sábado, 8 de março de 2025

A Europa entrou oficialmente na sua “Era de Rearmamento”

 

A presidente da Comissão Europeia apresentou ambicioso plano para o reforço militar do continente e garantiu que a União Europeia (UE) estará pronta para agir.

A expressão “Era de Rearmamento”, proferida por Ursula von der Leyen, sintetiza a urgência e a escala do novo e grande plano europeu para a Defesa. Face a ameaças que, na sua ótica, “nem precisam de ser descritas”, a líder do executivo comunitário não hesitou: “A questão já não é se a segurança europeia está ameaçada ou não, ou se a Europa deve aumentar a sua responsabilidade com a sua própria segurança. Na verdade, há muito que sabemos as respostas para tais perguntas. A verdadeira questão que está diante de nós é se a Europa está preparada para atuar de forma decisiva, se a situação assim o exigir.”

A resposta, na sua ótica, foi dada pelos líderes europeus nos encontros das últimas semanas e, mais recentemente, em Londres: “Estamos numa Era do Rearmamento”. E, para que a transição seja eficaz, a Comissão Europeia, em consonância com o Reino Unido, desenhou um robusto plano, capaz de mobilizar perto de 800 mil milhões de euros, na próxima década. “A Europa está preparada para impulsionar, massivamente, a sua despesa com Defesa, tanto no curto prazo, para atuar e para ajudar a Ucrânia, como no longo prazo, aumentando a nossa responsabilidade com a segurança da própria Europa”, frisou Ursula von der Leyen.

O plano, denominado “ReArm Europe”, gravita em torno de cinco eixos e visa garantir aos estados-membros margem orçamental para reforçar as suas capacidades militares. O primeiro eixo é a libertação de fundos públicos para Defesa, a nível nacional. Os estados-membros estarão mais disponíveis para investir em Defesa, se tiverem espaço fiscal para tal, pelo que têm de ser habilitados para isso. Nesse sentido, a Comissão Europeia propõe a ativação da cláusula de derrogação nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). E o impacto será significativo, pois, se os estados-membros aumentarem as despesas com Defesa em 1,5% do seu produto interno bruto, isto implicará 650 mil milhões de euros, em quatro anos. 

O segundo eixo do plano envolve um instrumento de 150 mil milhões de euros em empréstimos, destinados ao financiamento de investimentos militares estratégicos. Segundo Ursula von der Leyen, algumas prioridades serão a aviação, a defesa antiaérea e antimíssil, a artilharia, as munições, os drones e os sistemas de guerra eletrónica, equipamentos com os quais, os estados-membros darão o próximo passo no apoio à Ucrânia e mobilizarão equipamento militar, de forma imediata, para Kiev. O seu argumento é: “Ao investirmos conjuntamente, reduziremos custos, reduziremos a fragmentação. Este é o momento da Europa e devemos viver de acordo com isso.” 

O terceiro eixo é o direcionamento de fundos comunitários para a Defesa, abrindo espaço à utilização de programas da política de coesão no setor. “Há muito que podemos fazer neste domínio no curto prazo, direcionando mais fundos para investimentos relacionados com Defesa”, reforça Ursula von der Leyen, vincando: “É por isso que vamos propor possibilidades adicionais e incentivos para os estados-membros – e serão eles a decidir se querem utilizar programas da política de coesão para aumentar as despesas com Defesa.”

Por fim, os dois últimos eixos ou pilares implicam a mobilização de capital privado para a Defesa, pela aceleração da União de Poupança e Investimento (UPI) e pela ativação do Banco Europeu de Investimento (BEI) para financiar projetos estratégicos. A meta é clara: “A Europa está pronta para assumir as suas responsabilidades. O plano ‘ReArm Europe’ poderá mobilizar perto de 800 mil milhões de euros para uma Europa segura e resiliente. Continuaremos a trabalhar em estreita colaboração com os nossos parceiros na NATO [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Este é um momento para a Europa. E estamos prontos para avançar”, diz Ursula von der Leyen.

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Na sequência da proposta da Comissão Europeia, os líderes dos 27 países-membros da UE, reunidos em Bruxelas, a 6 de março, para uma cimeira extraordinária, deram luz verde ao plano do Executivo comunitário para reforçar a defesa do Velho Continente, face à inversão da política externa protagonizada por Donald Trump, sucessor de Joe Biden na Casa Branca.

