terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O 3.º domingo do Advento garante-nos a iminência da libertação

 

Na terceira etapa do “caminho do advento”, surge o “domingo Gaudete” (Alegrai-vos) a convidar-nos à alegria, porque a vinda do Senhor está iminente e a libertação cada vez mais perto.

O profeta Sofonias insta Jerusalém a alegrar-se por Deus ter revogado a sentença condenatória pendente sobre o seu Povo, pois o amor de Deus é muito mais forte do que a necessidade de punir.

Em 734 a.C. o rei Acaz (734-727 a.C.), confrontado com a ameaça da coligação dos reis de Damasco e de Israel, pediu ajuda a Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, que derrotara o rei de Damasco, pondo fim à ameaça contra Judá; e Acaz tornou-se vassalo da Assíria. Judá, a girar na órbita política da Assíria, teve de abrir as portas às influências religioso-culturais dos Assírios.

Costumes estranhos e cultos pagãos irromperam em Jerusalém, minando a fidelidade do Povo a Javé, situação que manteve-se durante o longo reinado de Manassés (698-643 a.C.), com o rei a reconstruir os lugares de culto aos deuses estrangeiros, a erigir altares a Baal, a oferecer o filho em holocausto, a dedicar-se à adivinhação e à magia e a pôr no Templo de Jerusalém a imagem da deusa Astarte. A pari, multiplicava-se a injustiça social, a arbitrariedade, a violências contra os pobres e débeis, em grave violação da Aliança que o povo tinha com Deus. Quando, em 639 a.C., Josias (639-609 a.C.) subiu ao trono, Judá precisava de profunda reforma política, social e religiosa. E o novo rei lançou-se a essa tarefa.

Sofonias iniciou, então, a sua profecia, tendo sido o motor dessa reforma. Denunciou o pecado de Judá; atacou a idolatria cultual, a injustiça, o materialismo, o laxismo religioso, o abuso da autoridade; e sustentava que a situação não podia continuar e que, se nada fosse mudado, chegaria o dia do Juízo de Deus. Todavia, o escopo da sua pregação não era anunciar o castigo, mas era levar o Povo a converter-se a Deus.

O profeta considerava que o Povo de Deus não podia ter compromisso com Javé e comportar-se como se tal compromisso não contasse; achava que o Povo não podia invocar a Aliança e prestar culto a deuses estrangeiros, desrespeitar os direitos dos pobres, cultivar a exploração, a injustiça, a arbitrariedade. Então, pedia que Judá se convertesse, deixasse o caminho de infidelidade que estava a seguir e regressasse a Deus.

O trecho que a liturgia do 3.º domingo do advento nos oferece como primeira leitura (Sf 3,14-18a) integra um lote de “promessas de salvação” que aparece na parte final do livro. Antes, Sofonias predissera a chegada do “dia do Senhor”, o dia da intervenção justiceira de Deus, em que Deus castigaria Judá pelas suas infidelidades; avisara Jerusalém, cidade rebelde, manchada e opressora, de que o fogo do zelo de Deus a consumiria. Porém, de repente, o discurso muda de tom: a ameaça do castigo transforma-se em anúncio de salvação; a aflição e o pranto cedem à alegria e à festa.

Em nome de Deus, Sofonias dirige a Jerusalém e aos seus habitantes a palavra de esperança: a tristeza mudar-se-á em alegria, os lamentos que se ouvem em toda a cidade darão lugar a gritos de júbilo, pois Javé revogou a sentença de condenação que emitira contra o seu Povo.

Judá tinha pecado e tinha traído Deus; tinha subvertido a Aliança e escolhido a via do pecado. Deus, cansado da reiterada infidelidade do Povo, decidira pôr fim a essa relação desigual. Porém, o amor de Deus falou mais alto do que a sua cólera. Ora, o amor verdadeiro triunfa sempre. O “dia do Senhor” deixou de ser o dia em que Deus castiga Israel, para ser o dia em que o amor de Deus triunfa sobre a sua ira. Por isso, Deus vai afastar de Jerusalém os inimigos através dos quais iria consumar o castigo de Judá. O amor fez da ameaça de condenação a História de Salvação.

Deus, vencido pelo amor, veio ter com o Povo, para morar, de novo, no meio dele. Como o apaixonado, Deus não quer estar longe da sua amada. Deus é o rei que governa Judá e o defende, como poderoso salvador. Deus veio para ficar; e Judá, protegido pelo amor de Deus, reencontrou a paz, a segurança, a felicidade, a alegria.

Esta profecia recebe nova luz, no Advento, quando nos preparamos para celebrar a chegada de Jesus, o Deus que veio habitar com o seu Povo e trazer-nos a salvação e a alegria.

