domingo, 22 de dezembro de 2024

Quebrada a solidariedade UE com a Ucrânia, mas a guerra continua

O presidente russo, Vladimir Putin, reuniu-se com o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, no Kremlin, a 22 de dezembro, numa rara “visita de trabalho” a Moscovo de um líder europeu, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. Foi o que revelou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, à agência noticiosa russa RIA, mas sem especificar o objetivo das conversações.
Robert Fico é conhecido pelas críticas ao apoio à Ucrânia, na guerra contra a agressão russa. E, logo depois de ser nomeado chefe de um governo de coligação com a extrema-direita pró-russa, anunciou que a Eslováquia deixaria de dar ajuda militar à Ucrânia.
As visitas e os telefonemas dos líderes da União Europeia (UE) a Vladimir Putin têm sido raros, desde que Moscovo enviou tropas para a Ucrânia. Antes da postura de Fico, deu brado a visita do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, em julho, condenada por Kiev e pelos líderes europeus, tendo algumas instâncias da UE boicotado algumas reuniões atinentes à presidência rotativa do Conselho Europeu que, no segundo semestre de 2024, foi confiada à Hungria.
Os líderes europeus declararam que aquela iniciativa diplomática de Viktor Orbán só o comprometia a ele, não ao bloco europeu.
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Entretanto, a guerra prossegue com avanços e recuos de ambos os lados. E são de destacar alguns dados militares e não só.
É do domínio público o conhecimento da onda de deserções nas forças armadas da Ucrânia, com as linhas da frente desfalcadas, bem como o reiterado apoio oficial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), da UE, do Reino Unido e dos Estados Unidos da América (EUA).
Também foi notícia que Moscovo desafiou os EUA para um duelo de mísseis. Espera-se que a Casa Branca não tenha o mau senso de aceitar o desafio. Porém, Joe Biden é capaz de tudo.
Singular é a revelação contida em texto de Ferenc Szekel, publicado pela Euronews, 22 de dezembro, segundo o qual uma conversa telefónica intercetada por uma enfermeira russa revela que os militares norte-coreanos recebem tratamento prioritário nas enfermarias dos hospitais, enquanto os soldados russos feridos são tratados em piores condições.
Segundo o referido articulista, em 2023, em entrevista ao jornal ucraniano Kyiv Post, uma funcionária, que revelou o seu apelido por trabalhar para os serviços secretos militares, contou o que ouviu no decurso do seu trabalho, vincando: “São todos verdadeiros, mesmo que pareçam acontecimentos absurdos. Por vezes, não acredito nas palavras que ouço com os meus próprios ouvidos, mas aqui está tudo documentado.”
Mais recentemente, uma enfermeira russa, numa conversa telefónica intercetada – publicada pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) no seu canal de notícias Telegram –, afirma que os soldados norte-coreanos recebem tratamento prioritário nas enfermarias dos hospitais, enquanto os soldados russos feridos são tratados em piores condições. Ou seja, uma enfermeira de um hospital, na região de Moscovo, fala com um homem, presumivelmente seu marido e soldado, que está a combater na região de Kharkiv, na Ucrânia. “Parecem todos iguais. Como é que os posso distinguir? Devo escrever uma marca na testa deles com uma caneta de feltro? Que jardim zoológico! Tudo o que fazem é murmurar qualquer coisa, uma algaraviada. É uma loucura! Ontem, chegou outro comboio com cerca de cem, hoje chegou um com cento e vinte. São duzentos. […] E quantos mais existem? Só Deus sabe”, relata o SBU.
A conversa acrescenta que, se os soldados norte-coreanos lhe pedirem uma injeção de anestesia, tenciona recusar. “Vão para o inferno! Não percebo o que estão a dizer”, diz a enfermeira no telefonema, acrescentando que a comunicação com as tropas norte-coreanas é quase impossível.
Segundo a enfermeira, o pessoal do hospital está proibido de tentar falar Inglês com os soldados asiáticos. “Eles estão proibidos de falar Inglês. Como são do Norte, estão connosco. Os do Sul estão com a América”, diz a enfermeira, aludindo, provavelmente, ao facto de os Sul-coreanos saberem Inglês, mas não os Norte-coreanos.
Por outro lado, sustenta que estão a criar enfermarias hospitalares, especialmente, para os soldados norte-coreanos, enquanto os combatentes russos feridos passam por piores condições. “Estes coreanos são a elite ou quê? Estamos a criar enfermarias especiais para eles, são assim tão privilegiados ou quê?”, ouve-se dizer.
Os problemas de comunicação podem ser reais, visto que os russos não negaram que haveria um tradutor para cada 30 soldados norte-coreanos.
Todavia, há perda de tropas norte-coreanas na Ucrânia. Segundo um alto funcionário dos EUA citado pelo New York Times, as forças ucranianas infligiram pesadas perdas às tropas norte-coreanas que lutavam ao lado da Rússia, resultando em centenas de mortos e feridos.
