder económico”; a necessidade de ter em conta “a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores da banca na fiscalização e o controlo do respetivo setor de atividade”; e a “necessidade de salvaguardar os interesses legítimos dos depositantes”.

Assim, pelo Decreto-Lei n.º 132-A/75, de 14 de março, que entrou imediatamente em vigor, o CR decretou a nacionalização de “todas as instituições de crédito com sede no continente e ilhas adjacentes, com exceção: a) do Crédit Franco-Portugais e dos departamentos portugueses do Bank of London & South America e do Banco do Brasil; b) das caixas económicas e das caixas de crédito agrícola mútuo, que serão objeto de legislação especial a publicar dentro de 90 dias.”

Mais estabeleceu que as condições de reembolso dos acionistas das instituições nacionalizadas e a sua orgânica de gestão e de fiscalização seriam “estabelecidas em legislação a publicar pelo governo, dentro de 90 dias”, e que o primeiro-ministro, ouvidos o ministro das Finanças e os sindicatos dos bancários, nomearia “uma comissão administrativa para cada uma das instituições nacionalizadas, composta por três a cinco elementos de reconhecida competência em problemas bancários”, para exercerem funções, “até à entrada em funcionamento dos órgãos de gestão” que viessem a ser constituídos nos termos previstos no diploma.

Por outro lado, as comissões administrativas teriam todos os poderes que, pela lei ou pelos respetivos estatutos, pertenciam aos conselhos de administração ou de gerência, com exceção: a) da faculdade de admissão, promoção, transferência, demissão ou alteração de remunerações ou quaisquer outras regalias dos trabalhadores; b) da capacidade para a prática de atos que não estivessem estritamente relacionados com as necessidades de gestão corrente das respetivas instituições de crédito.” A prática desses atos excecionados dependeria, em cada caso, de despacho de autorização do ministro das Finanças.

A responsabilidade perante terceiros decorrente dos atos de gestão praticados pelos membros das comissões administrativas seria, direta e exclusivamente, assumida pelo Estado, perante o qual tais membros responderiam pelos referidos atos. E as comissões administrativas elaborariam, após o termo do seu mandato, relatório circunstanciado sobre a sua atividade e prestarão contas da mesma, para apreciação pelo Ministério das Finanças.

Os membros dos conselhos de administração, de gerência ou fiscal, dissolvidos nos termos deste diploma, ficavam obrigados a prestar às comissões administrativas as informações e esclarecimentos que se tornassem “necessários para o normal exercício das suas funções, sob pena de incorrerem no crime de desobediência qualificada”.

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Em paralelo – e, muitas vezes, em conexão – com a banca, estão e funcionam as companhias seguradoras. Também, neste âmbito, o CR considerou, a 15 de março: “o elevado volume de poupança privada retido pelas sociedades de seguros e que tem sido aplicado não em benefício das classes trabalhadoras, mas com fins especulativos e em manifesto proveito dos grandes grupos económicos”; a proliferação de sociedades de seguros, constituídas, que têm conduzido a uma concorrência desleal, com perigo até para a própria solvabilidade dessas empresas”; “a necessidade de proporcionar maior segurança aos capitais confiados às sociedades de seguros através dos prémios arrecadados, garantindo, assim, o integral pagamento dos capitais seguros; a necessidade de aplicar as elevadas somas de capital em poder das sociedades de seguros “em investimentos com interesse nacional e, portanto, em benefício das camadas da população mais desfavorecidas”; “a necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores de seguros, na apreciação de situações irregulares no domínio da gestão que ocorreram em algumas companhias de seguros e que já haviam imposto até a intervenção do Estado; o interesse em “deixar inalteradas as relações com companhias de seguros estrangeiras, que detêm participações significativas no capital de companhias de seguros nacionais”; e “a necessidade de salvaguardar os interesses legítimos dos segurados”.

Por conseguinte, através do Decreto-Lei n.º 135-A/75, de 15 de março, que entrou imediatamente em vigor, o CR decretou a nacionalização de “todas as companhias de seguros com sede no continente e ilhas adjacentes, com exceção: a) das Companhias de Seguros Europeia, Metrópole, Portugal, Portugal Previdente, A Social, Sociedade Portuguesa de Seguros e O Trabalho, dada a significativa participação de companhias de seguros estrangeiras no seu capital; b) das agências das companhias de seguros estrangeiras autorizadas para o exercício da atividade de seguros em Portugal; c) das mútuas de seguros.”

As ações das companhias mencionadas na alínea b), em relação às quais não fosse demonstrado, por forma inequívoca, perante o Ministério das Finanças, dentro do prazo de 30 dias, a sua pertença a companhias de seguros estrangeiras, serão submetidas ao regime aplicado às ações das companhias de seguros nacionalizadas.