***

No Evangelho (Lc 3,10-18), João Batista, o profeta do advento, continua a propor rumos de conversão. Exorta-nos à mudança radical que nos torne mais humanos, solidários, bondosos, misericordiosos; que leve a praticar os nossos bens com os necessitados, a não defraudar o próximo, a não exercer violência – marcas da vida nova segundo o Espírito.

Vamos até ao vale do rio Jordão, ao encontro de João, a quem as gentes da Judeia chamavam “o batista”. O pai era o sacerdote Zacarias. E, embora de família sacerdotal, não há notícia de que João tenha exercido funções sacerdotais no quadro da religião tradicional.

Por volta do ano 27 ou 28, João aparece nas franjas do deserto de Judá, perto de Jericó, na região da Pereia (território administrado por Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande), na margem oriental do rio Jordão. Aí, João pregava “um batismo de conversão para remissão dos pecados”.

A sua pregação causou forte impacto nas gentes da Judeia e da Galileia; e muitos vinham até à margem do Jordão escutá-lo. João denunciava – em linguagem rude e campesina – o pecado e a rebeldia de Israel; e anunciava a iminente intervenção de Deus no Mundo, para acabar com o mal (“raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que está para chegar? O machado já se encontra à raiz das árvores; por isso, toda a árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo”). A forma de evitar a “ira de Deus” era converter-se radicalmente, cortar com o pecado e voltar para Deus. Aos que se dispunham a tal mudança, João propunha o gesto purificador e renovador da imersão nas águas do Jordão.

O judaísmo antigo conhecia diversos rituais de purificação pela água. Os essénios, instalados em Kûmran (aldeia situada perto do lugar onde João batizava) praticava banhos rituais diários de purificação em piscinas edificadas para o efeito. Porém, o gesto que João propunha era diferente. Quem aceitava a proposta de conversão, era imerso por João nas águas vivas do Jordão, confessava os pecados, recebia o perdão de Deus e saía purificado. Este ritual só se fazia uma vez. A pessoa batizada por João passava a pertencer à comunidade da nova Aliança e voltava para casa decidida a viver de uma forma nova, sentindo-se membro do novo Israel, preparada para acolher a chegada iminente de Deus.

A mudança de vida que João propunha aos que o procuravam na margem do rio, devia traduzir-se na efetiva mudança de atitudes. Não basta declarar boas intenções; a conversão tem de manifestar-se em gestos. Por isso, João dizia-lhes: “Produzi frutos de sincera conversão.”

Todavia, as pessoas, querendo orientações concretas, perguntavam: “Que devemos fazer?” É a pergunta que Lucas coloca na boca das pessoas, em diversas situações, a fim de traduzir a disponibilidade para refazer a própria vida e para acolher a salvação que vem de Deus. Em resposta, João não pede gestos piedosos ou práticas religiosas especiais, mas coisas concretas, que apontam no sentido de uma vida mais humana, mais justa e mais fraterna.

Ao povo, aconselha a “repartir” (“quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma; e quem tiver mantimentos faça o mesmo”). O verbo “repartir” desaloja-nos da vida construída à volta do “ter” e obriga-nos a olhar para os irmãos que estão ao nosso lado. Não significa dar o supérfluo ou as sobras, mas partilhar com o próximo, sem cálculo nem hesitação, o pouco ou o muito que temos. Faz-nos tomar consciência de que os bens – inclusive os que respondem às necessidades básicas do homem, como a roupa e os alimentos – são dons de Deus postos à nossa disposição, mas destinados a todos. Ainda que hajam sido legitimamente adquiridos, os bens que temos pertencem a todos os filhos e filhas de Deus. “Repartir” significa passar da economia da posse para a economia do dom.

Aos publicanos, João recomenda que não se aproveitem da sua condição para explorarem os seus irmãos (“não exijais nada além do que vos foi prescrito”). Encarregados de recolher os impostos, os publicanos tendiam a extorquir às pessoas quantias superiores ao estipulado; e a diferença redundava em seu benefício. Ora, a cupidez que leva à exploração e ao roubo não é compatível com a vida segundo Deus. O enriquecimento por meios ilícitos e imorais, a exploração dos pobres, as falcatruas económicas que prejudicam a comunidade, são crimes que destroem o tecido social.

Aos soldados, João pede que não usem de violência e que não abusem da força para cometer injustiças (“não pratiqueis violência com ninguém nem denuncieis injustamente; e contentai-vos com o vosso soldo”). Em virtude do seu ofício e do poder que as armas lhes conferiam, os soldados profissionais usavam a força indiscriminadamente. Com facilidade maltratavam as pessoas, obrigavam-nas a fazer trabalhos não remunerados, extorquiam dinheiro e outros bens aos camponeses. Ora, a violência, o abuso do poder, a prepotência, desumanizam o Mundo, subvertem o plano de Deus para o Mundo e trazem aos mais frágeis sofrimento intolerável.

