A
24 de dezembro, pelas 19 horas, Francisco inaugurou o Jubileu de 2025, com a
abertura da Porta Santa, na Basílica de São Pedro, em Roma, gesto a repetir na
prisão de Rebibbia, também em Roma, pelas 9 horas de 26 de dezembro, festa do
protomártir Santo Estêvão.
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Na
homilia da missa de inauguração do Ano Santo do Jubileu ou Ano Jubilar, a
coincidir com a celebração litúrgica da Noite de Natal, o Santo Padre apoiou-se
na boa nova proclamada pelo anjo, envolto em luz e a iluminar a noite,
anunciando aos pastores a grande alegria “para todo o povo” de que acabara de
nascer, na cidade de David, o Salvador, “o Messias Senhor”. Assim, no espanto
dos pobres e no canto angélico, o Céu abre-se à Terra e “Deus fez-se um de nós”,
para sermos como Ele, para “nos reerguer e nos reconduzir ao abraço do Pai”.
Deus é o “Emanuel”
ou Deus connosco, pois o infinitamente grande fez-se pequeno, “na pequenez de
uma criança”. E “Deus vem, mesmo quando o nosso coração parece uma pobre
manjedoura”, pelo que “a esperança não está morta”, antes “envolve a nossa vida
para sempre” e “não desilude”.
A abertura da
Porta Santa, segundo o Pontífice, permite a cada um “entrar no mistério desse
anúncio de graça”. E a esperança, cuja porta “foi escancarada para o Mundo”,
garante-nos que “Deus perdoa tudo”, que “Deus perdoa sempre”.
Para acolher
o dom de Deus, somos instados “a pôr-nos a caminho”, com o espanto e a pressa dos
pastores de Belém. Assim, reencontraremos “a esperança perdida” e a renovaremos,
em nós, para a semearmos “nas desolações do nosso tempo e do nosso Mundo”. E o
Papa coloca o dedo na ferida das desolações hodiernas: as guerras, as crianças
metralhadas, as bombas nas escolas e nos hospitais – o que nos impele, sem
demora, a deixar-nos “atrair pela boa nova”.
Apressemo-nos,
exorta o Papa, a ver, de coração leve e desperto, “o Senhor que nasceu para nós”,
“para podermos então traduzir a esperança nas situações da nossa vida”. Com
feito, “a esperança cristã não é um final feliz que deve ser aguardado
passivamente”, mas “a promessa do Senhor a ser acolhida aqui e agora, nesta
terra que sofre e geme”, contra o arrastamento nos hábitos, contra a detenção
na mediocridade e na preguiça. Como dizia Santo Agostinho, a esperança postula
“que nos indignemos com as coisas que não estão bem e tenhamos a coragem de as
mudar”, feitos “peregrinos em busca da verdade, sonhadores que nunca se cansam
[…] que se deixam inquietar pelo sonho de Deus, que é o sonho de um Mundo novo,
onde reinem a paz e a justiça”.
O exemplo dos
pastores mostra que “a esperança que nasce, nesta noite, não tolera a
indolência dos sedentários e a preguiça dos que se acomodaram no seu próprio
conforto”, nem “admite a falsa prudência dos que não se arriscam, por medo de
se comprometerem, e o calculismo dos que só pensam em si próprios”.
Simultaneamente, “é incompatível com a vida tranquila dos que não levantam a
voz contra o mal e contra as injustiças cometidas diretamente sobre os mais
pobres”. A esperança, ao convidar-nos “a esperar, pacientemente, que o Reino
germine e cresça, exige de nós a audácia de antecipar, hoje, essa promessa”, através
da responsabilidade e da compaixão.
Olhando o
modo como nos acomodamos, adaptando-nos à mentalidade do Mundo, um padre
escritor pedia a Deus “um pouco de tormento, de inquietação e de remorso”,
gostando de ficar contente, no Natal, “mas também insatisfeito”: contente, pelo
que Deus faz, mas “insatisfeito, por causa da minha falta de respostas” e pelo “desejo
de algo mais”. Se ficarmos parados, ocorre em nós, o que mesmo que à água
parada, que é a primeira a corromper-se, sublinha o Papa.
A esperança
cristã é o “algo mais” que nos impele a avançar “apressadamente”. Efetivamente,
como diz Francisco, “nós, discípulos do Senhor, somos convidados a encontrar
n’Ele a nossa maior esperança e a levá-la sem demora, como peregrinos de luz
nas trevas do Mundo”.
