Mais de 20 após o início das negociações, a União Europeia (UE) e os países
do Mercosul – a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai (a Bolívia aderiu
em 2024, pelo que não participou nas negociações anteriores) – firmaram um
acordo comercial, que estabelece uma
zona de comércio livre que abrange 780 milhões de pessoas, como
anunciou, a 6 de dezembro, a presidente da Comissão Europeia, durante uma
cimeira de dois dias (5 e 6 de dezembro), em Montevideu, no Uruguai. No entanto, o acordo terá de ser selado pelos
27 estados-membros da UE, bem como pelo Parlamento Europeu (PE).
Ursula von der Leyen considera o dia do fecho do acordo, “ambicioso e equilibrado”, como um “marco verdadeiramente histórico”
Há várias semanas, a França que se opõe ao acordo, tem tentado convencer os seus parceiros – a Itália, a Áustria, a Polónia e os Países Baixos – a travá-lo. A Polónia anunciou, oficialmente, a intenção de se juntar a uma coligação que se opõe ao acordo e, em declaração publicada no dia 6, a Itália condicionou a sua anuência a garantias para os seus agricultores. E os votos da Irlanda, dos Países Baixos e da Áustria (esta votou contra o texto de 2019) são objeto de dúvidas.
Perante a oposição francesa, 11 estados-membros da UE enviaram, em setembro, uma carta a Ursula von der Leyen, instando a Comissão a acelerar o processo. Para os seus apoiantes, o acordo abrirá novos mercados para os Europeus, mantendo a influência na região, quando a China está a aumentar os seus investimentos na América Latina. Já os opositores estão preocupados com a concorrência das importações de produtos agrícolas para a Europa.
Um porta-voz da Comissão, sobre a futura assinatura do acordo pelos
estados-membros da UE, declarou que “o acordo político final” agora alcançado é
“apenas uma primeira fase de um longo processo”. E o chanceler alemão, Olaf
Scholz, considerou, no X, que “isto
criará um mercado livre para mais de 700 milhões de pessoas, com mais crescimento
e competitividade”.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, também reagiu, no X, dizendo que “a Espanha vai trabalhar para garantir que este acordo seja aprovado no Conselho, porque a abertura comercial com os nossos amigos latino-americanos vai tornar-nos a todos mais prósperos e resistentes”.
Partido Popular Europeu (PPE), o maior grupo de centro-direita, declarou, em comunicado, que “a conclusão do acordo comercial entre a UE e o Mercosul constitui um marco histórico no reforço dos laços entre duas regiões que partilham valores e ambições”.
A responder às preocupações sobre o acordo, um alto funcionário da Comissão explicou que “este é um acordo manifestamente diferente”, em comparação com 2019, quando um projeto de texto foi bloqueado por alguns estados-membros, já liderados pela França, devido a preocupações ambientais e agrícolas. No último trecho das negociações, segundo o alto funcionário, os Europeus introduziram normas ambientais como elementos “essenciais”. Assim, uma das partes poderá suspender, parcial ou totalmente o acordo, se essas normas não forem respeitadas. Foram introduzidos compromissos para pôr termo à desflorestação ilegal nos países do Mercosul e deverão ser eliminados os direitos aduaneiros proibidos sobre mercadorias como o vinho, o queijo, as bebidas espirituosas, o chocolate, os automóveis ou o vestuário.
Foram introduzidos contingentes limitados para produtos sensíveis como a carne de bovino, as aves de capoeira ou o açúcar. Para o setor da carne de bovino, serão importadas 99 mil toneladas por ano, o que representa cerca de 1,6% da produção total da UE. Estes produtos serão “gradualmente introduzidos, ao longo de sete anos”, frisou outro alto funcionário da Comissão, referindo que foram acrescentadas salvaguardas, em caso de perturbações do mercado na UE.
