quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

A nova Provedora de Justiça Europeia é a portuguesa Teresa Anjinho

 
A portuguesa Teresa Anjinho foi eleita, a 17 de dezembro, provedora de Justiça da União Europeia (UE), depois de ter vencido a concorrência de cinco outros candidatos para obter o apoio dos deputados do Parlamento Europeu (PE), devendo assumir funções em fevereiro, para um mandato de cinco anos.
A advogada de direitos humanos, que foi provedora de Justiça Adjunta de Portugal, entre 2017 e 2022, ganhou o apoio dos eurodeputados para suceder, na investigação da má administração na burocracia da UE, à irlandesa Emily O’Reilly, que foi, durante mais de uma década, responsável pela investigação de casos de má administração em organismos da UE, como a Comissão Europeia.
Numa audição com os eurodeputados, a 3 de dezembro, Anjinho comprometeu-se a “garantir que a nossa administração da UE adere aos mais elevados padrões de transparência e [de] ética e defende os direitos dos cidadãos europeus”. Os princípios de “equidade, integridade e confiança [...] são cruciais para reforçar a ligação entre as instituições e os seus cidadãos”, especificou.
Teresa Anjinho era uma de seis concorrentes ao cargo, tendo sido eleita após duas rondas de votação – superando o provedor de Justiça neerlandês, neerlandês Reinier van Zutphen (177 votos), a juíza do Supremo Tribunal da Estónia, Julia Laffranque (47 votos), a especialista austríaca independente do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, Claudia Mahler (15 votos), e os italianos Marino Fardelli, provedor de Justiça da Região do Lácio (14 votos), na Itália, e Emilio De Capitani (seis votos), advogado e académico.
Na segunda e última ronda de votações, Teresa Anjinho obteve a maioria absoluta de 344 eurodeputados, evitando a necessidade de terceira volta com o segundo classificado.
O voto é secreto, mas Teresa Anjinho terá conseguido o apoio do Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, o maior grupo do PE, ao qual esteve anteriormente ligada como deputada nacional pelo partido do Centro Democrático Social (CDS) e, durante um breve período, em 2015, como secretária de Estado da Justiça do XX Governo Constitucional, o segundo de Pedro Passos Coelho (de 27 dias). No entanto, procurou assegurar aos legisladores a sua “independência e imparcialidade”, mencionando o seu passado de académica e de vice-provedora de Justiça portuguesa. Talvez estivesse ciente de que os fortes laços políticos poderiam revelar-se um risco para um papel supostamente apolítico-partidário, no qual poderia ter de investigar colegas de partido como a presidente da Comissão Europeia.
A sua nomeação inicial, em setembro, contou com o apoio dos 21 eurodeputados portugueses, à exceção de um, o que sugere a sua capacidade de se aproximar de todos.
O trabalho do provedor de Justiça consiste, essencialmente, em responder a queixas apresentadas por Europeus que se viram confrontados com a burocracia da UE ou por jornalistas, ativistas ou organizações não-governamentais (ONG) que pretendem maior transparência por parte das instituições europeias. E O’Reilly, ex-jornalista que foi, anteriormente, provedora de Justiça da Irlanda, não tem tido receio de atrair a controvérsia, desde que assumiu o cargo em 2013, uma abordagem que a tornou popular no PE. Os casos de grande visibilidade incluem a intervenção em alegadas conversações sobre contratos de vacinas entre Ursula von der Leyen e o diretor da farmacêutica Pfizer, e a investigação da nomeação do alemão Martin Selmayr para o cargo de secretário-geral da Comissão, o cargo mais elevado do executivo da UE, do qual se demitiu.
Todavia, a atenção de O’Reilly não se centrou apenas na alta política, tendo afirmado que o seu caso preferido foi a obtenção de um passe parlamentar para o bebé de uma funcionária, permitindo-lhe continuar a trabalhar como intérprete enquanto amamentava.
Apesar da sua formação como advogada, Anjinho comprometeu-se a manter o foco no lado humano, e não legalista, do seu trabalho. “Cada queixa é um ato de confiança. As pessoas dirigem-se a nós, por vezes, sem sequer terem a noção do que diz a lei, apenas com a sensação de injustiça”, disse, anteriormente, à Euronews, vincando: “Nem tudo o que está na lei é justo, e nem tudo o que é justo está na lei.”
***
O cargo de provedor de Justiça Europeu foi criado em 1995, na sequência do Tratado de Maastrich; tem a sede em Estrasburgo, na França; e investiga queixas relativas a casos de má administração, por parte das instituições ou de outros organismos da UE. As queixas podem ser apresentadas por nacionais, por residentes dos países da UE ou por associações ou empresas estabelecidas na UE.
O provedor de Justiça investiga diferentes tipos de casos de má administração, por exemplo: comportamento abusivo, discriminação, abuso de poder, omissão de informação ou recusa de prestação de informações, atrasos desnecessários e não respeito pelos procedimentos.
O PE elege o provedor de Justiça por um período de cinco anos, renovável – uma das suas primeiras tarefas no início de cada mandato. E o provedor de Justiça apresenta um relatório anual de atividade ao PE.