Os frutos de conversão que João pede referem-se a atitudes e a comportamentos para com o próximo. A melhor forma de prepararmos o caminho para o Senhor que vem é cuidarmos das nossas atitudes para com os irmãos, é construirmos uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.

As pessoas que escutavam a pregação escatológica de João interrogavam-se sobre o que aconteceria depois de João ter cumprido a sua missão; como se processaria a intervenção de Deus na História, se apareceria “o Messias” de Deus, para concretizar a restauração definitiva de Israel, e se o “Messias” que o Povo esperava estaria, de algum modo, ligado à figura de João. É destas questões que trata a segunda parte do Evangelho desta dominga.

João acreditava que, quando saísse de cena, iria chegar outra figura, enviada por Deus, para concretizar a intervenção final de Deus na História. João não lhe chamava “Messias”, para não acirrar a expetativa messiânica do Povo. Referia-se-lhe como “o mais forte do que eu”, dizendo de si próprio que não era digno de lhe “desatar as correias das sandálias”.

Desatar a correia das sandálias era tarefa de escravos. A expressão traduz a consideração de João pel’O que há de vir e que é “o mais forte”, O que Deus iria encarregar de uma tarefa superlativa na História da Salvação, o mediador encarregado de concluir o processo que João começara.

Provavelmente, João pensava que “o mais forte”, enviado por Deus, iria trazer um batismo purificador, que teria duplo efeito: queimaria a palha – isto é, tudo o que é mau, que não serve para nada – “num fogo que não se apaga” e derramaria sobre os homens o Espírito da verdade.  O batismo “com o Espírito Santo e com o fogo” inundaria o Israel renovado com a força transformadora de Deus; e o Povo, vivificado pelo Espírito de Deus, conheceria a existência nova, a era definitiva de justiça, de paz e de vida plena. Para Lucas, este anúncio de João concretizar-se-á plenamente no dia de Pentecostes.

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Na segunda leitura (Fl 4,4-7), Paulo pede aos cristãos de Filipos que se alegrem, porque “o Senhor está próximo”. Conscientes dessa proximidade, os cristãos caminham pela vida serenos e confiantes, distribuindo gestos de bondade e de generosidade, na constante escuta de Deus, dos seus desafios, esperando o Senhor.

Nas recomendações de Paulo aos cristãos de Filipos, na parte final da carta, sobressai o insistente convite à alegria: “Alegrai-vos sempre no Senhor. Novamente vos digo: alegrai-vos”. O vocábulo usado por Paulo (o verbo “khairô”) leva-nos à “alegria” (“khara”) que “ilumina” a noite do nascimento de Jesus, quando o anjo comunica aos pastores de Belém a “boa notícia”. É, pois, uma alegria que resulta da presença salvadora do Senhor Jesus no meio dos homens. Cônscios dessa presença, os membros da comunidade cristã devem viver na alegria e irradiar uma alegria que transforma a noite do Mundo em aurora de esperança.

O apóstolo recomenda, ainda, aos Filipenses: que testemunhem a bondade que aprenderam com Jesus; que confiem no amor de Deus e que não vivam sobressaltados, distraídos pelas coisas do Mundo e pelos valores efémeros; que cultivem a intimidade e o diálogo com Deus, apresentando-Lhe as dificuldades que encontram no caminho e agradecendo-Lhe os seus dons e o seu amor.

Sobre essa existência serena e comprometida deve pairar a certeza de que o Senhor vem (“o Senhor está próximo”). O cristão vive da esperança. Quando se vive, tendo no horizonte a certeza da próxima vinda do Senhor, caminha-se confiante, alegre e com o coração cheio de paz.

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Em domingo “Gaudete”, respondemos ao brado do convite à alegria com um hino de Isaías (Is 12,2-3.4bcd.5-6), em modo responsorial, sob o refrão “Povo do Senhor, exulta e canta de alegria”.

“Deus é o meu Salvador, tenho confiança e nada temo.

O Senhor é a minha força e o meu louvor. Ele é a minha salvação.

“Tirareis água com alegria das fontes da salvação. Agradecei ao Senhor, invocai o seu nome;

Anunciai aos povos a grandeza das suas obras, proclamai a todos que o seu nome é santo.

“Cantai ao Senhor, porque Ele fez maravilhas, anunciai-as em toda a terra.

Entoai cânticos de alegria, habitantes de Sião, porque é grande no meio de vós o Santo de Israel.”

2024.12.16 – Louro de Carvalho

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