“Certos setores vão lucrar: em França, o vinho está a sofrer, consideravelmente, devido à diminuição das exportações”, disse o mesmo funcionário.
A conclusão de um acordo surge num momento delicado para o presidente francês, Emmanuel Macron, que defendeu, pessoalmente, a oposição da França e que se vê confrontado com a tarefa de nomear um novo governo, na sequência do colapso da administração do primeiro-ministro, Michel Barnier, a 5 de dezembro, mercê da aprovação de uma opção de desconfiança por parte da esquerda e da extrema-direita, em reação à provação do orçamento da Segurança Social pelo governo sem aprovação parlamentar, nos termos de uma cláusula constitucional de exceção, devido ao défice elevado e ao volume da dívida pública.
O sueco Jörgen Warborn, do PPE sustenta que há 216 milhões de consumidores do lado da América Latina e cerca de 450 milhões da UE. Será um mercado enorme, o mercado comum, que “irá ajudar os consumidores, porque terão mais opções e mais produtos para escolher”, podendos também ajudar a vencer a inflação. Por outro lado, sustenta que é “uma grande oportunidade para os agricultores e para os produtores de alimentos”. Todavia, há alguns produtos sensíveis, que merecem atenção, o que a Comissão Europeia fez. Assim, há “contingentes pautais”, segundo os quais produtos sensíveis “não podem entrar em demasia”. E há “indemnização” aos agricultores, se continuarem a ser prejudicados. Além disso, o acordo constitui um pacote muito bom para o clima, pois acolhe “o compromisso de aplicar, efetivamente, o Acordo de Paris” e tem “um capítulo sobre sustentabilidade que também abrange a biodiversidade, por exemplo”.
A belga Saskia Bricmont, dos Verdes/ALE, no atinente aos benefícios para os consumidores europeus, diz que é difícil vê-los, porque “a redução das tarifas permite importar mais produtos provenientes do setor agrícola, principalmente, carne de bovino e aves de capoeira, mas também mel, por exemplo”. Sustenta que “os agricultores serão afetados pela importação de produtos que não respeitam as mesmas normas sociais e ambientais”, utilizando produtos químicos e produtos que a UE a exporta e que são proibidos na UE, o que se refletirá, por exemplo, na soja ou na produção de carne, não sendo respeitadas “as condições de concorrência equitativas”, e havendo concorrência desleal entre os produtos importados para a Europa, quando os agricultores já enfrentam muitas dificuldades. Por outro lado, o acordo tem por base um mandato com 20 anos, o que significa que as questões climáticas e de biodiversidade não estão a ser tidas em conta e que esses elementos não são aplicáveis, o que significa que terá um impacto negativo nas alterações climáticas, sobretudo, devido à desflorestação.
Com a assinatura do acordo, a Europa poderá exportar, muito mais facilmente, automóveis, maquinaria, pesticidas, produtos farmacêuticos, vinho e queijo. Por outro lado, poderá importar peças de automóvel e produtos alimentares, a preço muito mais baixo, dos países sul-americanos.
Não obstante, muitos agricultores acreditam que o tratado pode devastar o setor agrícola europeu e provocar concorrência desleal. E Stéphane Joandel, produtor de leite francês e secretário-geral de um sindicato de agricultores, menciona os regulamentos para produzir alimentos em quantidade e qualidade, quando outros países, nomeadamente, os da América do Sul, “não têm a mesma regulamentação”. É, pois, incoerente “pedir aos agricultores que produzam, respeitando todas as normas, e depois importem produtos que não respeitam o bem-estar animal, as regras ambientais ou mesmo as leis laborais”.
Por isso, os agricultores europeus exigem “cláusulas-espelho” que obriguem os seus concorrentes a seguir as mesmas regras e regulamentos. E, embora a Comissão Europeia garanta que os países do Mercosul terão de cumprir as regras e regulamentos, um relatório recente afirma que o Brasil não tem garantias suficientes para assegurar que a carne com hormonas proibidas na UE não chegue ao continente.
