segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Foi aprovada a reversão do corte de 5% nos vencimentos dos políticos

 

No âmbito da aprovação na especialidade do Orçamento para 2025 (OE 2025), a Assembleia da República (AR) aprovou, a 29 de novembro, a reversão do corte de 5% nos vencimentos dos políticos, o que foi acolhido na votação final e que levou, no dia seguinte, a protesto da parte do Chega na AR e a reações dos partidos e do Presidente da República (PR). 

A proposta do Partido Social Democrata (PSD) e do partido do Centro Democrático Social (CDS) sustentava que, “volvidos mais de 10 anos, todas as medidas aprovadas no âmbito da consolidação orçamental de redução de défice excessivo e de controlo do crescimento da dívida pública foram revogadas”, com exceto a redução em 5% do vencimento mensal ilíquido dos titulares de cargos políticos e dos gestores públicos executivos e não executivos, incluindo os pertencentes ao setor público local e regional, bem como dos equiparados a gestores públicos. 

Os partidos do governo defendiam ser “da maior justiça” esta reposição remuneratória.

A medida foi aprovada com os votos contra do Chega, da Iniciativa Liberal (IL), do Livre e do Bloco de Esquerda (BE), com abstenção do Partido Comunista Português (PCP) e com os votos a favor dos demais. E a proposta do Partido Socialista (PS) sobre o mesmo tema acabou por não ser votada, já que a proposta dos partidos do governo foi votada primeiro.

Os socialistas tinham garantido, através da líder parlamentar, Alexandra Leitão, que viabilizariam a proposta do PSD, para acabar, já em 2025, com estes cortes. E o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, esclareceu que isso teria um custo de cerca de 20 milhões de euros.

Após a aprovação, André Ventura, líder do Chega, disse que “todos” os elementos do seu grupo parlamentar abdicarão do aumento resultante do fim do corte salarial dos políticos. Já a IL insistiu na defesa da sua proposta de fazer depender o aumento dos vencimentos dos políticos do salário médio do país, à semelhança de outros países europeus. À Esquerda, o BE anunciou que oporia às iniciativas nesta matéria e o Livre garantiu que abdicará da reversão do corte e a utilizará para uma bolsa de estudo, desafiando o Chega a “roubar a ideia”, fazendo o mesmo.

No dia da votação final do OE 2025, o Chega, alegando que não podia “deixar passar” a medida, protestou com tarjas penduradas nas janelas da AR. Nas redes sociais, o líder incluiu uma fotografia, na qual se mostrava à janela, de punho erguido, diante de uma faixa com a mensagem: “OE 2025 aumenta salários dos políticos. Vergonha.” O protesto levou a momentos de tensão na AR, com o seu presidente a pedir a retirada das faixas e a chamada dos Sapadores Bombeiros de Lisboa ao local. Apesar de salientar que não é razão para “arrombar a porta”, José Pedro Aguiar-Branco garantia que, se o partido não retirasse as faixas, os bombeiros o fariam, realçando que é uma “falta de respeito” pelo “património do Estado”. Porém, André Ventura aduzia que aquele espaço é de “todos” e que só estavam a utilizar as instalações adstritas ao seu partido. Posteriormente, o Chega solicitou ao chefe de Estado que submeta ao Tribunal Constitucional (TC) a medida para fiscalização da sua constitucionalidade, caso contrário, fá-lo-á o partido.

Por sua vez, o PR manifestou-se, a 30 de novembro, contra a medida em causa, que aplica já aos atuais titulares políticos o fim do corte de 5% dos vencimentos, defendendo que apenas se deveria aplicar aos mandatos futuros, mas realçou que tal discordância não o levará a vetar o OE 2025.

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Não se trata de aumento de vencimentos, mas apenas da sua reposição integral. Obviamente, a AR tem poder para proceder a aumento de vencimentos dos titulares de cargos políticos e dos gestores públicos executivos e não executivos, incluindo os pertencentes ao setor público local e regional, bem como dos equiparados a gestores públicos.

A atitude dos oposicionistas e a posição chefe de Estado para procrastinar a medida para mandatos futuros só podem entender-se por vício de contradição ou por mero pudor hipócrita.

Problemas de constitucionalidade não há. A atual situação, em rigor, é que mereceria o látego do TC, visto que a medida do corte no vencimento dos políticos começou em 2010, no âmbito do segundo Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC II), através da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, cujo artigo 12.º, n.º 1 estabelece: “A remuneração fixa mensal ilíquida dos gestores públicos executivos e não executivos, incluindo os pertencentes ao setor público local e regional, e dos equiparados a gestores públicos, é reduzida, a título excecional, em 5 %.” A mesma disposição excecional foi acolhida pelas leis orçamentais n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 83-C/2013, de 31 de dezembro, considerando todas elas a excecionalidade da medida. Assim, tendo sido extintos os pressupostos da excecionalidade, a medida deveria terá já caducado, há bastante tempo.