A presidente da Comissão Europeia, num dos dias anteriores, propôs o plano e o Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e de governo dos 27 estados-membros, deu-lhe luz verde, destacando “a necessidade de aumentar, substancialmente, as despesas com a Defesa”, segundo o texto da declaração conjunta dos países da UE, em que se lê: “O Conselho Europeu salienta que a Europa deve tornar-se mais soberana, mais responsável pela sua própria defesa e mais bem equipada para agir e lidar autonomamente com desafios e ameaças imediatos e futuros.”

A União Europeia acelerará a mobilização dos instrumentos e do financiamento necessários para reforçar a segurança da União Europeia e a proteção dos nossos cidadãos. Ao fazê-lo, a União reforçará a sua prontidão global em matéria de defesa, reduzirá as suas dependências estratégicas, colmatará as suas lacunas críticas em termos de capacidades e reforçará a base tecnológica e industrial europeia de Defesa, em toda a União, de modo a estar em condições de fornecer melhor o equipamento nas quantidades e ao ritmo acelerado necessários”, indicam as conclusões aprovadas pelos chefes de Governo e de Estado da UE.

Os 27 “congratularam-se” com a proposta da Comissão Europeia, mas pediram-lhe “que proponha fontes de financiamento adicionais para a defesa, a nível da União, nomeadamente, através de possibilidades e de incentivos adicionais oferecidos aos estados-membros na utilização das suas atuais dotações, ao abrigo dos programas de financiamento relevantes da UE, e que apresente, rapidamente, as propostas pertinentes”.

Por sua vez, a Comissão Europeia, anunciou que pretende disponibilizar aos estados-membros cerca de 150 mil milhões de euros, sob a forma de empréstimos para financiamento conjunto de investimentos na sua Defesa, que serão utilizados para investimentos conjuntos, entre, pelo menos, dois estados-membros, em áreas onde as necessidades são mais urgentes, como a Defesa antiaérea, mísseis, drones e sistemas antidrones ou sistemas de artilharia. E Ursula von der Leyen diz que, com tais equipamentos, os estados-membros poderão aumentar a ajuda à Ucrânia.

Os 27 dizem ter tomado nota da intenção da Comissão Europeia de apresentar a proposta de um novo instrumento da UE para fornecer aos estados-membros empréstimos apoiados pelo orçamento da UE, até 150 mil milhões de euros, e convidam o Conselho a analisá-la com urgência.

O primeiro-ministro de Portugal defendeu que o país deve “aproveitar a oportunidade” de contrair empréstimos no âmbito do novo instrumento europeu para a Defesa e investir mais nesta área, devido ao alívio nas apertadas regras orçamentais da UE. “Evidentemente que Portugal deve aproveitar a oportunidade de poder ter empréstimos e poder ter um mecanismo de flexibilidade para utilização sem colocar em causa a sua trajetória, ou seja, de garantir financiamento em boa condição, e ao mesmo tempo de poder continuar a mostrar um resultado financeiro que o coloca neste momento num dos melhores desempenhos à escala europeia”, disse Luís Montenegro, numa conferência de imprensa à margem da cimeira.

Os líderes da UE também manifestaram apoio à Ucrânia, numa declaração não subscrita por Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, aliado de Donald Trump.

Na declaração, os 26 líderes da UE sustentam que não pode haver negociações sobre a Ucrânia, sem a Ucrânia, e prometem continuar a prestar ajuda ao país. “Uma Ucrânia capaz de se defender eficazmente é parte integrante de quaisquer garantias de segurança futuras. Neste contexto, a União Europeia e os estados-membros estão empenhados em contribuir para a formação e [para] o equipamento das forças armadas ucranianas e em intensificar os esforços para continuar a apoiar e desenvolver a indústria de defesa ucraniana e aprofundar a sua cooperação com a indústria de defesa europeia”, indica um texto do presidente do Conselho Europeu, António Costa, subscrito por 26 chefes de Governo e de Estado da UE, exceto Viktor Orbán.

“À luz das negociações para uma paz abrangente, justa e duradoura, a União Europeia e os Estados-membros estão dispostos a continuar a contribuir para as garantias de segurança com base nas respetivas competências e capacidades, em conformidade com o direito internacional, nomeadamente explorando a eventual utilização de instrumentos da Política Comum de Segurança e Defesa”, acrescenta o documento.