O gabinete do provedor de Justiça, que é imparcial e não recebe ordens de qualquer governo ou entidade, pode dar início a um inquérito, na sequência de uma queixa ou por sua própria iniciativa.
O provedor de Justiça pode conseguir resolver o problema levantado, informando a instituição visada. Se forem necessárias mais medidas, procurará encontrar solução amigável para o problema. Se tal não for suficiente, poderá emitir recomendações dirigidas à instituição em causa. Se esta não aceitar as suas recomendações, o provedor de Justiça poderá elaborar um relatório especial dirigido ao PE, para que este tome as necessárias medidas políticas.
Se o cidadão não estiver satisfeito com uma instituição, órgão, serviço ou agência da UE, deve começar por lhe dar uma oportunidade para corrigir a situação. No caso de tal diligência falhar, pode apresentar queixa ao provedor de Justiça Europeu, no prazo de dois anos, a contar da data em que tomou conhecimento do problema. Ao apresentar queixa, deverá indicar, claramente, a sua identidade, a instituição ou órgão objeto da queixa e descrever o problema. Se quiser, pode solicitar que a queixa seja tratada confidencialmente. Caso não possa tratar a sua queixa, o provedor de Justiça informá-lo sobre outras entidades que o poderão ajudar.
***
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel veio logo a terreiro a felicitar, no X, a antiga governante, destacando que a eleição é “uma responsabilidade merecidíssima e um grande orgulho para Portugal”. Também o presidente do Conselho Europeu, António Costa falou num cargo “fundamental para criar confiança entre as instituições da UE e os cidadãos”.
A 18 de dezembro, a Universidade de Coimbra (UC) publicou uma nota a referir que a antiga estudante da UC é natural de Coimbra e licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da UC, em 1997. E pormenoriza:
“Teresa Anjinho, antiga estudante da Universidade de Coimbra (UC), foi eleita provedora de Justiça Europeia, nesta terça-feira (dia 17).
“A ‘alumna’ da UC, natural de Coimbra e licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da UC (em 1997), recebeu 344 votos a favor, numa votação no Parlamento Europeu, na qual participaram 654 eurodeputados.
“Criada em 1995, a Provedoria de Justiça Europeia investiga casos de má administração nas instituições, órgãos, organismos e agências da União Europeia, agindo por iniciativa própria ou em resposta a queixas de cidadãos dos Estados-membros que integram o bloco europeu.”
Por sua vez, o site do Parlamento refere que “Teresa Anjinho nasceu em Coimbra, em 1974”. E, a seguir, dá os pormenores:
“Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 1997”. Tornou-se “Mestre em Direitos Humanos e Democratização pela Universidade de Pádua, Itália (1998), e, “no mesmo ano”, ingressou num Curso em Direito Criminal Europeu pela Universidade de Maastrich, Departamento de Direito Internacional e Centro de Direitos Humanos, que concluiu É doutoranda em Direito pela Universidade Nova de Lisboa.
Deputada da Assembleia da República, em 2011-2015, eleita pelo círculo eleitoral de Aveiro, exerceu as funções de membro efetivo na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª Comissão), Subcomissão da Igualdade, na Comissão Eventual de Acompanhamento do Programa de Assistência Financeira a Portugal e na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES. Foi membro do Grupo Português para a População e Desenvolvimento e Conselheira do Conselho dos Julgados de Paz.
Exerceu funções de docente convidada na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (2006-2008), no Instituto Ius Gentium da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (desde 2009) e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (2009-2011). Publicou diversos artigos científicos na área dos direitos humanos e, em particular, do direito da igualdade.
Foi técnica superior no Ministério dos Negócios Estrangeiros, no Núcleo dos Balcãs da Direção-Geral de Política Externa, durante Presidência da União Europeia (2000). Efetuou o estágio da Comissão Europeia, na Direção-Geral de Relações Externas (1999), e do Parlamento Europeu, na Comissão das Liberdades Fundamentais, Subcomissão dos direitos humanos (1998).
É observadora eleitoral, com missões desempenhadas ao serviço da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Investigadora do Centro de Investigação CEDIS e do Centro de Investigação Antígona, Clínica de Direito da Igualdade e da Discriminação, ambos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Foi provedora adjunta de Justiça em Portugal, entre 2017 e 2022, e era, até agora, membro do Comité de Fiscalização do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), uma entidade que investiga, por exemplo, as fraudes nos Fundos Europeus.
***
Esperemos que também este impulso de uma personalidade portuguesa leve a UE a trilhar caminhos de maior seriedade, justiça e solidariedade, sem atropelos nem falhas.

2024.12.18 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário