segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Savannah Resources autorizada a ocupar terrenos para mina de lítio

 

O governo português deu autorização à Savannah Lithium, empresa de exploração mineira britânica para ocupar, durante um ano, terrenos privados e baldios que não conseguiu comprar previamente, para explorar a mina de lítio do Barroso, no concelho de Boticas, avançando com trabalhos de prospeção e de pesquisa de lítio. Populares protestam e a empresa garante que já está a pagar as indemnizações.

No âmbito do contrato de concessão da “Mina do Barroso” e durante um ano”, os proprietários, arrendatários ou quaisquer possuidores a qualquer título da parcela de terreno em causa estão obrigados a permitir o acesso aos terrenos, ao abrigo de uma servidão administrativa, constituída a pedido da empresa e autorizada por despacho pela Secretaria de Estado da Energia.

“Com vista à realização de trabalhos de sondagens e de trabalhos conexos com o desenvolvimento do projeto de ampliação da mina do Barroso, veio a Savannah Lithium Unipessoal, Lda., na qualidade de concessionária, requerer a constituição de servidão administrativa”, pode ler-se no Despacho n.º 14474/2024, de 6 de dezembro, assinado pela secretária de Estado da Energia, Maria João Pereira, a 24 de novembro.

“Este desenvolvimento vem, como esperado, permitir à Savannah retomar o trabalho de campo e as perfurações necessárias e, assim, fazer avançar o Estudo Definitivo (DFS) do projeto e o processo de conformidade ambiental do projeto de execução”, informou a empresa mineira, a 12 de dezembro, em comunicado citado pelo jornal online ECO.

Nos termos do preâmbulo do despacho em referência, “o projeto de ampliação da mina do Barroso foi sujeito a procedimento de avaliação de impacto ambiental, tendo a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. (APA), emitido a Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável condicionada, a 30 de maio de 2023, e a concessionária justifica a necessidade de aceder a estes terrenos com o cumprimento dos termos da DIA obtida, em particular com a necessidade de definir, com rigor detalhado, as áreas e volumes de exploração, por forma a apresentar o Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE) à APA”.

Além disso, “o processo foi instruído pela concessionária com todos os elementos necessários e os proprietários foram objeto de notificação e direito de pronúncia sobre as servidões”, tal como “foi promovida a audiência prévia dos interessados, nos termos n.º 2 do artigo 121.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, na sua redação atual, que aprovou o Código do Procedimento Administrativo (esta norma não sofreu alteração).

Em suma, o despacho considera que os proprietários foram informados e que a empresa apresentou “todos os elementos necessários” para constituição da servidão. Ao invés, a população diz ter sido surpreendida e o presidente da Câmara Municipal de Boticas, Fernando Queiroga, disse ao jornal Correio da Manhã (também a 12 de dezembro) ter recebido a notícia da publicação do despacho “como um murro no estômago”.

“Não soubemos nada da parte das entidades públicas”, disse à Euronews, Nelson Gomes, presidente da associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), explicando: “Fomos notificados, recebemos uma carta e, nessa carta, tínhamos dez dias para nos pronunciarmos. Respondemos todos a dizer que não concordávamos, incluindo os baldios, mas fomos totalmente ignorados. […] “E, depois, soubemos da deliberação do Estado, quando a empresa nos enviou uma carta a pedir o IBAN, para nos pagar as indemnizações e dizer que ia entrar pelos terrenos, conforme autorizado pelo governo, a 6 de dezembro”.

Efetivamente, Nelson Gomes viu, depois, a publicação do despacho em Diário da República.

Também ao Correio da Manhã, o advogado Paulo Veiga disse que as pessoas que se sentem lesadas podem opor-se à servidão administrativa autorizada pelo Estado, mas terão de recorrer aos tribunais para “impugnar judicialmente”, o despacho. Ora, é o que elas vão fazer: lutar de todas as formas possíveis, incluindo as judiciais. 

