terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Rússia avisa que adesão da Ucrânia à NATO seria ameaça inaceitável

 

A 3 de dezembro, o Kremlin advertiu, através do porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, que a eventual adesão da Ucrânia ao Tratado de Washington, fundador da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) constituiria, para a Rússia, uma ameaça “inaceitável”.

Foi deste modo que Moscovo reagiu às declarações de Volodymyr Zelensky, a 29 de novembro, sugerindo ceder territórios ucranianos capturados, em troca de uma adesão à Aliança Atlântica.

Dmitry Peskov afirmou que “uma decisão deste tipo é inaceitável para a Rússia, porque seria um acontecimento ameaçador”.

Entretanto, à entrada de uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 32 países membros da NATO (uma cimeira de dois dias), em Bruxelas, o seu secretário-geral, Mark Rutte, afirmou que os aliados devem aumentar a ajuda militar à Ucrânia, de modo a fortalecer a posição de Kiev, caso o país inicie negociações com Moscovo para pôr fim à guerra. “Todos precisamos de fazer mais. Quanto mais forte for o nosso apoio à Ucrânia agora, mais forte ela será na mesa de negociações”, vincou, acrescentando: “Putin não está interessado na paz. Está a pressionar, a tentar ganhar mais território, porque acredita que consegue quebrar a determinação da Ucrânia e a nossa também, mas está enganado.”

Estas declarações de Mark Rutte chegam depois de o presidente ucraniano ter sugerido que seria possível chegar a acordo de cessar-fogo, se o território ucraniano que controla fosse colocado “sob a alçada da NATO”, mesmo que a Rússia não devolva, imediatamente, os territórios apreendidos.

Também, a 3 de dezembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros português revelou que os membros da NATO estão a ponderar uma recomendação de convite à Ucrânia para aderir à NATO, sem estipular calendário, face ao pedido do governo ucraniano para um convite imediato. “Sobre a questão do imediato, aquilo que se perfila como possível, e esperemos que haja consenso para isso, é que haja uma recomendação dos ministros [dos Negócios Estrangeiros], não propriamente um endosso da adesão, no imediato. Penso que para isso não haverá consenso”, declarou Paulo Rangel no quartel-general da NATO, em Bruxelas, na Bélgica, indicando que pode ser equacionada a “ideia de uma eventual recomendação para a cimeira [da NATO] de Haia [nos Países Baixos, em julho de 2025], para que esse convite seja ponderado”, o que “pode ser um resultado [das discussões entre os ministros com a pasta da diplomacia]”, não sabendo “se haverá consenso para isso”.

Em causa está uma carta do ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Andrii Sybiha, a cada um dos homólogos dos países que integram a NATO pedindo convite para aderir à organização político-militar, como elemento crucial para um processo de paz.

Em entrevista à estação britânica Sky News, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky explicou que a adesão à Aliança Atlântica teria de ser oferecida às partes não ocupadas do país, para pôr fim à “fase quente da guerra”, desde que o próprio convite da NATO legitimasse as fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia. Porém, a 1 de dezembro, alterou a sua posição, explicando que o convite para a entrada na NATO deverá estender-se a todo o território ucraniano, incluindo as regiões ocupadas pela Rússia.

Numa entrevista ao Observador, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, considerou que o Mundo cairia no caos, se um país como a Rússia conseguisse impor a alteração das fronteiras da Ucrânia pela força. Paralelamente, o porta-voz do Kremlin, nas declarações de 3 de dezembro, vincou que a decisão dos Estados Unidos da América (EUA) de enviar mais armas para a Ucrânia, no valor de 725 milhões de dólares, revela que a Administração de Joe Biden está determinada a “deitar gasolina ao fogo”, só para atingir os seus objetivos, impedindo que “esta guerra acalme”. No entanto, este e outros pacotes de ajuda não conseguem mudar o rumo dos acontecimentos nem a dinâmica na linha da frente, segundo Dmitry Peskov.

Assim, as autoridades ucranianas referiram, a 3 de dezembro que novos ataques russos a infraestruturas no país causaram cortes generalizados de energia no Oeste, a centenas de quilómetros da linha da frente. “Durante a última noite, um drone russo atingiu uma infraestrutura elétrica em Ternopil, cidade com mais de 220 mil habitantes”, informou o responsável da região, Serguiï Nadal, na rede social Telegram, acrescentando que “parte da cidade está sem eletricidade” e apelando aos residentes para que se abasteçam de água e carreguem os telefones.

Segundo os especialistas, a Rússia está a tentar destruir as linhas de transmissão de energia das fábricas localizadas no Oeste e no Leste da Ucrânia. Ternopil foi atingida, a 2 de dezembro, por outro ataque com um drone, que matou um civil e feriu, pelo menos, três pessoas, depois de, em novembro, ter sofrido cortes de energia, que deixaram milhares de pessoas sem eletricidade.

