De acordo
com uma peça jornalística de Sasha Vakulina intitulada “Natal em cativeiro: a dolorosa
realidade dos prisioneiros de guerra ucranianos e dos familiares” e publicada,
a 24 de dezembro, pela Euronews, em todas as semanas, familiares, amigos de prisioneiros
de guerra e muitos outros ucranianos organizam manifestações em diversas cidades
ucranianas e no estrangeiro, a fim de sensibilizarem a opinião pública para os
que permanecem em cativeiro russo, sem quaisquer notícias ou atualizações. Acima
de tudo, os familiares estão preocupados com a saúde dos entes queridos e com
as consequências para a saúde física e psicológica destes após o cativeiro.
Alguns dos slogans mostrados e bradados nestas
manifestações semanais são: “O cativeiro mata.” “Enquanto eles são silenciados,
nós gritamos por eles.” “Cada dia em cativeiro pode ser o último.” “Lutem por
eles como eles lutaram por nós.”
Quase toda a
gente que participa nestes protestos espera que alguém regresse. As crianças
pequenas esperam pelos pais, as mulheres esperam pelos maridos. Mães e avós que,
há meses ou mesmo anos, não têm notícias dos filhos ou dos netos vieram à mais
recente manifestação, a 21 de dezembro, com os cartazes do género: “Estou à
espera do meu neto e dos seus irmãos de armas.” “Sonho viver até ao momento em
que o meu neto volte para casa.”
Naquela
manifestação pré-natalícia, em Kiev, as mães dos prisioneiros de guerra
mostraram cartazes com frases, como: “O meu filho está em cativeiro russo, há
940 dias, quanto mais tempo?” “Ajudem-me a trazer o meu filho de volta, já
passaram dois anos e meio.”
As famílias que participam nestas manifestações
semanais sustentam que, enquanto a maioria espera pelo Natal, elas esperam que os seus entes queridos “regressem do
cativeiro russo”.
Muitos
prisioneiros de guerra ucranianos vão passar o seu terceiro Natal em cativeiro.
É o caso dos que defenderam a fábrica de aço Azovstal, em Mariupol, durante
três meses, quando esta cidade portuária do Sul da Ucrânia estava sitiada.
Cerca de 2500
soldados ucranianos renderam-se à Rússia, por ordem do presidente ucraniano, Volodymyr
Zelenskyy, durante o cerco à enorme fábrica de aço, em maio de 2022, e mais de
1300 continuam nas mãos dos russos. Por isso, os representantes da Associação
das Famílias dos Defensores de Azovstal dizem não pensar num melhor presente de
Natal do que ver os seus entes queridos vivos e de volta a casa. “Enquanto as
crianças, na Europa e na América, sonham com presentes, milhares de crianças
ucranianas sonham com ver os pais e mães em casa”, disse a porta-voz da
associação, Marianna Khomeriki, segundo a qual o principal objetivo das
manifestações semanais é não deixar que o Mundo se esqueça deles.
“Alguns dos
filhos dos defensores de Azovstal capturados nasceram depois de terem sido
levados para cativeiro. Muitas mães não veem os filhos, há anos, e não têm notícias
deles desde o início do cativeiro”, declarou Khomeriki, relevando que “esta é
uma tragédia que não deveria ter acontecido no Mundo moderno e o Mundo deve
recordá-la” – sentimento comum dos Ucranianos.
Muitas das
pessoas presentes nos protestos nem sequer falam com os seus entes queridos,
desde que estes foram feitos prisioneiros de guerra. Muitas vezes, sabem mais
notícias através dos que regressam a casa, após trocas de prisioneiros.
De acordo
com o gabinete do procurador-geral da Ucrânia, nove em cada dez prisioneiros ucranianos
são sujeitos a tortura física e psicológica, a violência sexual e a condenações
ilegais. Alguns são executados antes de serem feitos prisioneiros. Os
procuradores afirmam que, nos quase três anos da invasão, foram documentados
177 casos confirmados de execuções de prisioneiros de guerra ucranianos, 109
dos quais ocorreram neste ano. E, embora as provas visuais da morte de soldados
ucranianos pelas tropas russas aumentem, é difícil provar estes crimes de
guerra perante os tribunais internacionais, já que a recuperação dos corpos é muito
difícil.
Segundo
Khomeriki, resta às famílias esperar por novas trocas de prisioneiros. Porém, a
Rússia não mostra muito interesse em recuperar os seus prisioneiros de guerra.
E as organizações internacionais não estão a fazer o suficiente, sendo a única
esperança das famílias que as forças ucranianas “reabasteçam o fundo de troca
através da captura”.
