A 11 de
dezembro, a União Europeia (UE) emitiu novas sanções contra a Rússia, visando a
“frota fantasma” de petroleiros velhos, mal conservados e sem seguro, que
Moscovo vem utilizando para contornar as restrições ocidentais ao comércio de
petróleo – ou seja, para vender o seu
petróleo bruto acima do limite de preços estabelecido pelos aliados ocidentais –,
por forma a manter uma fonte de receitas crucial para financiar a guerra contra
a Ucrânia.
O mau estado
da frota tem alimentado o receio de um desastre ambiental iminente perto ou
dentro das águas europeias. A falta de seguro adequado pode dificultar a
contenção dos danos no mar.
As sanções à
Rússia, seladas pelos embaixadores dos 27 estados-membros, durante uma reunião,
representam o 15.º pacote desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022,
mas incluem um conjunto de empresas chinesas suspeitas de facilitarem a
produção de drones pela Rússia.
“A UE e os
seus parceiros do G7 [o grupo dos países mais industrializados do Mundo] estão empenhados em manter a pressão sobre o Kremlin”,
disse Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia.
Os
pormenores específicos das restrições não estavam imediatamente disponíveis,
mas o pacote deve ser modesto, comparativamente com os anteriores. As
discussões iniciadas em novembro, após apelo do Parlamento Europeu (PE),
decorreram com pouca controvérsia entre os países, tendo o último a resistir
sido a Lituânia, que se queixou de uma derrogação que permite às empresas
europeias saírem do mercado russo.
Trata-se das
primeiras sanções acordadas durante a presidência húngara do Conselho da UE,
que muitos diplomatas temiam que atrasasse a ação na frente de guerra, devido à
insistência de Budapeste em manter laços estreitos com Moscovo.
É de
recordar que o limite de preços
que os aliados ocidentais introduziram, no final de 2022, para reduzir as vendas de
petróleo russo por via marítima em todo o Mundo, foi fixado em 60 dólares, por
barril de petróleo bruto, com a proibição de as empresas ocidentais prestarem serviços
aos petroleiros russos – como seguros, financiamento e sinalização –, que
vendem petróleo bruto acima do preço acordado.
Como saída,
Moscovo passou a utilizar navios-tanque envelhecidos e mal conservados, alguns
com mais de 20 anos, que utilizam estruturas obscuras de propriedade e de
seguros que escapam ao controlo dos aliados do G7, deslocando-se com “bandeiras
de conveniência” de países relutantes em seguir as sanções ocidentais, como o
Panamá, a Libéria e as Ilhas Marshall.
A “frota
fantasma” é acusada de práticas enganosas, incluindo a transmissão de dados
falsificados, o desligamento dos transportadores para se serem invisíveis aos
sistemas de satélite, e a realização de múltiplas transferências de navio para
navio, para ocultar a origem dos barris de petróleo.
Apesar dos
riscos, Moscovo conta com estes petroleiros para comercializar o seu petróleo
bruto, fonte essencial de receitas para financiar a invasão em grande escala da
Ucrânia e sustentar a economia de guerra de alta intensidade.
De acordo
com o Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA), entre fevereiro
de 2022 e junho de 2024, a Rússia obteve 475 mil milhões de euros em
receitas provenientes das exportações de petróleo, o que representa 68% do
total das receitas de exportação de combustíveis fósseis. A China e a Índia são
atualmente os principais compradores do petróleo russo, que é frequentemente
refinado nesses países e vendido no mercado da UE com rótulo diferente.
Embora não
haja um número oficial, devido ao secretismo do Kremlin, estima-se que esta
frota tenha mais de 600 navios. As sanções ora acordadas pelos países da UE
visam cerca de 50 navios pertencentes à “frota fantasma”. O pacote anterior
colocara 27 navios na lista negra, negando-lhes o acesso aos portos da UE e
proibindo a prestação de serviços comunitários.