Assim, o acordo contabiliza vencedores e perdedores. Segundo Charlotte Emlinger, economista especializada em comércio e agricultura, os vencedores são a indústria transformadora em setores como o automóvel, o farmacêutico, a maquinaria, os têxteis e outros, bem como os produtores de vinho e queijo franceses. Já os perdedores são os setores da carne de bovino e de aves de capoeira.
Porém, a economista acredita que “o impacto do Mercosul será muito limitado”, pois o que foi negociado é “a redução dos direitos aduaneiros para um determinado volume de produtos, como um volume relativamente pequeno de carne de bovino”.
Com efeito, 99 mil toneladas de carne de bovino representam apenas 1,2% do consumo europeu de carne de bovino” (há quem aponte 1,6%, como foi referido). Seja como for, “estes volumes terão um impacto limitado no mercado europeu”, segundo a economista, que sustenta: “A cólera dos agricultores é compreensível e até legítima. Trata-se de um setor economicamente muito frágil, que teve, recentemente, de fazer face a doenças e a intempéries. Penso que o Mercosul é mais a gota de água do que o cerne do problema.”
Vários pesos pesados da UE são a favor do tratado, incluindo a Alemanha, Portugal e Espanha. Luis Planas Puchades, ministro da Agricultura espanhol, questiona se a UE está interessada em fechar-se sobre si própria ou em expandir a rede dos seus acordos comerciais com países terceiros, para manter a sua influência económica e comercial.
A França opôs-se, claramente, ao Tratado Mercosul, juntamente com a Polónia, a Áustria e os Países Baixos. No dia 4, a Câmara Baixa do Parlamento francês votou, quase por unanimidade contra o acordo, uma rara demonstração de unidade num país politicamente dividido. Porém, a votação foi meramente simbólica, já que, para bloquear o acordo, a França teria de reunir três países da UE que representam 35% da população da UE. Para já, o único país populoso que se juntou à França foi a Polónia. Assim, Paris terá de encontrar mais dois grandes países para formar a minoria de bloqueio. E, para o efeito, tem vindo a cortejar nações como a Itália e a Roménia, com populações mais numerosas, para tentar atingir o limiar necessário para travar o acordo.
Em 28 de junho de 2019, foi alcançado um acordo político para abrir o comércio entre os 27 estados-membros da UE e os quatro membros fundadores do bloco sul-americano.
A França tem-se mantido firme na oposição, mas terá de convencer quatro países que representam 35 % da população da UE a impedirem a aprovação do Mercosul. A Alemanha e a Espanha lideravam a coligação de 11 estados-membros a favor do acordo e interessados em encontrar novas oportunidades comerciais, quando Donald Trump ameaçava a UE com uma guerra comercial e a UE quer reduzir a sua dependência dos mercados chineses. A Irlanda, o quinto maior exportador de carne de bovino do Mundo, está muito preocupada, temendo que a concorrência reduza para metade os preços nos seus principais mercados europeus, como é o caso de França. E os agricultores belgas protestaram contra o acordo. Porém, resta saber se os países se juntarão a França e tentarão impedir o acordo.
Entretanto, a Alemanha e a Espanha estão a apoiar fortemente o acordo. Os alemães estão a antecipar um aumento das exportações devido ao acordo, segundo Lora Verheecke, professora de política comercial europeia na Universidade Católica de Lille, que explica: “Para a Alemanha, temos claramente as exportações de automóveis, mas também as exportações de produtos químicos, farmacêuticos e pesticidas. Na Espanha, temos exportações de produtos agrícolas, mas, sobretudo, de produtos agrícolas com elevado valor acrescentado. Estamos a pensar no azeite e no presunto Serrano, por exemplo.”