Kyrylo Budanov, chefe da Direção de Informações de Defesa da Ucrânia (HUR), informou que, na semana anterior a 22 de dezembro, as tropas norte-coreanas iniciaram ataques em grande escala na região de Kursk, onde a 94.ª Brigada Independente do exército norte-coreano precisou de reforços, após sofrer perdas significativas. Imagens de drones do 414.º Regimento Independente da Ucrânia mostraram mais de duas dúzias de baixas norte-coreanas, enquanto as Forças de Operações Especiais registaram perdas norte-coreanas.
De acordo com HUR, o número de tropas norte-coreanas destacadas na Rússia é, atualmente, de cerca de 12 mil, com um contingente de 500 oficiais, incluindo três generais de Pyongyang, como disse Budanov ao The Economist. E o sargento ucraniano Stanislav Bunyatov, que participou em confrontos com soldados norte-coreanos, disse que estes são disciplinados, mas propensos ao colapso moral, devido a grandes perdas.
No passado, a imprensa ucraniana já publicou conversas intercetadas que poderiam violar a segurança operacional do Kremlin e revelar o moral dos soldados russos, das famílias e dos cidadãos comuns. Contudo, o 16 de dezembro foi a primeira vez que o governo da Ucrânia referiu perdas norte-coreanas de grande dimensão e com algum pormenor. “Devido às perdas, os grupos de assalto estão a ser reabastecidos com pessoal novo, em particular da 94.ª brigada separada do exército da RPDC, para continuar as operações de combate ativas na região de Kursk”, afirmou a agência de informação ucraniana, em comunicado, mas sem fornecer provas. Após os ataques maciços do fim de semana anterior àquela data, as forças ucranianas também divulgaram imagens e vídeos de soldados russos e norte-coreanos mortos na região de Kursk.
A HUR noticiou as perdas, após a declaração do presidente Volodymyr Zelenskyy de que um “número significativo” de soldados norte-coreanos começara a combater ao lado das forças russas em operações de assalto em Kursk. “Os Russos Incluem-nos em unidades combinadas e utilizam-nos em operações na região de Kursk”, precisou.
As tropas norte-coreanas ainda não se juntaram às forças russas em nenhuma outra área da frente de batalha, mas Zelenskyy disse que isso pode mudar. “E, se isto não é uma escalada, então o que é a escalada de que tantos têm falado?”, questionou.
Os primeiros confrontos entre tropas norte-coreanas e ucranianas em Kursk, na Rússia, foram registados no início de novembro. Zelenskyy declarou, a 1 de dezembro, que soldados norte-coreanos já tinham sido mortos a combater pela Rússia, mas não especificou números. E as autoridades ucranianas e ocidentais estimam que mais de 10 mil soldados norte-coreanos se encontravam reunidos em Kursk, com o objetivo de ajudar as forças russas, na sua tentativa de expulsar as forças ucranianas do território russo.
Ainda no dia 14, o HUR informou que as forças norte-coreanas que operam em Kursk dispararam, recentemente, contra veículos do batalhão checheno “Akhmat” Spetsnaz e mataram oito elementos chechenos num incidente de fogo amigo, talvez causado pela barreira linguística entre as duas unidades. Depois, observou que a falta de capacidade de comunicação efetiva dificulta a coordenação de combate entre as duas tropas. E a Direção Principal dos Serviços de Informações Militares da Ucrânia afirmou que os militares russos estabeleceram protocolos de proteção especiais nos locais onde se encontra pessoal norte-coreano. De acordo com estes protocolos, os soldados russos devem ser submetidos a inspeções antes de entrarem nessas áreas e os seus telefones e dispositivos eletrónicos são confiscados.
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A 11 de dezembro, o almirante Samuel Paparo, comandante do Comando Indo-Pacífico dos EUA, revelara que as tropas norte-coreanas permaneciam nas zonas de combate, mas ainda não estavam a combater ativamente, assim como deu a conhecer que a Rússia tenciona fornecer caças MiG-29 e Su-27 à Coreia do Norte, no âmbito da crescente parceria militar entre os dois países.
A agência noticiosa ucraniana Defence Express afirma que a Coreia do Norte possui 18 MiG-29, 34 Su-25 e uma variedade de modelos MiG mais antigos, muitos dos quais poderão não estar operacionais. O Centro Nacional de Resistência ucraniano, gerido pelas forças armadas, informou, a 4 de dezembro, que soldados norte-coreanos têm estado estacionados em postos de observação e de controlo no Oblast de Kursk, na Rússia, como um “segundo escalão” não envolvido em combate direto. E os analistas do site de monitorização ucraniano DeepState Map, de fonte pública, informaram, a 10 de dezembro, que as forças russas tinham avançado na região de Sumy, perto da aldeia fronteiriça de Oleksandriya.