A 3.ª
Convenção de Genebra – um de quatro tratados – estabelece regras para o
tratamento dos prisioneiros de guerra, afirmando que devem ser tratados com
humanidade, alojados de forma adequada e receber alimentação, vestuário e
cuidados médicos suficientes. Nestes termos, não devem ser impedidas as
atividades humanitárias, incluindo as da Cruz Vermelha Internacional (CICV) ou
de qualquer outra organização humanitária imparcial, a realizar para proteger e
aliviar os prisioneiros. Todavia, a CICV, apesar de ter visitado cerca de 3500
prisioneiros na Ucrânia e na Rússia, admite que, até à data, “não tem acesso
total a todos os prisioneiros de guerra”.
Os soldados
ucranianos que regressaram e as famílias dos que estão nas prisões russas
afirmam não ter qualquer contacto ou informação sobre os prisioneiros detidos
na Rússia, o que significa que nem sabem se estão vivos. E Moscovo está
relutante em trocar os defensores de Mariupol, que, só excecionalmente, foram
incluídos na recente troca de prisioneiros por soldados do checheno Ramzan
Kadyrov, capturados no início da incursão de Kursk, em agosto. “De acordo com a
informação pública da Sede de Coordenação para o Tratamento dos Prisioneiros de
Guerra, só recebemos pedidos do lado russo para a troca de prisioneiros
capturados no sector de Kursk”, disse Khomeriki, para quem as autoridades
russas não estão interessadas “nos Russos capturados noutras regiões, o que,
geralmente, mostra a atitude que têm com os próprios soldados”.
As
manifestações semanais na Ucrânia são um lembrete constante para que os
Ucranianos e os Europeus “mantenham a questão viva e para que as organizações
internacionais sintam a pressão de serem responsabilizadas por garantir a
segurança dos prisioneiros de guerra, em conformidade com a Convenção de
Genebra”, diz Khomeriki, acrescentando que dão apoio moral às famílias que
aguardam o regresso dos entes queridos e que familiares e amigos continuam a
acreditar que os defensores regressarão o mais rapidamente possível.
Questionada
sobre o que diria aos Europeus que celebram o Natal e as festas de fim de ano,
Khomeriki pede que se lembrem de “todos os prisioneiros de guerra ucranianos e
reféns civis e que usem toda a sua influência para garantir a sua libertação”.
“Estas pessoas foram feitas prisioneiras, enquanto defendiam a Ucrânia, no
território do próprio país, e a Rússia não tem qualquer fundamento legal para
as manter reféns durante mais tempo”, vincou, acrescentando que o Mundo deve condenar
esta situação, chamar a atenção para a violação dos direitos, para a tortura que
estão a sofrer e fazer tudo para obrigar a Rússia a devolver os Ucranianos à
Ucrânia.
***
Contudo,
também os Russos sofrem com a guerra, o que o Ocidente esquece. O seu Natal, a 7 de
janeiro (segundo o calendário ortodoxo, que segue o calendário juliano) verá perturbada
a “sochelnik” (consoada), em que as famílias se reúnem para uma refeição
especial, com troca de presentes. Os Ucranianos queixam-se, com razão, mas
retaliam com dureza.
Também a 24 de dezembro, como
noticiaram os meios de comunicação locais, a Ucrânia lançou
drones em direção a Millerovo, na região de Rostov, na Rússia,
cidade que abriga uma base aérea militar. E, enquanto isso acontece, as tropas de Moscovo avançam na região de
Donetsk e, segundo as forças armadas ucranianas, tentam controlar uma
ponte na margem ocidental do rio Dnipro, na região
de Kherson.
Embora se diga que não é uma invasão
das forças russas em Kherson, a Ucrânia mantém-se cautelosa, em relação aos
potenciais avanços de Moscovo. Com efeito, o exército russo avançou perto de
Storozhevoye, em Donetsk, ao estabelecer um controlo com armas na estrada,
entre Velikaya Novosyolka e a cidade de Gulyaypole, na região de Zaporijjia, como
informou Vladimir Rogov, membro da Câmara Pública Russa, à agência de
notícias Tass.
Enquanto as tropas de Moscovo
progridem, os Estados Unidos da América (EUA) atribuem mais
de 250 milhões de dólares, através da Lei de Produção de
Defesa (DPA), para aumentar a produção de mísseis, parte
da qual contribuirá para programas de assistência militar à Ucrânia, como informou
o Pentágono, a 23 de dezembro. Entretanto, a Ucrânia recebeu mil milhões de
dólares do Reino Unido e do Japão, através do programa DPL do Banco Mundial (BM).