Ursula von der Leyen considera o dia do fecho do acordo, “ambicioso e equilibrado”, como um “marco verdadeiramente histórico”
Há várias semanas, a França que se opõe ao acordo, tem tentado convencer os seus parceiros – a Itália, a Áustria, a Polónia e os Países Baixos – a travá-lo. A Polónia anunciou, oficialmente, a intenção de se juntar a uma coligação que se opõe ao acordo e, em declaração publicada no dia 6, a Itália condicionou a sua anuência a garantias para os seus agricultores. E os votos da Irlanda, dos Países Baixos e da Áustria (esta votou contra o texto de 2019) são objeto de dúvidas.
Perante a oposição francesa, 11 estados-membros da UE enviaram, em setembro, uma carta a Ursula von der Leyen, instando a Comissão a acelerar o processo. Para os seus apoiantes, o acordo abrirá novos mercados para os Europeus, mantendo a influência na região, quando a China está a aumentar os seus investimentos na América Latina. Já os opositores estão preocupados com a concorrência das importações de produtos agrícolas para a Europa.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, também reagiu, no X, dizendo que “a Espanha vai trabalhar para garantir que este acordo seja aprovado no Conselho, porque a abertura comercial com os nossos amigos latino-americanos vai tornar-nos a todos mais prósperos e resistentes”.
Partido Popular Europeu (PPE), o maior grupo de centro-direita, declarou, em comunicado, que “a conclusão do acordo comercial entre a UE e o Mercosul constitui um marco histórico no reforço dos laços entre duas regiões que partilham valores e ambições”.
A responder às preocupações sobre o acordo, um alto funcionário da Comissão explicou que “este é um acordo manifestamente diferente”, em comparação com 2019, quando um projeto de texto foi bloqueado por alguns estados-membros, já liderados pela França, devido a preocupações ambientais e agrícolas. No último trecho das negociações, segundo o alto funcionário, os Europeus introduziram normas ambientais como elementos “essenciais”. Assim, uma das partes poderá suspender, parcial ou totalmente o acordo, se essas normas não forem respeitadas. Foram introduzidos compromissos para pôr termo à desflorestação ilegal nos países do Mercosul e deverão ser eliminados os direitos aduaneiros proibidos sobre mercadorias como o vinho, o queijo, as bebidas espirituosas, o chocolate, os automóveis ou o vestuário.
Foram introduzidos contingentes limitados para produtos sensíveis como a carne de bovino, as aves de capoeira ou o açúcar. Para o setor da carne de bovino, serão importadas 99 mil toneladas por ano, o que representa cerca de 1,6% da produção total da UE. Estes produtos serão “gradualmente introduzidos, ao longo de sete anos”, frisou outro alto funcionário da Comissão, referindo que foram acrescentadas salvaguardas, em caso de perturbações do mercado na UE.
“Certos setores vão lucrar: em França, o vinho está a sofrer, consideravelmente, devido à diminuição das exportações”, disse o mesmo funcionário.
A conclusão de um acordo surge num momento delicado para o presidente francês, Emmanuel Macron, que defendeu, pessoalmente, a oposição da França e que se vê confrontado com a tarefa de nomear um novo governo, na sequência do colapso da administração do primeiro-ministro, Michel Barnier, a 5 de dezembro, mercê da aprovação de uma opção de desconfiança por parte da esquerda e da extrema-direita, em reação à provação do orçamento da Segurança Social pelo governo sem aprovação parlamentar, nos termos de uma cláusula constitucional de exceção, devido ao défice elevado e ao volume da dívida pública.