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Aquando do estabelecimento desta medida excecional, bem como a redução de 3,5% a 10% das remunerações dos trabalhadores da administração pública e do setor público empresarial, um grupo de deputados solicitou ao TC a declaração da sua inconstitucionalidade.   

A crise económica da Zona Euro exigiu profundos sacrifícios aos Portugueses, para reequilibrar as finanças do Estado. E as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o Conselho União Europeia (UE) e com o Banco Central Europeu (BCE) levaram Portugal a comprometer-se com o audacioso plano de metas, o Plano de Ajustamento Economico e Financeiro (PAEF). E, para as atingir, o governo reduziu os vencimentos dos servidores públicos.

Em 2010, na sequência da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho – que decretou o corte de 5% no vencimento ilíquido mensal dos detentores de cargos políticos, incluindo os ocupantes dos cargos de Presidente da República, primeiro-ministro, deputados da AR, membros do governo, juízes do Tribunal Constitucional (TC), bem como todas as magistraturas, presidentes dos municípios e vereadores a tempo inteiro (nos termos do artigo 11.º), a Lei do Orçamento do Estado 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) –, determinou a redução de 3,5% a 10% do vencimento ilíquido mensal de todos os trabalhadores da administração pública e equiparados.

Entretanto, um grupo de deputados da AR pediu ao TC a declaração de inconstitucionalidade dos artigos da Lei do Orçamento que determinavam tais reduções remuneratórias, alegando que seriam definitivas, na medida em que a legislação não previu normas de temporalidade. Sustentava a violação dos princípios do Estado de Direito, da igualdade e da não redução do salário. Porém, o TC não declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos atacados.  

Primeiro, no Acórdão 396/2011, vincou a temporalidade da medida. Embora a redução das remunerações integre um conjunto de medidas negociado com a UE para a diminuição do défice orçamental pelos próximos anos, as normas impugnadas terão a vigência da lei orçamental, caducando no final do ano a que se referem. Por isso, as medidas foram retomadas nas leis de orçamento seguintes, digo eu, mas o TC não referiu.

Quanto à irredutibilidade dos salários, lembrou que a Constituição da República Portuguesa (CRP) não garantiu, de forma direta e autónoma, tal direito. No nosso ordenamento jurídico, a proibição de reduzir os vencimentos foi prevista na legislação infraconstitucional (artigo 89.º, alínea d, do Regime do Contrato de Trabalho em Fundações Públicas [antes da publicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e cuja última alteração lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 13/2024, de 10 de janeiro] e artigo 129.º, 1, alínea d), do Código do Trabalho (CT), ainda em vigor, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e cuja última alteração lhe foi introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril. Agora, a LGTFP e o CT estabelecem os casos da redução de vencimentos.

O TC não concordou que a garantia da irredutibilidade gozaria de “força constitucional paralela” do artigo 16.º, n.º 1, da CRP (“os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de Direito Internacional”). E lembrou que o direito infraconstitucional à irredutibilidade admite exceções. Assim, equipará-lo a direito fundamental vincularia o legislador, gerando incompatibilidade do direito existente com a CRP, pelo que entendeu que, garantido um mínimo, a proibição de diminuir o salário não é exigência da dignidade da pessoa humana, nem se impõe como bem primário ou essencial.

Afastado o argumento do direito à irredutibilidade, concluiu que a proteção em causa só podia dar-se pela valoração dos princípios da confiança e da igualdade, já consagrados na jurisprudência do TC (Acórdãos 303/90, 786/96 e 141/2002). E, por entender que o princípio da proteção da confiança “traduz a incidência subjetiva da tutela da segurança jurídica, exigência da realização do princípio do Estado de direito democrático” (Acórdão 287/90), sustentou que a sua aplicação deve partir da definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, a ponderar entre interesses particulares afetados e interesse público que justifica a alteração. Dessa valoração, nos limites da razoabilidade e da justa medida, resultará o juízo definitivo quanto à conformidade constitucional.

