segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Perseguição religiosa contraria libertação trazida pelo Natal de Cristo

 

Cristo veio ao Mundo com vista à fraternidade. Porém, nem sempre os seus seguidores estiveram em sintonia com este desígnio e fizeram vítimas ocasionais e em massa, quando, sentindo-se a pisar terreno seguro, se tornaram intolerantes para quem tinha ideias práticas diferentes.

Simultaneamente, sofrem a perseguição por ódio à fé ou por excesso de ira, sob a capa de atentado à cultura ou à ordem pública. Nesta quadra natalícia, também se registam exemplos.  

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De acordo com a agência Fides (agência de informação das Obras Missionárias Pontifícias), em 2024, foram assassinados 13 “missionários” católicos em todo o Mundo, sendo oito sacerdotes e cinco leigos. África, com seis vítimas, e América, com cinco, lideram a lista, facto que se vem repetindo ao longo dos últimos anos. Entre 2000 e 2024, o número total de missionários e agentes pastorais assassinados ascende a 608. Em África, neste ano, foram assassinados seis homens (dois no Burkina Faso, um nos Camarões, um na República Democrática do Congo e dois na África do Sul); na América, cinco (um na Colômbia, um no Equador, um no México, um nas Honduras e um no Brasil); e, na Europa dois, (um na Polónia e um em Espanha).

Na Europa, regista-se o assassinato do espanhol Juan Antonio Llorente, de 76 anos, frade franciscano da Imaculada Conceição, e do padre polaco Lech Lachowicz, de 72 anos. O primeiro perdeu a vida no mosteiro onde morava, em Gilet, na Espanha, quando um homem armado com uma vara e com uma garrafa de vidro entrou, gritando “Eu sou Jesus Cristo”, e começou a espancar todos os frades que encontrava. Vários franciscanos ficaram feridos e foram levados ao hospital de Valência. Juan Antonio faleceu, devido a graves pancadas na cabeça. O segundo, que era prior da igreja de Santo Alberto, em Szczytno, cidade no norte da Polónia, foi atacado por um homem de 27 anos, munido de um machado, cujo objetivo seria roubar a igreja.

A lista da Fides não refere apenas missionários ad gentes em sentido estrito, mas considera que as definições de “missionário” e de “missionária” incluem todos os católicos envolvidos em obras e em atividades pastorais. Os missionários e agentes de pastoral que integram a lista não estavam no centro das atenções por obras ou por compromissos de relevo, mas trabalhavam para dar testemunho da fé na vida quotidiana das comunidades que serviam. E a causa da sua morte violenta nem sempre pode ser atribuída, explicitamente, ao “ódio à fé”, sendo mais frequentemente relacionada com a sua ação em prol da comunidade.

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A violência atingiu níveis preocupantes e nunca antes vistos, no México, que se traduzem em atos de perseguição religiosa. Desde 1990, foram assassinados 80 padres no país, enquanto muitos outros sofreram ameaças de morte, roubos e agressões físicas, como consta de um relatório divulgado, a 13 de dezembro, pelo Centro Católico Multimédia (CCM), organização que monitoriza a violência contra membros da Igreja Católica, no México.

Foi durante o mandato de seis anos do ex-presidente Andrés Manuel López Obrador (no poder entre 2018 e 2024), que se atingiu o maior nível de homicídios da História moderna do México, somando um total de 199621, um aumento da violência que ocorreu no âmbito da controversa política governamental de “abraços, não balas” contra o crime organizado.

Para o padre Omar Sotelo Aguilar, diretor do CCM, o “vazio de poder e o desmantelamento do Estado de direito” obrigou agentes pastorais e ministros de outras igrejas a assumirem “o papel que as autoridades recusaram” por incapacidade, ou “pior ainda, por viverem em conluio com os praticantes do mal e do crime, num binómio destrutivo: corrupção e impunidade”.