Assim, o
Jubileu “é o tempo da esperança”, do convite à redescoberta da alegria do
encontro com o Senhor, à renovação espiritual e ao compromisso “na
transformação do Mundo”, de modo que “a nossa mãe Terra” deixe de ser
desfigurada “pela lógica do lucro”, que “os países mais pobres” deixem de ficar
“sobrecarregados de dívidas injustas” e que ninguém seja prisioneiro de antigas
ou de novas escravidões.
A todos se
estende “o dom e o compromisso de levar a esperança aonde ela se perdeu”, “a
vida está ferida, nas expectativas traídas, nos sonhos desfeitos, nos fracassos
que despedaçam o coração, no cansaço de quem já não aguenta mais, na solidão
amarga de quem se sente derrotado, no sofrimento que consome a alma, nos dias
longos e vazios dos encarcerados, nos aposentos estreitos e frios dos pobres,
nos lugares profanados pela guerra e pela violência”. Enfim, no dizer do Papa, o
Jubileu é para que a todos seja dada a esperança do Evangelho, do amor, do
perdão.
O presépio
leva-nos a observar a ternura de Deus manifestada no rosto do Menino Jesus e
questiona-nos: “Há, no nosso coração, esta expetativa? Há, no nosso coração,
esta esperança? […] Ao contemplar a bondade de Deus que vence a nossa
desconfiança e os nossos medos, contemplemos também a grandeza da esperança que
nos aguarda. […] Que esta visão da esperança ilumine o nosso caminho
quotidiano” (C. M. Martini, Homilia de Natal, 1980).
É para cada
um que se abre a “porta santa” do coração de Deus. Jesus, Deus-connosco, nasce
para cada pessoa. E, “com Ele, a alegria floresce”, “a vida muda” e “a
esperança não desilude”.
***
No Dia de
Natal, antes da Bênção Urbi et Orbi
(à Cidade e ao Mundo), desde o balcão central da Basílica de São Pedro, o Santo
Padre focou-se na renovação do “mistério que não cessa de nos maravilhar e
comover: a Virgem Maria deu à luz Jesus, o Filho de Deus, envolveu-O em panos e
recostou-O numa manjedoura”. Foi assim que os pastores, alegres, O encontraram
e os anjos cantavam: “Glória a Deus e paz aos homens.”
Este
acontecimento, de há mais de dois mil anos, é renovado pelo Espírito Santo, o
Espírito de Amor e de Vida que fecundou o ventre de Maria, formando da sua carne
humana Jesus. Assim, nas tribulações do nosso tempo, encarna-se, de novo, a
Palavra de salvação, que diz a cada pessoa e ao Mundo: “Eu amo-te, perdoo-te,
volta para mim, a porta do meu coração está aberta para ti!” E, clamando que “a
porta do coração de Deus está sempre aberta” Francisco exorta a que voltemos para
Deus e a que nos deixemos perdoar por Ele, porque “Ele perdoa tudo, perdoa
sempre”.
É, segundo o
Pontífice, este o significado da Porta Santa do Jubileu aberta em São Pedro, a
qual “representa Jesus, a Porta da salvação aberta para todos”, ou seja, “Porta
que o Pai misericordioso abriu no meio do Mundo, no meio da História”, para
todos voltarmos para Ele, pois “todos nós somos como ovelhas tresmalhadas e
precisamos de um Pastor e de uma Porta para regressarmos à casa do Pai”. E
“Jesus é o Pastor, Jesus é a Porta”, que está aberta e escancarada.
Importa não
ter medo, porque nem é necessário “bater à porta”. Por isso, como pede
Francisco, deixemo-nos reconciliar com Deus, para nos reconciliarmos connosco
mesmos e uns com os outros, até com os inimigos. Com efeito, “a misericórdia de
Deus tudo pode, desfaz todos os nós, derruba todos os muros de divisão”, e dissolve
o ódio e o espírito de vingança.
Às vezes,
paramos apenas na soleira, sem a coragem de a atravessar, porque a porta nos
interpela, exigindo o abandono das contendas e divisões, para nos entregarmos “nos
braços abertos do Menino, que é o Príncipe da Paz”. Neste sentido, o Papa
convida “todas as pessoas, todos os povos e nações a terem a coragem de
atravessar a Porta, a tornarem-se peregrinos da esperança, a calarem as armas” e “a
superarem as divisões”.
Pede o
silenciamento das armas na Ucrânia e “a audácia de abrir a porta às negociações
e aos gestos de diálogo e de encontro”, com vista a “uma paz justa e duradoura”.
Com os olhos
postos no presépio de Belém, o Pontífice pensa nas comunidades cristãs da
Palestina e de Israel e, em particular, na comunidade de Gaza, onde “a situação
humanitária é gravíssima” e exorta a um cessar-fogo, à libertação dos reféns e à
ajuda à população esgotada pela fome e pela guerra. Sente-se próximo da “comunidade
cristã no Líbano, especialmente a do Sul, e da que se encontra na Síria, neste
momento tão delicado”. Quer a abertura das portas do diálogo e da paz em toda a
região do Médio Oriente, dilacerada pelo conflito. E recorda “o povo líbio,
encorajando-o a procurar soluções que permitam a reconciliação nacional”.