***
Como se deixou entreler acima, esta decisão comunitária vem sendo discutida
e preparada. Com efeito, a 15 de novembro, o PE aprovou uma resolução que visa
limitar a possibilidade de a Rússia exportar petróleo bruto utilizando navios
obsoletos e escapando às sanções da UE e do G7. Por isso, os eurodeputados apelaram
à UE e aos seus 27 estados-membros para que tomem medidas contra a “frota
fantasma” desenvolvida por Moscovo, reforçando os controlos e as inspeções, utilizando
drones e satélites. Assim, todos os navios que navegam em águas europeias sem
seguro conhecido devem ser penalizados.
Os
eurodeputados instam ainda os estados-membros a proibirem todas as importações
de combustíveis fósseis russos, incluindo o gás natural liquefeito (GNL).
Para limitar
a capacidade financeira da Rússia e, consequentemente, a sua capacidade de
financiar a guerra na Ucrânia, a UE e o G7 impuseram um limite – fixado em 60 dólares, por barril – ao petróleo russo em
2022. Assim, para vender o seu ouro negro a preço elevado, Moscovo investiu
cerca de nove mil milhões de euros numa “frota fantasma” composta por navios velhos, com cerca de 20 anos,
em mau estado e nem sempre segurados. O objetivo é limitar a rastreabilidade
dos navios, que podem arvorar pavilhões estrangeiros: Gabão, Ilhas Cook, Panamá
e Libéria.
Este sistema
não é novo: países, como o Irão, a
Venezuela e a Coreia do Norte, já recorreram a uma “frota sombra”.
Porém, Moscovo destaca-se pela dimensão e sofisticação das suas operações.
Os
principais destinos destes navios russos são a Índia, a China e a Turquia. O petróleo seria depois refinado
no local, permitindo-lhe chegar à Europa sob a forma de subprodutos e
contornando as sanções.
Cerca de 600
navios da “frota fantasma” operam, principalmente, no Mar Báltico e no Mar
Negro, mas alguns relatórios apontam para 1400 navios, o que, segundo a Escola
de Economia de Kiev, permitiria que 70% do petróleo russo fosse exportado por
via marítima.
Moscovo
utiliza uma série de estratagemas para escapar ao radar. Os transbordos de petróleo são
efetuados em vários navios no alto mar. No âmbito destas operações, o petróleo
pode ser passado para outros navios, para dissimular a sua exata origem. Os sistemas de geolocalização por
satélite, conhecidos como transponders do
Sistema de Identificação Automática (SIA), podem ser desativados para encobrir
o seu rasto. E os barcos podem transmitir dados falsos, para escaparem à vigilância. Todos estes
dispositivos ameaçam a segurança no mar e aumentam o risco de colisões e de derrames de petróleo,
afetando vários países europeus, em caso de acidente.
O PE
sublinha ainda que a “frota fantasma” é uma ameaça para a segurança europeia,
podendo ser utilizada em eventuais
operações híbridas contra os interesses de um estado-membro.
***
Por falar em eventuais operações híbridas, segundo os observadores, há
ameaças híbridas que incluem a desinformação, os ciberataques e a sabotagem de infraestruturas
críticas.
Os recentes
danos nos cabos submarinos de telecomunicações no Mar Báltico, que ligam a
Alemanha, a Finlândia, a Lituânia e a Suécia, considerados atos de sabotagem,
significam a vulnerabilidade das infraestruturas críticas a ataques híbridos. E
as suspeitas incidem na Rússia.
Henrik Praks,
investigador do Centro Internacional de Segurança e Defesa (ICDS), com sede na
Estónia, sustenta, em declarações à Euronews,
que “as infraestruturas submarinas são muito importantes”, para os países
costeiros do Mar Báltico, em particular, para os países da costa oriental, os
Estados Bálticos e a Finlândia, porque “uma grande parte das ligações de dados
e das infraestruturas energéticas entre todos os países da UE passam por baixo
do Mar Báltico: cabos de dados, cabos de eletricidade, gasodutos”.