De acordo com o relatório do CCM, durante o mandato de seis anos de López Obrador, houve dez padres assassinados, outros 14 padres e bispos atacados, uma média semanal de 26 templos atacados, profanados ou agredidos e quase 900 casos de extorsão e ameaças de morte contra membros da Igreja Católica. E a gestão da nova presidente, Claudia Sheinbaum, não parece trazer melhorias a este nível. Logo no início de outubro, poucos dias após a sua tomada de posse, ocorreu o assassinato do padre Marcelo Pérez, morto a tiros por dois homens, após ter celebrado missa. O presbítero era conhecido como firme defensor do povo indígena de Chiapas e “incansável apóstolo da paz”. O diretor do CCM teme que possa haver mais sangue, mais situações de violência, tendo em conta que, desde que Sheinbaum chegou ao poder, “ocorreram massacres, em vários lugares do país”, contra civis. Além disso, existem “extorsões e ameaças de morte contra vários sacerdotes no México”, o que mostra que a situação “está latente”.

“Não queremos isso, espero que estejamos errados”, ressalva, mas conclui, reconhecendo que “as tendências são, infelizmente, desfavoráveis”.

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Na Índia, a poucos dias do Natal, as famílias cristãs do estado central de Chhattisgarh eram perseguidas por grupos de nacionalistas hindus, que as pressionavam a deixar as suas casas e as proibiam de celebrar o nascimento de Jesus.

Em algumas aldeias, os órgãos do poder local aprovaram uma resolução, no final de novembro, segundo a qual os cristãos, nessas localidades, tinham de deixar a sua fé ou renunciar a ela e, caso não o fizessem, todos os seus campos, pertences e propriedades seriam saqueados. Segundo o jornal “Crux”, aproximadamente 100 cristãos são afetados por esta ordem.

O assunto foi levado ao conhecimento do chefe de uma das aldeias afetadas, que confirmou a resolução, alegando que a norma do conselho da aldeia substitui a da Constituição indiana, cujo artigo 25.º garante o direito à liberdade de religião ou de crença.

Nos últimos dias, várias famílias cristãs viram as suas colheitas saqueadas, com a polícia a recusar-se a registar as suas queixas pelo ocorrido e a oferecer qualquer assistência.

O padre Thomas Vadakumkara, assessor de imprensa da diocese de Jagadalpur, afirma que situações equivalentes estão a afetar “quase todos os cristãos, em muitos distritos”. “Os direitos humanos básicos são recorrentemente negados aos cristãos: enterro dos fiéis, permanecer nas suas próprias terras, cultivar e colher nos seus campos e fazendas”, diz o sacerdote, citado pelo jornal “Crux”. De acordo com o United Christian Forum (UCF), organização da sociedade civil sediada em Deli, a violência e a discriminação contra cristãos está a aumentar em 23 dos 28 estados da Índia, com Uttar Pradesh e Chhattisgarhno no topo da lista dos incidentes registados.

A UCA News dá conta de que a polícia de Uttar Pradesh prendeu sete cristãos, incluindo dois pastores, por supostamente violarem a lei anticonversão do estado. O grupo é acusado de tentar atrair moradores locais com ofertas de emprego e benefícios monetários, nas reuniões de oração.

As leis anticonversão, que criminalizam as tentativas de conversão com penas de prisão, foram promulgadas em onze estados indianos, na sua maioria governados pelo Partido Bharatiya Janata (Partido do Povo Indiano, BJP), do primeiro-ministro, Narendra Modi.

O pastor Jiyalal (que, por receio de represálias, não revelou o seu apelido) disse à UCA News que a oposição à fé cristã “é uma questão de grande preocupação, pois várias pessoas foram presas nos últimos seis meses sob a lei abrangente”. “Na maioria dos casos, descobrimos que as alegações são falsas”, vincou. E “há ainda mais medo entre os cristãos, à medida que o Natal se aproxima”.

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A Comunidade Internacional Bahá’í (BIC) está “consternada com a prisão injusta e sem fundamento” de Remy Rowhani, ex-presidente da Assembleia Nacional dos Bahá’ís do Catar, numa ação que a organização diz marcar “uma escalada arbitrária, após décadas de discriminação contra os bahá’ís no Catar meramente devido à sua religião”. “Remy Rowhani é um cidadão catariano altamente respeitado que serviu o país com distinção, durante décadas, mais recentemente como diretor do escritório regional do Médio Oriente e Norte de África da Câmara de Comércio Internacional. […] A sua detenção é emblemática do padrão mais amplo de discriminação enfrentado pelos membros da comunidade Bahá’í no Catar”, escreve a BIC, em comunicado divulgado a 30 de dezembro.