Outro ataque noturno de Moscovo atingiu a região de Rivne, segundo revelou a administração regional. “A infraestrutura energética foi o alvo”, disse o governador Oleksandr Koval.

Também, a 3 de dezembro, o exército russo reivindicou a conquista de duas aldeias no Leste e no Sul da Ucrânia, onde as suas tropas, mais numerosas do que as de Kiev, estão a atacar e a ganhar terreno. Em comunicado, o Ministério da Defesa russo avançou que as suas forças tomaram as aldeias de Romanivka, na região de Donetsk (Leste), a cerca de nove quilómetros da importante cidade de Kurakhove, e de Novodarivka, na região de Zaporizhia (Sul).

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Em artigo intitulado “NATO deve concentrar-se na ajuda militar à Ucrânia e não num acordo de paz, diz o líder da aliança”, publicado pela Euronews, a 3 de dezembro, Alice Tidey sustenta que os aliados [da NATO] estão empenhados em reforçar a defesa e a posição da Ucrânia na guerra, antes de Donald Trump retomar o poder nos EUA, dentro de pouco mais de um mês”, pelo que deverãoconcentrar-se mais na prestação de assistência militar à Ucrânia, para que esta possa travar o avanço lento, mas constante, da Rússia, do que na discussão de um possível acordo de paz”, segundo o líder da Aliança Atlântica.

Efetivamente, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos 32 países membros da aliança militar estão reunidos em Bruxelas para uma cimeira de dois dias, com a Ucrânia no topo da agenda. E o secretário-geral, Mark Rutte, disse aos jornalistas, em conferência de imprensa, horas antes do início da cimeira, que “a coisa mais crucial que temos de fazer agora” é garantir “que a Ucrânia, sempre que decidir entrar em conversações de paz, o faça a partir de uma posição de força”.

Com efeito, segundo o estratego, “a Ucrânia não precisa de mais ideias sobre o que poderia ser um processo de paz”, pelo que é nisto que se vão concentrar, nos próximos dois dias, os ministros: “Como conseguir mais ajuda militar para a Ucrânia, mais defesa antimíssil para a Ucrânia, melhor coordenação de tudo o que estamos a fazer?”

Esta é a última reunião com a presença do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pois a nova administração norte-americana, liderada por Donald Trump, tomará posse a 20 de janeiro. E o presidente eleito republicano afirmou que poderia acabar com a guerra, nos dias seguintes à sua tomada de posse, provocando receios de que Washington possa cortar os apoios a Kiev e impor concessões territoriais dolorosas como parte de um acordo de paz com a Rússia.

O ímpeto da guerra, que dura mais de mil dias, está do lado russo, com a linha da frente a deslocar-se para Oeste, enquanto a ofensiva ucraniana na região russa de Kursk está a estagnar. A defesa de Moscovo em Kursk tem sido apoiada pela Coreia do Norte, que enviou, para ali, mais de dez mil soldados. Entretanto, o Irão e a China forneceram à Rússia tecnologias militares e de dupla utilização, que utilizou para atacar infraestruturas civis e, em particular, energéticas, na Ucrânia.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, a 2 de dezembro, admitiu à agência japonesa Kyodo que o “exército ucraniano não tem força” para retomar alguns dos territórios ocupados pela Rússia, restando-lhe “encontrar soluções diplomáticas”. E reiterou o apelo para que o seu país se torne membro da NATO, o mais rapidamente possível.

É certo que, nos últimos meses, a Ucrânia assinou uma série de acordos bilaterais de segurança com países ocidentais, mas, para Kiev, nenhuma garantia de segurança se aproxima da adesão plena à aliança militar, para dissuadir qualquer futura agressão russa.

A este respeito, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, em comunicado divulgado na manhã de 3 de dezembro, afirmou: “Com a amarga experiência do Memorando de Budapeste atrás de nós, não aceitaremos quaisquer alternativas, substitutos ou substitutos para a adesão plena da Ucrânia à NATO. […] Convidar a Ucrânia a aderir à NATO agora será um contra-ataque eficaz à chantagem russa e privará o Kremlin das suas ilusões sobre a possibilidade de impedir a integração euro-atlântica da Ucrânia. É também a única hipótese de parar a erosão dos princípios fundamentais da não-proliferação nuclear e restaurar a confiança no desarmamento nuclear.”

O Memorando de Budapeste, de 5 de dezembro de 1994, prevê que a Ucrânia abandone o seu arsenal nuclear, em troca de garantias da Rússia de que não utilizará a força ou a coerção económica contra a sua integridade territorial ou independência política. No entanto, Rutte afirmou que os acordos bilaterais fazem parte do caminho da Ucrânia para a adesão plena. “Durante a cimeira de Washington [de julho de 2024], concordámos com o caminho irreversível para a NATO”, disse aos jornalistas. “Portanto, isto está a acontecer passo a passo”, vincou.