O presidente da UDCB informou que a Savannah está a oferecer mil euros de indemnização por cada parcela de 200 metros de terreno. “São mil euros por plataformas de 200 metros quadrados, valor que nunca vai cobrir ou substituir o abate de espécies florestais protegidas e que vão desaparecer”, concluiu o ativista que luta contra o abate de espécies protegidas e contra a exploração do lítio em Boticas.

Por seu turno, Emanuel Proença, CEO da Savannah Lithium, esclareceu que estão a proceder, de imediato, ao pagamento das indemnizações, que, só para os “baldios ascendem aos 50 mil euros com IVA”. “Já pagámos os valores que podíamos pagar, esse pagamento foi feito com a maior antecedência possível e estamos a pedir os dados bancários aos restantes, para podermos efetuar esse pagamento”, adiantou o administrador.

“A empresa tem a pagar um valor que está associado à própria servidão administrativa”, avançou o CEO. “Não está definido em lei se estes valores devem ser pagos antes ou depois, mas […] decidimos pagar logo. Já pagámos aos baldios (terrenos geridos por uma comunidade) e estamos a pedir os dados bancários aos outros”, explicitou.

De acordo com o CEO da Savannah, todo o processo das servidões é um passo normal do desenvolvimento do projeto, cujo início de produção está previsto para 2027. Quanto aos terrenos em causa, trata-se de plataformas que servirão de base para a perfuração. “É feito o aterrapleno, para que se possa colocar a máquina que fará o furo, como se fosse uma perfuração de água, e depois a máquina é retirada repõe-se o terreno e fica feito o trabalho”, explicou Emanuel Proença. 

A Savannah, que quer liderar o setor europeu das baterias para veículos elétricos (EV) com a sua mina de lítio, enfrentará a oposição dos ambientalistas e a posterior recusa de venda de terrenos.

O CEO da empresa disse, anteriormente, ao jornal ECO que “o direito de acesso legal concedido aproxima o projeto do término dos trabalhos de engenharia”. Com efeito, a empresa quer “continuar com o processo de compra e arrendamento de terrenos”, estando já em processo de conclusão “a aquisição de mais sete terrenos”.

Para avançar com o projeto, que tem o arranque previsto para início de 2026, a empresa precisa de cerca de 840 hectares para as quatro minas no Barroso, mas apenas conseguiu ou estava em vias de adquirir 93 hectares, segundo dados divulgados em setembro de 2023.

A agência alemã de crédito à exportação Euler Hermes assinou uma carta de interesse não vinculativa para uma garantia de empréstimo de financiamento de projeto até 270 milhões de dólares para a Savannah Resources desenvolver o projeto de lítio do Barroso no Norte de Portugal, vincando o “sentimento de urgência”, na Alemanha e noutros membros da União Europeia (UE), para desenvolver uma cadeia de abastecimento de lítio nacional e reduzir a dependência das importações da China, que fornece cerca de 97% das necessidades de lítio do continente.

De acordo com um comunicado da Savannah, “este potencial apoio financeiro assenta no fornecimento de lítio à Alemanha, através do acordo Heads of Terms da Savannah com a AMG [empresa preparadora de veículos e motores de alto desempenho, pertencente à Mercedes-Benz Group, desde 2005] para concentrado de espoduménio de 90 ktpa [quilotoneladas ao ano], durante 10 anos”. E, em setembro, a AMG abriu uma refinaria de hidróxido de lítio perto de Berlim, com a capacidade de 20 mil toneladas de hidróxido de lítio por bateria e por ano, o suficiente para produzir baterias para cerca de 500 mil veículos elétricos.

O projeto do Barroso, a cerca de 145 km do porto de Leixões, perto da cidade do Porto, tem um recurso em conformidade com as normas JORC com um teor de óxido de lítio (Li₂O) de 1,05%, e é constituído por cinco depósitos principais.

A Savannah Resources, empresa de exploração de recursos minerais cotada na Bolsa de Valores de Londres, é a única proprietária do projeto de lítio do Barroso, no Norte de Portugal, através da sua concessionária em Portugal. O local de exploração está identificado a maior reserva de espoduménio de lítio na Europa, com 28 milhões de toneladas métricas de lítio de alta qualidade, necessário para as baterias dos automóveis elétricos.

