A 3 de dezembro, o Kremlin advertiu, através do porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov,
que a eventual adesão da Ucrânia ao Tratado de Washington, fundador da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (NATO) constituiria, para a Rússia, uma ameaça “inaceitável”.
Foi deste modo que Moscovo reagiu às declarações de Volodymyr
Zelensky, a 29 de novembro, sugerindo ceder territórios ucranianos capturados,
em troca de uma adesão à Aliança Atlântica.
Dmitry Peskov afirmou que “uma
decisão deste tipo é inaceitável para a Rússia, porque seria um acontecimento
ameaçador”.
Entretanto, à entrada de uma reunião dos ministros dos Negócios
Estrangeiros dos 32 países membros da NATO (uma cimeira de dois dias), em
Bruxelas, o seu secretário-geral, Mark Rutte, afirmou que os aliados devem
aumentar a ajuda militar à Ucrânia, de modo a fortalecer a posição de Kiev,
caso o país inicie negociações com Moscovo para pôr fim à guerra. “Todos precisamos
de fazer mais. Quanto mais forte
for o nosso apoio à Ucrânia agora, mais forte ela será na mesa de negociações”,
vincou, acrescentando: “Putin não está interessado na paz. Está a pressionar, a
tentar ganhar mais território, porque acredita que consegue quebrar a
determinação da Ucrânia e a nossa também, mas está enganado.”
Estas declarações de Mark Rutte chegam depois de o presidente
ucraniano ter sugerido que seria
possível chegar a acordo de cessar-fogo, se o território ucraniano que controla
fosse colocado “sob a alçada da NATO”, mesmo que a Rússia não devolva,
imediatamente, os territórios apreendidos.
Também, a 3 de dezembro, o ministro dos Negócios
Estrangeiros português revelou que os membros da NATO estão a ponderar uma
recomendação de convite à Ucrânia para aderir à NATO, sem estipular calendário,
face ao pedido do governo ucraniano para um convite imediato. “Sobre a questão
do imediato, aquilo que se perfila como possível, e esperemos que haja consenso
para isso, é que haja uma recomendação dos ministros [dos Negócios
Estrangeiros], não propriamente um endosso da adesão, no imediato. Penso que
para isso não haverá consenso”, declarou Paulo Rangel no quartel-general da
NATO, em Bruxelas, na Bélgica, indicando que pode ser equacionada a “ideia de
uma eventual recomendação para a cimeira [da NATO] de Haia [nos Países Baixos,
em julho de 2025], para que esse convite seja ponderado”, o que “pode ser um
resultado [das discussões entre os ministros com a pasta da diplomacia]”, não
sabendo “se haverá consenso para isso”.
Em causa está uma carta do ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano,
Andrii Sybiha, a cada um dos homólogos dos países que integram a NATO pedindo
convite para aderir à organização político-militar, como elemento crucial para
um processo de paz.
Em entrevista à estação britânica Sky News, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky explicou que
a adesão à Aliança Atlântica teria de ser oferecida às partes não ocupadas do
país, para pôr fim à “fase quente da guerra”, desde que o próprio convite da
NATO legitimasse as fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia. Porém,
a 1 de dezembro, alterou a sua posição, explicando que o convite para a entrada na NATO deverá
estender-se a todo o território ucraniano, incluindo as regiões ocupadas
pela Rússia.
Numa entrevista ao Observador, o presidente do Conselho Europeu, António
Costa, considerou que o Mundo cairia no caos, se um país como a Rússia
conseguisse impor a alteração das fronteiras da Ucrânia pela força. Paralelamente,
o porta-voz do Kremlin, nas declarações de 3 de dezembro, vincou que a decisão
dos Estados Unidos da América (EUA) de enviar mais armas para a Ucrânia, no
valor de 725 milhões de dólares, revela que a Administração de Joe Biden está
determinada a “deitar gasolina ao fogo”, só para atingir os seus objetivos,
impedindo que “esta guerra acalme”. No entanto, este e outros pacotes de ajuda
não conseguem mudar o rumo dos acontecimentos nem a dinâmica na linha da frente,
segundo Dmitry Peskov.
Assim, as autoridades ucranianas referiram, a 3 de dezembro que
novos ataques russos a infraestruturas no país causaram cortes generalizados de energia no Oeste,
a centenas de quilómetros da linha da frente. “Durante a última noite,
um drone russo atingiu uma infraestrutura elétrica em Ternopil, cidade com mais
de 220 mil habitantes”, informou o responsável da região, Serguiï Nadal, na
rede social Telegram, acrescentando que
“parte da cidade está sem eletricidade” e apelando aos residentes para que se
abasteçam de água e carreguem os telefones.
Segundo os especialistas, a
Rússia está a tentar destruir as linhas de transmissão de energia das fábricas
localizadas no Oeste e no Leste da Ucrânia. Ternopil foi
atingida, a 2 de dezembro, por outro ataque com um drone, que matou um civil e feriu, pelo menos, três
pessoas, depois de, em novembro, ter sofrido cortes de energia, que
deixaram milhares de pessoas sem eletricidade.
