terça-feira, 17 de dezembro de 2024

António Costa quer uma União Europeia restruturada

 

Espera-se a reestruturação da União Europeia (UE) almejada pelo presidente de Conselho Europeu não seja semelhante à adotada por empresas públicas e privadas, em Portugal, que se reduz a encerramento de balcões e de serviços, a despedimento (ou mecanismos similares) e a aumento de taxas para a prestação de serviços. O mesmo não se diz da reestruturação de direções-gerais, de gabinetes ministeriais e de institutos públicos, que se reestruturam, para mudarem as designações, ficando quase tudo na mesma.

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A 17 de dezembro, a um dia da quinta cimeira entre a UE e os países dos Balcãs Ocidentais, agendada para 18 de dezembro, em entrevista ao European Newsroom, que agrega as principais agências de notícias europeias, incluindo a Lusa, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, olhou para o “longo processo” de inclusão de seis dos países dos Balcãs Ocidentais no bloco político-económico da UE e declarou não acreditar “em calendários artificiais”, sendo a questão mais importante “compreender que o tempo é curto” e que “há um sentido de urgência”. Ou seja, rejeitou “calendários artificiais” para o alargamento da UE, exigindo um bloco comunitário reestruturado para acolher, logo que possível, os próximos países, nomeadamente, os dos Balcãs Ocidentais.

O presidente do Conselho Europeu considerou que, a “cada dia, é mais difícil para a população dos países dos Balcãs Ocidentais acreditar, de facto, que, um dia, este processo vai ser concluído”. E disse não saber “se vai ser no próximo ano, daqui a três ou quatro anos”, mas sustentando que o mais importante é pensar “no que tem de ser feito”, para lá chegar. “Por isso falei neste sentido de urgência. Se concluirmos, quanto antes, as nossas reformas, [se] preenchermos todos os critérios, poderemos concluir, quanto antes, o processo com cada parceiro dos Balcãs Ocidentais”, completou o ex-primeiro-ministro português, que iniciou funções a 1 de dezembro de 2024.

Referiu que o Kosovo é uma “situação muito específica”, visto que cinco dos 27 países da UE não o reconhecem. Todavia, apontou que houve avanços, nomeadamente, o fim da necessidade de um visto para cidadãos kosovares circularem nos países da UE.

Para a cimeira em referência, António Costa considerou que o importante é “dar uma ideia clara de que há um compromisso real”, que “assegure um alargamento gradual” que apazigue a ânsias dos cidadãos e apresente uma ideia concretizável.

Considerando que países como o Montenegro, a Sérvia, a Macedónia do Norte e outros avançaram no processo, o presidente do Conselho Europeu insistiu que, para concluir o processo, são necessárias “condições propícias”, que requerem reformas de um lado e do outro – alinhando, neste âmbito, a sua posição com a da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

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Entretanto, também a 17 de dezembro, um dia antes de os dirigentes dos Balcãs Ocidentais e da UE se reunirem em Bruxelas, a Geórgia e a Turquia receberam dos ministros da UE, avaliações severas sobre o seu processo de adesão ao bloco europeu, enquanto a Ucrânia e a Moldova receberam, sobretudo, “estrelas douradas”. Nas conclusões divulgadas durante a reunião, em Bruxelas, os ministros dos Assuntos Europeus censuraram a Turquia e a Geórgia pelo retrocesso democrático, registando apenas progressos muito limitados na via da integração europeia.

A única evolução positiva que os ministros anotaram, em relação à Geórgia, diz respeito à economia, registando o país “um nível moderado de preparação e de progressos limitados no desenvolvimento de uma economia de mercado funcional”, bem como à aplicação de “políticas orçamentais e monetárias sólidas”. Porém, os demais parágrafos dedicados ao país, nas 36 páginas do longo documento, são negativos, sobressaindo a preocupação da UE, “relativamente ao curso das ações” do governo nacional, como a lei dos agentes estrangeiros, contrária aos valores da UE.

Os ministros mostraram-se “profundamente preocupados com o retrocesso nos domínios da democracia, do Estado de Direito e dos direitos fundamentais”, bem como com o funcionamento do sistema judicial e com a independência institucional. O facto de a Geórgia não se alinhar, globalmente, pela política externa da UE e pelas medidas restritivas, nomeadamente, contra a Rússia e a Bielorrússia, foi outro ponto de preocupação para os ministros, que expressaram a sua condenação veemente dos recentes atos de violência contra manifestantes pacíficos, contra elementos dos meios de comunicação social, contra políticos da oposição e contra a sociedade civil, apelando à sua “interrupção”.