E a Itália manifestou intenções de alargar o apoio militar a Kiev, até 2025. Os
fundos provindos do BM e da Itália serão utilizados para causas sociais e para
reforço da economia de Kiev.
***
A
maioria dos Ucranianos é ortodoxa, mas a principal Igreja do país concordou, em
descartar, em 2024, o 7 de janeiro como o dia do Natal – trocando-o pelo 25 de
dezembro. Para muitos fiéis, celebrar o 25 de dezembro significa unir-se ao
Ocidente e distanciar-se da Rússia.
Na
cidade de Kryvyi Rih, no centro da Ucrânia, uma pessoa morreu e outras 15 ficaram
feridas após um ataque com mísseis balísticos atingir um prédio
residencial, o que mostra que Moscovo está a pressionar a linha de frente de
mil quilómetros ao longo do Leste e do Sul da Ucrânia, quase três anos após a
invasão em larga escala (fevereiro de 2022), quando entrou no território por
três frentes: a fronteira russa, a Crimeia e a Bielorrússia, país forte aliado
do Kremlin. Forças leais a Vladimir Putin conseguiram avanços
significativos, nos primeiros dias, mas a Ucrânia conseguiu manter o controlo
de Kiev, ainda que a cidade tenha sido atacada. A invasão foi criticada
internacionalmente e o Kremlin foi alvo de sanções económicas por parte do Ocidente.
Em
outubro de 2024, após milhares de mortos, a guerra entrou no momento mais
perigoso até então. As tensões elevaram-se quando o presidente russo ordenou o
uso de um míssil hipersónico de alcance intermédio num ataque em solo
ucraniano, carregando ogivas convencionais, mas capaz de levar material
nuclear. O lançamento aconteceu após ofensiva da Ucrânia no território
russo, usando armamentos fabricados por potências ocidentais (EUA, Reino
Unido e França).
A
inteligência ocidental denuncia que a Rússia usa tropas da Coreia do Norte
na Ucrânia, o que não é negado, nem confirmado por Moscovo e por Pyongyang.
Putin,
que substituiu o ministro da Defesa em maio, disse, embora sem detalhes, que
as forças russas avançam muito mais efetivamente e que a Rússia atingirá todos
os objetivos na Ucrânia.
Volodymyr
Zelensky, segundo o qual morreram três mil militares ucranianos, disse
acreditar que os principais objetivos de Putin são ocupar toda a região de
Donbass, abrangendo as regiões de Donetsk e de Luhansk, e expulsar as tropas
ucranianas da região de Kursk, na Rússia, partes das quais controlam, desde
agosto.
Vários
mísseis balísticos e drones russos foram lançados, na manhã do dia
de Natal sobre alguns pontos-chave na Ucrânia, como um complexo energético na
região de Kharkiv, onde cerca de meio milhão de Ucranianos ficou sem eletricidade,
o que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, considera um ataque “desumano”.
“Putin escolheu, deliberadamente, o dia de Natal para atacar. O
que poderia ser mais desumano? Mais de 70 mísseis, incluindo mísseis balísticos
e mais de cem drones”, disse Zelenskyy na rede social Telegram, acrescentando que as tropas ucranianas derrubaram mais de
50 mísseis, durante o ataque.
O
ministério da Defesa russo reagiu à ofensiva, em comunicado, confirmando que as
forças armadas “lançaram um ataque massivo com armas de precisão de longo
alcance e ataques de drones contra instalações críticas da Ucrânia, que apoiam
o trabalho do complexo militar-industrial”, tendo o objetivo sido alcançado,
pois “todas as instalações foram atingidas”.
Na
rede social X, Maxim Timchenko,
CEO da DTEK, a maior empresa privada de energia da Ucrânia, cujo equipamento
foi danificado, escreveu que “negar eletricidade e aquecimento a milhões
de pessoas, enquanto celebram o Natal, é um ato depravado que deve ter resposta”.
E a embaixadora dos EUA na Ucrânia, Bridget Brink, comentou o ataque da Rússia,
dizendo que “o presente de Natal da Rússia para a Ucrânia: mais de 70
mísseis e 100 drones, dirigidos às famílias ucranianas que celebram nas suas
casas. A Rússia faz do inverno uma arma”.
Na
sequência dos ataques, quatro pessoas morreram e cinco ficaram feridas na
cidade de Lgov.
***
Como é
possível um Natal de paz e de proximidade estar envolto em tantas guerras e com
tanta gente fora das famílias? E o tempo messiânico foi inaugurado há 2024
anos!
2024.12.25 – Louro de
Carvalho
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