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Na verdade, a Rússia – ou melhor, a Federação Russa – queixa-se de que o Ocidente desrespeitou os tratados, ao fazer avançar a NATO, bem como a União Europeia (UE), para lá da Alemanha. Porém, a Ucrânia acusa a Federação Russa de não cumprir os seus compromissos, nomeadamente, os constantes do Tratado de Budapeste.

Com efeito, nos termos da Declaração do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia – divulgada a 3 de dezembro, por ocasião do 30.º aniversário do Memorando sobre Garantias de Segurança em conexão com a adesão da Ucrânia ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, também conhecido por Memorando de Budapeste, que passa a 5 de dezembro –, “este documento deveria fornecer à Ucrânia garantias de segurança, soberania e integridade territorial, em troca da renúncia ao terceiro maior arsenal nuclear do Mundo, tornando-se “um passo significativo no fortalecimento do desarmamento nuclear global” e servindo “como um exemplo para outros estados desistirem de armas nucleares”.

Contudo, em 2014, a Federação Russa, uma das garantidoras da segurança da Ucrânia sob o Memorando, “descaradamente desconsiderou este documento e o direito internacional, em geral, e lançou a sua agressão contra a Ucrânia [ocupando a Crimeia], que se transformou numa invasão em grande escala, em 2022”. E a Declaração sustenta que tais ações “são uma clara violação do direito internacional, em particular, da Carta da ONU, que obriga os estados a respeitar a soberania e a integridade territorial de outros países e se baseia no princípio da não utilização ou ameaça de força”.

O Memorando falhou em impedir a agressão da Rússia, como estado com armas nucleares, contra a Ucrânia, estado que renunciou ao seu arsenal nuclear. As consultas mútuas previstas, que a Ucrânia tentou repetidamente iniciar, não se realizaram. A violação do Memorando criou “um precedente perigoso que minou a confiança na própria ideia de desarmamento nuclear”. Ao invés, há tentativas ativas de vários países, das regiões do Indo-Pacífico e do Médio Oriente à área Euro-Atlântica, para criar ou expandir os seus arsenais nucleares. Assim, o fracasso do Memorando em cumprir as suas funções levou ao aumento catastrófico nas ameaças à segurança, não só para a Ucrânia, mas também para outros países e regiões, incluindo a Europa, a área Euro-Atlântica, a Ásia Central e do Sudeste Asiático, o Oriente Médio e a paz e a segurança internacionais em geral.

É, pois, o Memorando de Budapeste um monumento à miopia na tomada de decisões estratégicas de segurança. Devia servir como lembrete aos líderes da comunidade Euro-Atlântica de que construir uma arquitetura de segurança europeia à custa dos interesses da Ucrânia, em vez de os levar em consideração, está condado ao fracasso. “Não fornecer à Ucrânia garantias de segurança reais e efetivas, na década de 1990, foi um erro estratégico que Moscovo explorou. Esse erro deve ser corrigido. A Ucrânia deve receber garantias de segurança claras e juridicamente vinculativas que se alinhem com sua contribuição significativa para o desarmamento nuclear global e a manutenção da paz e segurança internacionais”, lê-se na Declaração.

Por isso, a Ucrânia pede aos EUA e ao Reino Unido, signatários do Memorando de Budapeste, à França e à China, que aderiram a ele, e a todos os estados-partes do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que apoiem o fornecimento de garantias de segurança eficazes ao país, na convicção de que “a única garantia real de segurança para a Ucrânia, bem como um impedimento a novas agressões russas contra a Ucrânia e outros estados, é a plena adesão da Ucrânia à NATO”.

Postergando “a amarga experiência do Memorando de Budapeste”, a Ucrânia não aceitará quaisquer alternativas, substitutos ou substitutos para a plena adesão da Ucrânia à NATO”. Assim, convidar o país a juntar-se à NATO, tornar-se-á “um contraponto eficaz à chantagem russa e privará o Kremlin de suas ilusões sobre a possibilidade de dificultar a integração euro-atlântica da Ucrânia” e será “a única forma de parar a erosão dos princípios-chave da não proliferação nuclear e de restaurar a confiança no desarmamento nuclear”.

O 30.º aniversário da assinatura do Memorando de Budapeste é uma oportunidade para dar um passo efetivo para a adesão ao Tratado de Washington, dizem as autoridades ucranianas.

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O grande problema da Ucrânia é o cansaço da guerra, com mais de cem mil desertores. Assim, para a Ucrânia ter posição militar de força para negociar com a Rússia, como quer o secretário-geral da NATO, terão os aliados de intervir no terreno com armas e combatentes, o que implica declaração de guerra à Rússia. E, se os aliados da Rússia avançarem, será a guerra mundial.

Por outro lado, qualquer diplomata sabe quão temerário é um país em guerra aderir à Aliança.

2024.12.03 – Louro de Carvalho

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