Rowhani foi detido no Aeroporto Internacional Hamad, em Doha, a 23 de dezembro, quando se preparava para uma viagem de férias. A detenção surge na sequência de uma incriminação de que foi alvo em abril de 2021. “Apesar de supervisionar contribuições financeiras voluntárias de bahá’ís para a comunidade, com o conhecimento das autoridades do Catar, o senhor Rowhani foi acusado, em 2021, de arrecadar fundos sem autorização. As suas ações não eram ilegais sob a lei do Catar à época e nenhuma evidência foi fornecida para as acusações”, explica a BIC. Condenado a seis meses de prisão e à multa de 27 mil dólares (cerca de 26 mil euros), a sua sentença foi reduzida, em 2022, para um mês de prisão e para a multa de metade do valor inicial.

“Após receber garantias verbais de que a sentença não seria executada, no final de 2024, o senhor Rowhani descobriu que o seu caso havia sido reaberto e o seu acesso a serviços governamentais restringido. Ele havia sido autorizado a viajar pelas autoridades aeroportuárias, mas, em 23 de dezembro de 2024, foi detido e forçado a cumprir a sua pena de prisão”, diz o comunicado da BIC, acrescentando: “Uma vez que os esforços nacionais [para libertá-lo] foram esgotados, a BIC foi obrigada a destacar a discriminação implacável e concertada enfrentada pela comunidade.”

Reconhecendo que há “desenvolvimentos encorajadores” em países vizinhos no sentido de promover a coexistência, a diversidade e a coesão social”, bem como de “reconhecer e integrar minorias religiosas, incluindo os bahá’ís”, a BIC lamenta que o mesmo não se verifique no Catar. “O que está a acontecer com os bahá’ís no Catar contrasta fortemente com essa tendência positiva e contradiz declarações públicas da liderança do Catar, incluindo as de Sua Alteza o Emir [Tamim bin Hamad al-Thani], sobre a promoção da diversidade e inclusão”, frisa a organização.

A organização destaca as “dificuldades significativas” que os bahá’ís têm vindo a enfrentar no país, “incluindo a rescisão metódica de autorizações de residência, negação de certificados de boa conduta, rescisão repentina de residência e restrições injustas à reunificação familiar”. Tais medidas – alerta a BIC – “arriscam a eliminação total da comunidade do Catar”.

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Não obstante, os ataques à liberdade religiosa, cerceada em vários países e subvalorizada em outros, são denunciados vigorosamente por vozes autorizadas de liberdade.

Por exemplo, o Conselho Argentino para a Liberdade Religiosa (Calir) publicou, a 19 de dezembro, uma vigorosa e enfática condenação “das graves violações da liberdade religiosa ocorridas na Nicarágua, sob o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo”. Entre os factos mais alarmantes, o conselho denuncia “o arresto da Universidade Jesuíta Centro-Americana, acusada de terrorismo, o encerramento de mais de 400 organizações religiosas e a restrição de práticas religiosas públicas, como procissões”.

O Calir é uma instituição não confessional, que se tornou na principal referência em matéria de liberdade religiosa, na Argentina. Sobre a situação na Nicarágua, o organismo denuncia, ainda, “a criminalização e detenção de líderes religiosos e de leigos, como os 11 missionários da organização evangélica Puerta de la Montaña, condenados com base em acusações forjadas […] e a desnacionalização e o exílio forçado de mais de 170 líderes religiosos, incluindo freiras, padres e leigos comprometidos com as suas comunidades”. “Estes abusos, conclui o organismo, constituem uma afronta à dignidade humana, bem como graves violações do direito internacional”, pelo que o governo argentino deve assumir papel ativo na denúncia destes abusos.

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Não obstante o Menino Deus ser sinal de contradição, o Natal é uma luz de esperança e um grito pela paz!

2024.12. 30 – Louro de Carvalho

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