Outro ataque
noturno de Moscovo atingiu a região de Rivne, segundo revelou a administração
regional. “A infraestrutura energética foi o alvo”, disse o governador
Oleksandr Koval.
Também, a 3 de
dezembro, o exército russo reivindicou a conquista
de duas aldeias no Leste e no Sul da Ucrânia, onde as suas tropas, mais
numerosas do que as de Kiev, estão a atacar e a ganhar terreno. Em comunicado,
o Ministério da Defesa russo avançou que as suas forças tomaram as aldeias de
Romanivka, na região de Donetsk (Leste), a cerca de nove quilómetros da
importante cidade de Kurakhove, e de Novodarivka, na região de Zaporizhia (Sul).
***
Em artigo
intitulado “NATO deve concentrar-se na ajuda militar à
Ucrânia e não num acordo de paz, diz o líder da aliança”, publicado pela Euronews, a 3 de dezembro, Alice Tidey sustenta
que “os aliados [da
NATO] estão empenhados em reforçar a defesa e a posição da Ucrânia na guerra,
antes de Donald Trump retomar o poder nos EUA, dentro de pouco mais de um mês”,
pelo que deverão “concentrar-se mais na prestação de assistência militar à Ucrânia, para que
esta possa travar o avanço lento, mas constante, da Rússia, do que na discussão
de um possível acordo de paz”, segundo o líder da Aliança Atlântica.
Efetivamente, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos 32 países membros
da aliança militar estão reunidos em Bruxelas para uma cimeira de dois dias,
com a Ucrânia no topo da agenda. E o secretário-geral, Mark Rutte, disse aos
jornalistas, em conferência de imprensa, horas antes do início da cimeira, que “a
coisa mais crucial que temos de fazer agora” é garantir “que a Ucrânia, sempre
que decidir entrar em conversações de paz, o faça a partir de uma posição de
força”.
Com efeito, segundo o estratego, “a Ucrânia não precisa de mais ideias
sobre o que poderia ser um processo de paz”, pelo que é nisto que se vão
concentrar, nos próximos dois dias, os ministros: “Como conseguir mais ajuda
militar para a Ucrânia, mais defesa antimíssil para a Ucrânia, melhor
coordenação de tudo o que estamos a fazer?”
Esta é a última reunião com a presença do secretário de Estado dos EUA,
Antony Blinken, pois a nova administração norte-americana, liderada por Donald
Trump, tomará posse a 20 de janeiro. E o presidente eleito republicano afirmou que
poderia acabar com a guerra, nos dias seguintes à sua tomada de posse,
provocando receios de que Washington possa cortar os apoios a Kiev e impor
concessões territoriais dolorosas como parte de um acordo de paz com a Rússia.
O ímpeto da guerra, que dura mais de mil dias, está do lado russo, com a
linha da frente a deslocar-se para Oeste, enquanto a ofensiva ucraniana na
região russa de Kursk está a estagnar. A defesa de Moscovo em Kursk tem sido
apoiada pela Coreia do Norte, que enviou, para ali, mais de dez mil soldados.
Entretanto, o Irão e a China forneceram à Rússia tecnologias militares e de
dupla utilização, que utilizou para atacar infraestruturas civis e, em
particular, energéticas, na Ucrânia.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, a 2 de dezembro, admitiu à
agência japonesa Kyodo que o “exército
ucraniano não tem força” para retomar alguns dos territórios ocupados pela
Rússia, restando-lhe “encontrar soluções diplomáticas”. E reiterou o apelo para
que o seu país se torne membro da NATO, o mais rapidamente possível.
É certo que, nos últimos meses, a Ucrânia assinou uma série de acordos
bilaterais de segurança com países ocidentais, mas, para Kiev, nenhuma garantia
de segurança se aproxima da adesão plena à aliança militar, para dissuadir
qualquer futura agressão russa.
A este respeito, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, em
comunicado divulgado na manhã de 3 de dezembro, afirmou: “Com a amarga
experiência do Memorando de Budapeste atrás de nós, não aceitaremos quaisquer
alternativas, substitutos ou substitutos para a adesão plena da Ucrânia à NATO.
[…] Convidar a Ucrânia a aderir à NATO agora será um contra-ataque eficaz à
chantagem russa e privará o Kremlin das suas ilusões sobre a possibilidade de
impedir a integração euro-atlântica da Ucrânia. É também a única hipótese de
parar a erosão dos princípios fundamentais da não-proliferação nuclear e restaurar
a confiança no desarmamento nuclear.”
O Memorando de Budapeste, de 5 de dezembro de 1994, prevê que a Ucrânia
abandone o seu arsenal nuclear, em troca de garantias da Rússia de que não
utilizará a força ou a coerção económica contra a sua integridade territorial
ou independência política. No entanto, Rutte afirmou que os acordos bilaterais
fazem parte do caminho da Ucrânia para a adesão plena. “Durante a cimeira de
Washington [de julho de 2024], concordámos com o caminho irreversível para a
NATO”, disse aos jornalistas. “Portanto, isto está a acontecer passo a passo”,
vincou.