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No momento em que as negociações
estavam a aquecer em Montevideu, dois eurodeputados falaram à Euronews sobre alguns conteúdos deste
acordo.O sueco Jörgen Warborn, do PPE sustenta que há 216 milhões de consumidores do lado da América Latina e cerca de 450 milhões da UE. Será um mercado enorme, o mercado comum, que “irá ajudar os consumidores, porque terão mais opções e mais produtos para escolher”, podendos também ajudar a vencer a inflação. Por outro lado, sustenta que é “uma grande oportunidade para os agricultores e para os produtores de alimentos”. Todavia, há alguns produtos sensíveis, que merecem atenção, o que a Comissão Europeia fez. Assim, há “contingentes pautais”, segundo os quais produtos sensíveis “não podem entrar em demasia”. E há “indemnização” aos agricultores, se continuarem a ser prejudicados. Além disso, o acordo constitui um pacote muito bom para o clima, pois acolhe “o compromisso de aplicar, efetivamente, o Acordo de Paris” e tem “um capítulo sobre sustentabilidade que também abrange a biodiversidade, por exemplo”.
A belga Saskia Bricmont, dos Verdes/ALE, no atinente aos benefícios para os consumidores europeus, diz que é difícil vê-los, porque “a redução das tarifas permite importar mais produtos provenientes do setor agrícola, principalmente, carne de bovino e aves de capoeira, mas também mel, por exemplo”. Sustenta que “os agricultores serão afetados pela importação de produtos que não respeitam as mesmas normas sociais e ambientais”, utilizando produtos químicos e produtos que a UE a exporta e que são proibidos na UE, o que se refletirá, por exemplo, na soja ou na produção de carne, não sendo respeitadas “as condições de concorrência equitativas”, e havendo concorrência desleal entre os produtos importados para a Europa, quando os agricultores já enfrentam muitas dificuldades. Por outro lado, o acordo tem por base um mandato com 20 anos, o que significa que as questões climáticas e de biodiversidade não estão a ser tidas em conta e que esses elementos não são aplicáveis, o que significa que terá um impacto negativo nas alterações climáticas, sobretudo, devido à desflorestação.
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Centenas de
agricultores têm protestado, nas últimas semanas, em França e noutros países
europeus, contra o acordo de comércio livre entre a UE e o bloco sul-americano
constituído pelo Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia – conhecido
como Mercosul.
Afinal, em que consiste
o Mercosul? É um acordo de comércio livre cujo objetivo é eliminar quase todos
os impostos sobre os produtos comercializados entre os dois blocos signatários.
Isto redundará na criação de uma das maiores zonas de comércio livre do Mundo,
abrangendo 750 milhões de pessoas e cerca de um quinto da economia mundial.Com a assinatura do acordo, a Europa poderá exportar, muito mais facilmente, automóveis, maquinaria, pesticidas, produtos farmacêuticos, vinho e queijo. Por outro lado, poderá importar peças de automóvel e produtos alimentares, a preço muito mais baixo, dos países sul-americanos.
Não obstante, muitos agricultores acreditam que o tratado pode devastar o setor agrícola europeu e provocar concorrência desleal. E Stéphane Joandel, produtor de leite francês e secretário-geral de um sindicato de agricultores, menciona os regulamentos para produzir alimentos em quantidade e qualidade, quando outros países, nomeadamente, os da América do Sul, “não têm a mesma regulamentação”. É, pois, incoerente “pedir aos agricultores que produzam, respeitando todas as normas, e depois importem produtos que não respeitam o bem-estar animal, as regras ambientais ou mesmo as leis laborais”.
Por isso, os agricultores europeus exigem “cláusulas-espelho” que obriguem os seus concorrentes a seguir as mesmas regras e regulamentos. E, embora a Comissão Europeia garanta que os países do Mercosul terão de cumprir as regras e regulamentos, um relatório recente afirma que o Brasil não tem garantias suficientes para assegurar que a carne com hormonas proibidas na UE não chegue ao continente.
Assim, o acordo contabiliza vencedores e perdedores. Segundo Charlotte Emlinger, economista especializada em comércio e agricultura, os vencedores são a indústria transformadora em setores como o automóvel, o farmacêutico, a maquinaria, os têxteis e outros, bem como os produtores de vinho e queijo franceses. Já os perdedores são os setores da carne de bovino e de aves de capoeira.