Deseja “um
tempo de esperança às famílias de milhares de crianças que estão a morrer,
devido a uma epidemia de sarampo na República Democrática do Congo”, “às
populações do Leste do país e às do Burkina Faso, do Mali, do Níger e de
Moçambique”, vincando que “a crise humanitária que as afeta é causada,
principalmente, por conflitos armados e pelo flagelo do terrorismo, e é
agravada pelos efeitos devastadores das alterações climáticas, que provocam a
perda de vidas humanas e o deslocamento forçado de milhões de pessoas”. E pensa
nos povos do “Corno de África”, para os quais implora “os dons da paz, da
concórdia e da fraternidade”, desejando que Jesus “sustente os esforços da
comunidade internacional para facilitar o acesso da população civil do Sudão à
ajuda humanitária e para suscitar novas negociações em vista de um cessar-fogo”.
Na Ásia, a
atenção do Santo Padre vai para os “habitantes de Myanmar, que sofrem imenso,
devido aos contínuos confrontos armados, e são obrigados a fugir das próprias
casas”. E, na América, deseja que “o Menino Jesus inspire as autoridades
políticas e todas as pessoas de boa vontade” daquele continente, para que, “na
verdade e na justiça, encontrem, quanto antes, soluções eficientes, para
promover a harmonia social”. Pensa, especialmente, “no Haiti, na Venezuela, na Colômbia
e na Nicarágua”, para se trabalhar, sobretudo, no Ano Jubilar, “na construção
do bem comum e na redescoberta da dignidade de cada pessoa, superando as
divisões políticas”.
Todas estas
preocupações pontifícias radicam no espírito do tempo jubilar, visto como uma “oportunidade
para derrubar todos os muros de separação”, sejam os ideológicos, a marcar a
vida política, sejam os físicos, “como a divisão que, há 50 anos, atinge a ilha
do Chipre e que dilacerou o seu tecido humano e social”. Aí, é de procurar uma
solução compartilhada, “que ponha termo à divisão, respeitando, plenamente, os
direitos e a dignidade de todas as comunidades cipriotas”.
Insiste o
Papa em que “Jesus, o Verbo eterno de Deus feito homem, é a Porta escancarada”,
que todos “somos convidados a atravessar para redescobrirmos o sentido da
existência e a sacralidade de todas as vidas” e “para recuperar os valores
basilares da família humana”. Ele espera-nos na soleira da porta, com especial
atenção pelos mais frágeis: as “crianças que sofrem por causa da guerra e da
fome”; os idosos, muitas vezes, “obrigados a viver em condições de solidão e de
abandono”; os que “perderam a própria casa ou fogem da sua terra, para tentar
encontrar um refúgio seguro”; os que “perderam ou não encontram trabalho”; os
prisioneiros que, apesar de tudo, continuam a ser filhos de Deus”; e os “perseguidos
por causa da sua fé” (e são tantos!).
É típico
deste Papa, em dia de festa, salientar o dever de gratidão, neste caso,
gratidão para com os/as que, silenciosa e fielmente, “se dedicam ao bem”: os
pais, os educadores e os professores, “que têm a grande responsabilidade de
formar as gerações futuras”; os profissionais de saúde, as forças de segurança,
os que se empenham em obras de caridade, especialmente, os missionários
espalhados pelo Mundo, que “levam a luz e o conforto a tantas pessoas em
dificuldade”.
Por fim, o
Santo Padre pretende que o Jubileu ocasione o “perdão das dívidas,
sobretudo, as que oneram os países mais pobres”. Ao mesmo tempo, sustenta que
“cada um é chamado a perdoar as ofensas recebidas, porque o Filho de Deus, que
nasceu no frio e na escuridão da noite, nos perdoa tudo” e “veio para nos curar
e perdoar”. E exorta: “Peregrinos da esperança, saiamos ao seu encontro!
Abramos-Lhe as portas do nosso coração. Abramos-Lhe as portas do nosso coração,
tal como Ele nos escancarou a porta do seu Coração.”
***
Não há
dúvida: Francisco é o Pontífice do Evangelho profundo, que se incarna nas dores
e nas alegrias das pessoas e nas aspirações dos povos. É um arauto, um
construtor e uma imagem da Igreja peregrina, com os pés no caminho, de mãos
dadas e de olhos no céu.
2024.12.25 – Louro de Carvalho
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