***
Na verdade, a Rússia – ou melhor, a Federação Russa – queixa-se de que o
Ocidente desrespeitou os tratados, ao fazer avançar a NATO, bem como a União
Europeia (UE), para lá da Alemanha. Porém, a Ucrânia acusa a Federação Russa de
não cumprir os seus compromissos, nomeadamente, os constantes do Tratado de
Budapeste.
Com efeito, nos termos da Declaração do
Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia – divulgada a 3 de dezembro, por
ocasião do 30.º aniversário do Memorando sobre Garantias de Segurança em conexão com a adesão da Ucrânia
ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, também conhecido por Memorando de Budapeste, que passa a 5 de
dezembro –, “este documento deveria fornecer à Ucrânia garantias de
segurança, soberania e integridade territorial, em troca da renúncia ao terceiro
maior arsenal nuclear do Mundo, tornando-se “um passo significativo no fortalecimento
do desarmamento nuclear global” e servindo “como um exemplo para outros estados
desistirem de armas nucleares”.
Contudo,
em 2014, a Federação
Russa, uma das garantidoras da segurança da Ucrânia sob o Memorando, “descaradamente
desconsiderou este documento e o direito internacional, em geral, e lançou a sua
agressão contra a Ucrânia [ocupando a Crimeia], que se transformou numa invasão
em grande escala, em 2022”. E a Declaração sustenta que tais ações “são uma
clara violação do direito internacional, em particular, da Carta da ONU, que
obriga os estados a respeitar a soberania e a integridade territorial de outros
países e se baseia no princípio da não utilização ou ameaça de força”.
O Memorando falhou em impedir a agressão
da Rússia, como estado com armas nucleares, contra a Ucrânia, estado que
renunciou ao seu arsenal nuclear. As consultas mútuas previstas, que a Ucrânia
tentou repetidamente iniciar, não se realizaram. A violação do Memorando criou “um
precedente perigoso que minou a confiança na própria ideia de desarmamento
nuclear”. Ao invés, há tentativas ativas de vários países, das regiões do
Indo-Pacífico e do Médio Oriente à área Euro-Atlântica, para criar ou expandir os
seus arsenais nucleares. Assim, o fracasso do Memorando em cumprir as suas
funções levou ao aumento catastrófico nas ameaças à segurança, não só para a
Ucrânia, mas também para outros países e regiões, incluindo a Europa, a área
Euro-Atlântica, a Ásia Central e do Sudeste Asiático, o Oriente Médio e a paz e
a segurança internacionais em geral.
É, pois, o Memorando de Budapeste um
monumento à miopia na tomada de decisões estratégicas de segurança. Devia
servir como lembrete aos líderes da comunidade Euro-Atlântica de que construir
uma arquitetura de segurança europeia à custa dos interesses da Ucrânia, em vez
de os levar em consideração, está condado ao fracasso. “Não fornecer à Ucrânia
garantias de segurança reais e efetivas, na década de 1990, foi um erro estratégico
que Moscovo explorou. Esse erro deve ser corrigido. A Ucrânia deve receber
garantias de segurança claras e juridicamente vinculativas que se alinhem com
sua contribuição significativa para o desarmamento nuclear global e a
manutenção da paz e segurança internacionais”, lê-se na Declaração.
Por isso, a Ucrânia pede aos EUA e ao
Reino Unido, signatários do Memorando de Budapeste, à França e à China, que
aderiram a ele, e a todos os estados-partes do Tratado de Não Proliferação de
Armas Nucleares, que apoiem o fornecimento de garantias de segurança eficazes
ao país, na convicção de que “a única garantia real de segurança para a
Ucrânia, bem como um impedimento a novas agressões russas contra a Ucrânia e
outros estados, é a plena adesão da Ucrânia à NATO”.
Postergando “a amarga experiência do
Memorando de Budapeste”, a Ucrânia não aceitará quaisquer alternativas,
substitutos ou substitutos para a plena adesão da Ucrânia à NATO”. Assim, convidar
o país a juntar-se à NATO, tornar-se-á “um contraponto eficaz à chantagem russa
e privará o Kremlin de suas ilusões sobre a possibilidade de dificultar a
integração euro-atlântica da Ucrânia” e será “a única forma de parar a erosão
dos princípios-chave da não proliferação nuclear e de restaurar a confiança no
desarmamento nuclear”.
O 30.º aniversário da assinatura do
Memorando de Budapeste é uma oportunidade para dar um passo efetivo para a
adesão ao Tratado de Washington, dizem as autoridades ucranianas.
***
O grande problema da Ucrânia é o cansaço
da guerra, com mais de cem mil desertores. Assim, para a Ucrânia ter posição militar
de força para negociar com a Rússia, como quer o secretário-geral da NATO, terão
os aliados de intervir no terreno com armas e combatentes, o que implica declaração
de guerra à Rússia. E, se os aliados da Rússia avançarem, será a guerra mundial.
Por outro lado, qualquer diplomata sabe quão
temerário é um país em guerra aderir à Aliança.
2024.12.03 – Louro de
Carvalho
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