No caso da Lei do Orçamento de 2011, o TC ponderou que, embora a redução tenha operado efeitos imediatos, já no dia da sua entrada em vigor, ou seja, um dia após a publicação no Diário da República, a medida era previsível, dado o contexto económico da UE e as políticas de gestão financeira adotadas por outros estados-membros. E, ao aplicar o princípio da proporcionalidade, concluiu que a medida é idónea para obviar à situação de défice orçamental e de crise financeira, não representando excessivo sacrifício, face às dificuldades a que visam fazer face e justificadas, especialmente, ante o seu caráter transitório e a sua limitação em 10%, percentagem inferior à aplicada em outros países da UE com problemas idênticos. Quanto à necessidade, a medida estaria ligada à aplicação do princípio da igualdade.

Quanto à possível violação ao princípio da igualdade invocada, o TC verificou que a redução das remunerações abarca todo o perímetro da Administração Pública. E, quanto à possível indagação sobre a extensão do sacrifício a generalidade dos cidadãos com idêntica capacidade contributiva, em razão da aplicação do princípio da igualdade face aos encargos públicos, não poderia ser enfrentada pelo TC, já que a decisão foi tomada levando em consideração variáveis políticas e económicas. E, por entender que lhe caberia verificar, apenas, se as soluções adotadas não são arbitrárias, conclui que não é este o caso em questão, explicando: “Não havendo razões de evidência em sentido contrário, e dentro de ‘limites do sacrifício’, que a transitoriedade e os montantes das reduções ainda salvaguardam, é de aceitar que essa seja uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental.”

Já em 2011, a Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 31 de dezembro) ampliou a abrangência das reduções, determinando a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, inclusive dos aposentados e reformados. E, de novo, alegando violação dos princípios do Estado de direito democrático, da proporcionalidade e da igualdade, um grupo de deputados requereu a declaração de inconstitucionalidade dos seus artigos 21.º e 25.º.

Tais dispositivos suspenderam, total ou parcialmente, o pagamento dos subsídios de férias e de natal, ou quaisquer prestações correspondentes a eles, quer para pessoas que auferem remunerações salariais de entidades públicas, quer para as que auferem pensões de reforma ou aposentação, através do sistema público de segurança social, estabelecendo que tal medida, qualificada como excecional, terá a duração do período de vigência do PAEF.

Dessa feita, o TC declarou a inconstitucionalidade das medidas adotadas, mas modulou os efeitos da decisão, permitindo a suspensão dos pagamentos em 2012 (Acórdão 353/2012). Reconheceu que o PAEF decorre de uma série de compromissos assumidos junto ao FMI, à Comissão Europeia e ao BCE, aprovados por meio de memorandos vinculativos para o Estado, na medida em que se fundamentam em instrumentos jurídicos – tratados institutivos das entidades internacionais que neles participaram, e de que Portugal é parte – de Direito Internacional e de Direito da União Europeia, que são reconhecidos pela CRP, desde logo no artigo 8.o, n.º 2. No entanto, aplicando o princípio da igualdade, concluiu que as novas medidas, cumuladas com as do ano anterior, a vigorarem pelo período de três anos (2012, 2013 e 2014) conforme acordado, somadas ao congelamento dos salários desde 2010, representam um sacrifício demasiado elevado para parte determinada dos cidadãos.

Assim, a diferença de tratamento na imposição dos sacrifícios, por razões não justificadas, “viola o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos”, consagrado no artigo 13.º da CRP, pelo que foi declarada inconstitucionalidade dos ditos artigos 21.º e 25.º. Porém, sendo essencial que o Estado, ante o quadro emergencial de crise económica, tivesse acesso ao financiamento externo e verificando que a execução orçamental de 2012 estava em curso, o TC reconheceu que a declaração de inconstitucionalidade poderia pôr em perigo o financiamento acordado e determinou, ao abrigo do artigo 282.º, n.º 4, da CRP, que os efeitos da inconstitucionalidade não se aplicassem a 2012. Ricas batalhas jurídico-constitucionais!

O TC, coerente com os seus precedentes, inclusive em situações excecionais, ajudou o país a enfrentar a crise económica e a harmonizar conflitos sociais.

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Ora, todas as pedras que o TC teve de britar por causa dos cortes salariais, para os legitimar, já não existem. Por isso, tem plena legitimidade a AR para legislar sobre a matéria. Não há qualquer problema de constitucionalidade, como os apontados acima, no âmbito do PAEF. O PR, se não concorda, que vete. Os deputados e os outros políticos podem fazer o que entenderem dos seus vencimentos, exceto renunciar a eles. Gastem o dinheiro, deem-no a entidades de solidariedade social ou constituam bolsas de estudo, mas não nos apoquentem com as suas hipocrisias.

Aliás, não percebo como, ganhando tão pouco, tantos e tantas querem ser deputados/as e presidentes de câmara. São cadeiras que têm mel. São cargos de prestígio?   

2024.12.02 – Louro de Carvalho

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