Porém, a economista acredita que “o impacto do Mercosul será muito limitado”, pois o que foi negociado é “a redução dos direitos aduaneiros para um determinado volume de produtos, como um volume relativamente pequeno de carne de bovino”.
Com efeito, 99 mil toneladas de carne de bovino representam apenas 1,2% do consumo europeu de carne de bovino” (há quem aponte 1,6%, como foi referido). Seja como for, “estes volumes terão um impacto limitado no mercado europeu”, segundo a economista, que sustenta: “A cólera dos agricultores é compreensível e até legítima. Trata-se de um setor economicamente muito frágil, que teve, recentemente, de fazer face a doenças e a intempéries. Penso que o Mercosul é mais a gota de água do que o cerne do problema.”
Vários pesos pesados da UE são a favor do tratado, incluindo a Alemanha, Portugal e Espanha. Luis Planas Puchades, ministro da Agricultura espanhol, questiona se a UE está interessada em fechar-se sobre si própria ou em expandir a rede dos seus acordos comerciais com países terceiros, para manter a sua influência económica e comercial.
A França opôs-se, claramente, ao Tratado Mercosul, juntamente com a Polónia, a Áustria e os Países Baixos. No dia 4, a Câmara Baixa do Parlamento francês votou, quase por unanimidade contra o acordo, uma rara demonstração de unidade num país politicamente dividido. Porém, a votação foi meramente simbólica, já que, para bloquear o acordo, a França teria de reunir três países da UE que representam 35% da população da UE. Para já, o único país populoso que se juntou à França foi a Polónia. Assim, Paris terá de encontrar mais dois grandes países para formar a minoria de bloqueio. E, para o efeito, tem vindo a cortejar nações como a Itália e a Roménia, com populações mais numerosas, para tentar atingir o limiar necessário para travar o acordo.
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Após 25 anos de negociações, o acordo
de comércio livre UE-Mercosul continua a não ter o apoio unânime dos estados-membros,
já que os receios quanto ao futuro do setor agrícola colidem com as
necessidades estratégicas do bloco.Em 28 de junho de 2019, foi alcançado um acordo político para abrir o comércio entre os 27 estados-membros da UE e os quatro membros fundadores do bloco sul-americano.
A França tem-se mantido firme na oposição, mas terá de convencer quatro países que representam 35 % da população da UE a impedirem a aprovação do Mercosul. A Alemanha e a Espanha lideravam a coligação de 11 estados-membros a favor do acordo e interessados em encontrar novas oportunidades comerciais, quando Donald Trump ameaçava a UE com uma guerra comercial e a UE quer reduzir a sua dependência dos mercados chineses. A Irlanda, o quinto maior exportador de carne de bovino do Mundo, está muito preocupada, temendo que a concorrência reduza para metade os preços nos seus principais mercados europeus, como é o caso de França. E os agricultores belgas protestaram contra o acordo. Porém, resta saber se os países se juntarão a França e tentarão impedir o acordo.
Entretanto, a Alemanha e a Espanha estão a apoiar fortemente o acordo. Os alemães estão a antecipar um aumento das exportações devido ao acordo, segundo Lora Verheecke, professora de política comercial europeia na Universidade Católica de Lille, que explica: “Para a Alemanha, temos claramente as exportações de automóveis, mas também as exportações de produtos químicos, farmacêuticos e pesticidas. Na Espanha, temos exportações de produtos agrícolas, mas, sobretudo, de produtos agrícolas com elevado valor acrescentado. Estamos a pensar no azeite e no presunto Serrano, por exemplo.”
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O acordo é um pau de dois bicos: favorece a circulação de bens, mas com produção
em circunstâncias desiguais, nomeadamente, a nível de regulamentos e de
preocupações com a biodiversidade e com o clima. Resta saber se os ganhos superam
as perdas.
2024.12.06 – Louro de Carvalho
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