As alterações no mapa mostram que as forças russas ocupam cerca de dois quilómetros quadrados, em Sumy, e avançam em direção à região de Kursk. Porém, as autoridades regionais de Sumy, incluindo o chefe da administração militar Volodymyr Artyukh, rejeitam, com “falsos” os relatos de que as forças russas tinham violado a fronteira e descrevem-nos como desinformação. Já o grupo de reflexão ISW diz não ter observado indícios de forças russas a operar em Oleksandriya ou nas proximidades, mas confirma que as forças russas avançaram, recentemente, no principal saliente ucraniano na região de Kursk, no meio de combates contínuos na zona fronteiriça.
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A situação da guerra ultrapassa o âmbito militar. Por exemplo, a 20 de dezembro, o banco central da Rússia anunciou que mantém a taxa de juro de referência no nível recorde de 21%, o que suscita forte reação de influentes líderes empresariais. A medida surge apesar da elevada inflação sobre o consumidor, alimentada pelas despesas militares.
Elvira Nabiullina, governadora do banco central, justificou a medida explicando que os empréstimos às empresas se tornaram mais restritivos do que o esperado, devido à subida das taxas em outubro, que levou a taxa de referência ao nível recorde registado atualmente. Porém, o banco central manteve em aberto a possibilidade de um aumento na próxima reunião e afirmou que a inflação deverá descer para os 4%, no próximo ano, contra os atuais 9,5%.
As fábricas produzem tudo o que é necessário para os militares, desde veículos a vestuário, e a escassez de mão-de-obra faz subir os salários. Os grandes bónus de alistamento acrescentam mais rublos às contas bancárias das pessoas para gastar, o que faz subir os preços. E o enfraquecimento do rublo russo levou ao aumento dos preços de bens importados, como automóveis e eletrónica de consumo, da China, que se tornou o maior parceiro comercial da Rússia, desde que as sanções ocidentais interromperam as relações económicas com a Europa e com os EUA.
As despesas militares da Rússia são, em grande parte, suportadas pelas exportações de petróleo, deslocadas da Europa para novos clientes na Índia e na China, menos dispostos a respeitar as sanções que impõem um limite máximo de 57 euros por barril às vendas de petróleo russo.
Os críticos – entre os quais se contam Sergei Chemezov, diretor do conglomerado estatal de defesa e tecnologia Rostec, e o magnata do aço Alexei Mordashov – afirmam que as taxas elevadas travam a atividade empresarial e a economia. Com efeito, as taxas de juro elevadas atenuam a inflação, mas tornam mais dispendioso o crédito de que as empresas necessitam para funcionarem e para investirem.
A decisão do banco central colocou o presidente russo numa posição difícil, visto que muitos dos críticos da medida são oriundos do Kremlin. Assim, o crescente desalinhamento entre Vladimir Putin e o banco central torna-s mais evidente, com Putin a reconhecer as críticas. Na verdade, “alguns especialistas acreditam que o banco central poderia ter sido mais eficaz e poderia ter começado a usar certos instrumentos mais cedo”. E o presidente tem de manter a economia em crescimento e de garantir a estabilidade social, como sustenta Alexander Kolyandr, membro sénior do Centre for European Policy Analysis, considerando que a inflação não é boa receita para manter a sociedade estável e que “não há recursos suficientes no Estado para cumprir os três objetivos: crescimento, preços estáveis e despesas militares”.
Nabiullina “não se preocupa muito com a pressão dos empresários”, acrescenta Kolyandr, relevando que “ela é bastante independente e sabe que tem o apoio de Putin”, mas que “o abrandamento geral da economia teve definitivamente um papel importante”.
Em novembro, o banco central recorreu a outras formas de restringir a concessão de crédito para arrefecer a inflação, como a imposição de normas de crédito mais rigorosas e de requisitos regulamentares aos bancos. “Se isso foi bem-sucedido ou não, veremos no próximo ano. Mas, de momento, deu a Nabiullina a oportunidade de manter a taxa inalterada, de agradar aos industriais, aos políticos e ao próprio presidente Putin, e de se sentar e aguardar. […] Penso que as hipóteses de a taxa subir na próxima reunião são bastante elevadas”, vincou o especialista.
Todavia, apesar da taxa de inflação de 9,3%, Putin abriu a habitual conferência de imprensa anual, a 19 de dezembro, dizendo que a economia está no bom caminho para crescer cerca de 4% este ano. E acrescentou que, embora a inflação seja “um sinal alarmante”, os salários aumentaram ao mesmo ritmo e que, “no geral, esta situação é estável e segura”.
O banco central realizará a próxima reunião de política monetária no dia 14 de fevereiro de 2025.
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A situação não está famosa para os dois lados da guerra. Porém, a informação, no Ocidente, parece a favor da sorte da Ucrânia (os maus são os Russos e os seus aliados), o que pode configurar a propaganda e a informação-contrainformação que servem a guerra. Dizem, na minha aldeia: “Tempos de mentiras são o namoro, as eleições e a guerra!” A ver vamos.

2024.12.22 – Louro de Carvalho


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