O projeto está em consonância com o escopo da UE, que pretende obstar à dependência da China. Tanto assim é que a França tem um projeto de exploração de lítio no valor de mil milhões de euros; e a Sérvia, na sua pretensa produção de lítio, equilibra os seus interesses com as exigências da UE e a influência da China, sob os protestos dos Sérvios, que gritam: “Morremos nesta terra.”

Em fevereiro de 2024, Ursula von der Leyen dizia, num discurso, que 97 % do lítio que a UE utiliza provém da China. “Observámos que a China, nos últimos 20 a 30 anos, comprou estrategicamente mina após mina, a nível mundial. Pegam na matéria-prima, têm os procedimentos de processamento na China e, depois, têm o monopólio dessa matéria-prima. Assim, estamos totalmente dependentes da China”, disse a presidente da Comissão Europeia, na conferência “Diálogo da Indústria da Tecnologias Limpas”, em Bruxelas. 

Vários especialistas confirmam que “a Europa precisa de diversificar o abastecimento de lítio”, sendo a refinação a nível local um fator importante.

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Entretanto, como refere o Jornal de Notícias (JN), a 16 de dezembro, a Comunidade Local dos Baldios do Barroso (CLBCB), gestora de 41 baldios, vai recorrer da atribuição da servidão administrativa à Savannah Resources, tendo contactado o advogado, mal foi conhecido o despacho em referência. E os proprietários de 21 terrenos, têm o mesmo espírito: “Estamos juntos nisto”, porfiou uma detentora de terras no lugar de Romainho, “nas barbas da concessionária”.

Os proprietários sentem-se “violados” e clamam que “não é justo que entrem no que é nosso sem autorização”. “Hoje é no terreno, amanhã é em casa, sabe-se lá mais o quê”, dizem, garantindo que “o povo está revoltado”, pois “vão impor isto à força, é coisa do terceiro mundo”.

O líder do município – um histórico social-democrata de Trás-os-Montes – considera que este “é um golpe muito rude que esta população não merecia” e diz que, embora a autarquia não possua terrenos na concessão, estuda também o recurso aos tribunais. Por outro lado, estranha a velocidade do processo: logo que saiu o despacho em referência, a Guarda Nacional Republicana (GNR) pôs-se a avisar as pessoas e, no dia 10, fizeram o corte raso de árvores de alguns terrenos particulares, parecendo termos voltado “ao tempo do outro senhor, que dava ordens no Terreiro do Paço e, aqui, as pessoas todas amochavam”.

Fernando Queiroga, verificando que a empresa, que tem informação privilegiada, previa isto, há algum tempo, defende a criação de uma comissão de acompanhamento para fiscalizar a entrada nos terrenos, pois a interessada pode cometer abusos.

De acordo com a CLBCB, entraram na conta do baldio 50 mil euros, montante que “vai ajudar na luta contra a mina”. Na verdade, a UDCB, segundo o JN, foi a Bruxelas para se “fazer ouvir e forjar alianças com outras pessoas e movimentos que lutam por um mundo em que a vida seja colocada à frente do lucro”. Ao mesmo tempo, sustenta que a presença da secretária de Estado na capital belga, durante a Semana das Matérias-Primas, poucos dias após a assinatura do despacho que autoriza a servidão administrativa à concessionária, mostra “como o Estado Português se verga perante as autoridades europeias e as suas diretrizes supostamente inevitáveis”.

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Enfim, de um lado, está o progresso e o desígnio da UE, de que Portugal faz parte; do outro, estão a preocupação ambiental e ecológica e o esbulho das propriedades de gente pobre do interior, com o ataque aos seus terrenos comunitários. Faz-me lembrar o livro de Aquilino Ribeiro “Quando os lobos uivam”, que trata do esbulho dos baldios para a floresta, que, agora, arde e mata. E este governo não é mais amigo do Barroso do que os anteriores. São os interesses dos grandes!

2024.12.16 – Louro de Carvalho

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