O risco é
elevado: 90% dos dados de
comunicações digitais do mundo passam por cabos submarinos. E o Mar
Báltico é zona estratégica vulnerável a ataques híbridos. Efetivamente, segundo
o investigador, “o ambiente marinho é regido por atos jurídicos específicos, em
que a liberdade universal de navegação decorrente do Direito do Mar oferece aos
Estados costeiros muito poucas possibilidades reais de prender e de processar
navios, como os navios mercantes, que possam estar envolvidos em atividades
ilegais”.
Por isso, o
Conselho da UE já condenou a intensificação da campanha russa de atividades
híbridas contra a UE, incluindo a desinformação, os ciberataques e a exploração
da migração.
Para Joris
Van Bladel, investigador do Instituto Egmont em Bruxelas, o objetivo destes
ataques híbridos é perturbar as sociedades ocidentais e incutir o medo na
população. Fazem-no, porque é mais barato, para os Russos, que não têm os meios
para as guerras diretas que pretendiam.
Isto não é
novo. Os Estados Bálticos têm sido sujeitos a ataques híbridos russos desde a
sua independência, na década de 1990, mas, nos últimos anos, estes ataques
têm-se intensificado.
Em 2016, a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO) declarou que os seus países-membros
poderiam invocar o artigo 5.º, que lhes permite ajudar um membro sob ataque, se
um ou mais deles forem alvo de atividades híbridas. Em maio deste ano, o
Conselho da UE aprovou um quadro para a coordenação da sua resposta a campanhas
híbridas, que inclui o destacamento de equipas de resposta rápida para obviar a
ameaças híbridas. E, num debate no PE, em Estrasburgo, em novembro, os
eurodeputados apelaram à UE para que não fechasse os olhos às técnicas de
guerra híbrida utilizadas pela Rússia na Europa, em particular no Mar Báltico.
Na verdade,
a UE deve utilizar a sua superioridade tecnológica, pelo que alguns
especialistas acham bem que a Comissão Europeia utilize o dinheiro do Mecanismo
Europeu de Interconexão (MEI), para investir em novos cabos de sensores capazes
de detetar rapidamente o que se passa no fundo do mar, pois, de outro modo,
será fácil a Rússia dizer que não foi ela.
As medidas
de dissuasão, incluindo a possibilidade de fechar o Mar Báltico, devem estar em
cima da mesa, considera um eurodeputado letão, mas é uma medida politicamente
sensível.
No entanto,
os ataques híbridos não se cingem aos Estados Bálticos. Em 2023, cerca de vinte
comboios polacos foram interrompidos, na sequência de um ataque por ondas de
rádio.
***
A Rússia,
tendo ou não muito poder, vem encontrando muitas formas de mostrar que tem poder.
No seu território, dificulta a vida (fala-se em tirá-la) as opositores e arregimenta
cidadãos para as suas guerras. Em alguns países ditos russófilos, mantêm-se os estigmas
dos antigos serviços secretos da União Soviética. Na Ucrânia – e, por ricochete,
na própria Rússia –, não se sabe quem mais destrói, mata, estropia ou afugenta.
Moscovo faz passar os seus navios pelo Oceano Ártico (aproveitando o degelo
crescente), pelo Oceano Atlântico (suspeita-se de cortes de alguns cabos submarinos)
e pelo Oceano Pacífico. No Mar Báltico, desenvolve atividades híbridas. E, um pouco
por toda a parte, faz passar a referida “frota fantasma”, para ultrapassar o
regime de sanções da parte do Ocidente.
E
é de não ignorar que a chegada, em meados de junho, de navios da marinha russa
e de um submarino
nuclear ao largo da costa cubana reavivou recordações
da Guerra Fria. Havana garantiu que a visita fazia parte de uma série de atividades diplomáticas, como
sinal das boas relações entre Havana e Moscovo. Os Estados Unidos da
América (EUA) e o Canadá, embora mandando navios para a zona, desvalorizaram o
caso e consideraram-no como uma não-ameaça. Porém, as relações entre a Rússia e
os EUA já tinham azedado. E os observadores anotaram que aquele ato era uma demonstração
de poder e de força a não subvalorizar.
Para
que disse Barack Obama que a Rússia era só uma potência regional? A Rússia não gostou.
2024.12.11 – Louro de Carvalho
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