O Governo procederia dentro de 90 dias à revisão da legislação reguladora da atividade das companhias, agências e mútuas de seguros. Até à publicação dessa legislação, seriam nomeados pelo primeiro-ministro, ouvido o ministro das Finanças, delegados do governo para as companhias mencionadas na alínea a), com os poderes e funções definidos na lei em vigor, podendo um delegado do governo exercer funções, simultaneamente, em mais de uma companhia.

As condições de reembolso dos acionistas das companhias nacionalizadas e a orgânica de gestão e fiscalização dessas companhias seriam estabelecidas em legislação a publicar pelo governo dentro de 90 dias.

O primeiro-ministro, ouvidos o ministro das Finanças e os Sindicatos dos Profissionais de Seguros, nomearia comissões administrativas para as companhias nacionalizadas, compostas por três a cinco elementos de reconhecida competência em problemas de seguros. Poderia ser nomeada uma mesma comissão administrativa para superintender, simultaneamente, em mais de uma companhia de seguros. As comissões administrativas exerceriam funções até à entrada em funcionamento dos órgãos de gestão que viessem a ser constituídos nos termos do diploma.

Os vogais das comissões administrativas de companhias de seguros nacionalizadas que tivessem sido nomeados por portaria do ministro das Finanças manter-se-iam em funções.

As comissões administrativas teriam todos os poderes que, pela lei ou pelos estatutos das respetivas companhias, pertenciam aos conselhos de administração ou de gerência, com exceção: a) da faculdade de admissão, promoção, transferência, demissão ou alteração de remunerações ou quaisquer outras regalias dos trabalhadores; b) da capacidade para a prática de atos que não estivessem estritamente relacionados com as necessidades de gestão corrente das respetivas companhias de seguros. A prática desses atos excecionais dependeria, em cada caso, de despacho de autorização do Ministro das Finanças.

A responsabilidade perante terceiros, decorrente dos atos de gestão praticados pelos membros das comissões administrativas, seria, direta e exclusivamente, assumida pelo Estado, perante o qual tais membros responderiam pelos referidos atos.

As comissões administrativas elaborariam, após o termo do mandato, relatório circunstanciado sobre a sua atividade e prestariam contas da mesma para apreciação pelo Ministro das Finanças.

Os membros dos conselhos de administração, de gerência ou fiscal, dissolvidos nos termos deste diploma, ficavam obrigados a prestar às comissões administrativas as informações e esclarecimentos que se tornassem necessários para o normal exercício das suas funções, “sob pena de incorrerem no crime de desobediência qualificada”.

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Os dois decretos-leis, que estabelecem procedimentos análogos, como se viu, não esquecem a questão das remunerações. Assim, “as remunerações dos membros das comissões administrativas, a atribuir enquanto esses membros exercerem tais funções, serão fixadas por despacho do ministro das Finanças, observados os limites estabelecidos no Decreto-Lei n.º 446/74, de 13 de Setembro”. E constituíam encargo das respetivas instituições de crédito, no primeiro caso, e das respetivas companhias, no segundo.

É, ainda, de recordar que o CR se estriba, expressamente, quaisquer que tenham sido as circunstâncias da produção dos dois diplomas, se estriba no uso dos “poderes conferidos pelo artigo 6.º da Lei Constitucional n.º 5/75, de 14 de março. Também não se tratou de um mero voluntarismo político, mas de um processo consolidado pelo contrapoder sindical na banca e “com enorme sentido cívico pela guarda dos bens”, no dizer de Anselmo Dias.

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Não se deseja o regresso a 1975, com a nacionalização da banca e das seguradoras (agora, em vez da nacionalização, inventou-se a resolução: o Estado paga na mesma e o lucro fica para o resolvido). No entanto, é de referir que muitas das motivações de então se mantêm ou até se agudizaram, designadamente, a passagem, para último plano, dos trabalhadores e das classes mais desfavorecidas, a priorização do lucro e a concorrência desleal, bem como, se não a sabotagem, a colocação de capitais em paraísos fiscais, a fuga ao fisco, nas suas diversas modalidades, a corrupção, a lavagem de dinheiro e a economia subterrânea.

O domínio privado da banca e o do único banco público não serve os cidadãos, nem as famílias, nem as pequenas e médias empresas, nem o país, mas faz crescer as grandes fortunas de banqueiros, de gestores (alguns dos quais passaram por governos) e de grandes empresas.     

Nestas circunstâncias, é uma vergonha os Estados não usarem o seu poder regulador e de correção. É que a propaganda e a pregação não são suficientes.     

2025.03.16 – Louro de Carvalho

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