Para os 26 líderes da UE, entre os quais o primeiro-ministro português, “as garantias de segurança deverão ser assumidas em conjunto com a Ucrânia, bem como com os parceiros da NATO que partilham as mesmas ideias”. “Estamos aqui para defender a Ucrânia”, disse António Costa, que, juntamente com Ursula von der Leyen, deu as boas-vindas ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, presente na cimeira.

Luís Montenegro, em declarações a partir de Bruxelas, garantiu que o nosso país contribuirá para as garantias de paz que, quer a Ucrânia quer a própria UE, exigem de um acordo para pôr fim à guerra e afirmou que, até lá, Portugal continua a ajudar, militar e economicamente, Kiev. 

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Os chefes de Governo e de Estado da UE avançam, assim, com as primeiras medidas para tornar a Europa mais soberana, autónoma e mais bem equipada na área da defesa e da segurança, numa altura em que a guerra na Ucrânia e a ameaça russa constituem um desafio para o bloco europeu.
Duas semanas após o terceiro aniversário do início da guerra na Ucrânia, causada pela invasão russa, as tensões entre a administração norte-americana e a liderança ucraniana aumentaram.

A cimeira extraordinária dos líderes dos 27 estados-membros da UE, em Bruxelas, marcada para discutir os novos objetivos de investimento na defesa conjunta, começou com uma reunião com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy. E o debate entre os dirigentes da UE e Zelenskyy durou cerca de uma hora e meia e centrou-se na diplomacia e na defesa, segundo um alto funcionário da UE, que descreveu as conversações como abertas e disse: “O presidente Zelenskyy atualizou [a]os líderes [a informação] sobre a situação no terreno, os seus esforços diplomáticos em curso e as expetativas para o futuro com vista a uma paz justa, abrangente e duradoura.”

Numa publicação nas redes sociais, o líder ucraniano enumerou alguns dos temas que abordou com os 27 líderes da UE: a entrega de sistemas de Defesa aérea, de armas e de munições, a assistência à indústria de defesa da Ucrânia, o processo de adesão e as sanções contra a Rússia. E reiterou a mensagem de gratidão que manifestara à chegada a Bruxelas: “É bom sentir que não estamos sozinhos”, disse.

A presidente da Comissão Europeia reforçou a importância da cimeira, sustentando: “Este é um momento decisivo para a Europa e para a Ucrânia como parte da nossa família europeia. A Europa enfrenta um perigo claro e presente e, por isso, tem de ser capaz de se proteger, de se defender, tal como nós temos de colocar a Ucrânia em posição de se proteger e de pressionar por uma paz duradoura e justa.”

Mette Frederiksen, primeira-ministra da Dinamarca, uma das mais entusiastas defensoras da proposta de Ursula von der Leyen, declarou: “A coisa mais importante agora é rearmar a Europa. Penso que não temos muito tempo. Temos de gastar na defesa e na dissuasão.”

As opiniões são múltiplas, incluindo as divergentes entre os líderes da UE. A pressão é grande sobre cada para mostrar aos europeus e ao Mundo a realidade da aliança e da unidade da UE.

À chegada a Bruxelas, Luís Montenegro considerou o rearmamento da Europa uma oportunidade económica e disse querer que Portugal atinja a meta de 2% do PIB investido na Defesa, pois, na sua ótica, investir mais na área da Defesa significa investir mais na capacidade industrial, na criação de emprego, na criação de tecnologia, em oportunidades de negócio.

Em 2024, segundo estimativas da NATO, Portugal investiu quase 4,3 mil milhões de euros no setor, cerca de 1,55% do PIB português e a maior percentagem dos últimos dez anos.

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Este rearmamento da Europa implicará uma pesada dívida a contrair pela UE, ficando a pairar a dúvida se a União dispõe de capacidade para tanto, se é real para a Europa, a ameaça russa, se o plano basta para garantir e consolidar a reindustrialização da Europa, se o Estado Social não ficará prejudicado pela opção belicista e se a NATO manterá a cooperação com a UE, sem os Estados Unidos da América (EUA).

2025.03.08 – Louro de Carvalho

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