Efetivamente, há quase três semanas, realizam-se protestos noturnos em toda a Geórgia, depois de o primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze, ter anunciado, unilateralmente, no final de novembro, a suspensão das negociações de adesão à UE, até 2028. Foram detidas figuras da oposição e centenas de manifestantes pacíficos, tendo sido registados vários feridos. A violenta repressão levou a apelos a sanções por parte da UE, vetadas, no dia 16, pela Hungria e pela Eslováquia. “O Conselho apela às autoridades georgianas para que retomem, urgentemente, o caminho da UE e adotem reformas democráticas, abrangentes e sustentáveis, em conformidade com os princípios fundamentais da integração europeia”, escreveram os ministros.

Turquia obteve mais alguns pontos positivos, nomeadamente, no atinente à melhoria das relações com a Grécia (a Turquia é o único país do Mundo que reconhece a soberania do Nordeste da ilha de Chipre) e ao reatamento do diálogo setorial de alto nível com a UE, em áreas de interesse comum, como o comércio e a economia. Os ministros saudaram a “mudança para políticas económicas mais convencionais e rigorosas, desde meados de 2023”, e as “medidas concretas” que o país tomou, para impedir que as sanções da UE contra a Rússia sejam contornadas, através do seu território.

Porém, os aspetos negativos superam, em muito, os positivos. Ficou evidenciada “a situação contínua e profundamente preocupante nos domínios da democracia, do Estado de Direito e dos direitos fundamentais”, em especial, a “falta de independência sistémica e a pressão indevida sobre o poder judicial, bem como as muitas restrições à liberdade de expressão, incluindo a liberdade dos meios de comunicação social e a divulgação de informações”. Também foram assinaladas “como sendo da máxima prioridade” a “taxa de alinhamento muito baixa” do país com a Política Externa e de Segurança Comum da UE e as sanções contra a Rússia. “O Conselho regista que as negociações de adesão da Turquia chegaram, efetivamente, a um impasse e que não pode ser considerada a abertura ou o encerramento de mais nenhum capítulo”, escreveram os ministros.

Não obstante, o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, após uma reunião com a líder da Comissão Europeia, apelou a uma melhoria tangível e imediata das relações entre as duas partes. Entre as exigências aos líderes da UE encontram-se o levantamento de “todas as restrições” nas relações bilaterais e a retomada do diálogo político de alto nível (suspenso desde 2019).

Em contrapartida, os ministros da UE mostraram-se muito mais entusiasmados com a Ucrânia, registando os “progressos consideráveis em matéria de reformas” realizados ao longo do último ano, enquanto o país se defende da invasão russa, nomeadamente, os realizados em áreas como o Estado de Direito, a reforma do sistema judicial e da administração pública, os órgãos de governação judicial e o funcionamento eficaz das instituições de combate à corrupção. E, congratulando-se com o “quadro legislativo e institucional em matéria de direitos fundamentais”, incentivaram a Ucrânia a prosseguir os trabalhos para reforçar a liberdade de expressão e a pluralidade e independência dos meios de comunicação social.

Por seu turno, o Parlamento Europeu (PE) aplaudiu o “elevado” alinhamento da Ucrânia com a política externa e as sanções do bloco, tendo este último sido também um forte ponto a favor da Moldova, com os ministros a escreverem que representa “um forte sinal do empenhamento estratégico da Moldova no seu percurso para a UE”.

Assim, o Conselho registou, “positivamente”, os esforços contínuos da Moldova para reforçar o quadro da administração pública e da gestão das finanças públicas e apelou à continuação dos progressos das reformas nos domínios do Estado de Direito e dos direitos fundamentais, em especial, no atinente à luta contra a corrupção. “O Conselho congratula-se com a abordagem sistémica da Moldova, em matéria de desoligarquização, e incentiva a prossecução da implementação do respetivo plano de ação”, acrescentaram os ministros.

A Albânia, o Montenegro e a Macedónia do Norte foram os outros países candidatos que também se saíram bem. Os dois primeiros realizaram conferências de adesão, em Bruxelas, nos dias 16 e 17, sinal de que a dinâmica em direção à adesão é positiva. No caso do Montenegro, a reunião permitiu o encerramento provisório de três capítulos, enquanto a conferência ministerial com a Albânia serviu para abrir dois novos capítulos de negociações (sobre relações externas e sobre política externa, de segurança e de defesa).

O primeiro-ministro albanês, Edi Rama, disse aos jornalistas, depois de participar na reunião, em Bruxelas, que Tirana “quer garantir que todos os trabalhos de casa estão feitos e que as negociações estarão concluídas até 2027”, esperando que adesão esteja concluída nesta década.

Entretanto, a Macedónia do Norte foi elogiada pela boa cooperação contínua em matéria de gestão das migrações e das fronteiras, pelo bom nível de preparação e pelos progressos realizados no sentido de desenvolver uma economia de mercado viável, bem como pela “cooperação coerente” em questões de política externa. Os ministros destacaram, em particular, o “alinhamento total, firme e de longa data” do país com a política externa e as sanções do bloco, mas registaram que Escópia ainda não concluiu as alterações constitucionais acordadas, relativamente ao reconhecimento da minoria búlgara no país, sem as quais não poderá ser realizada qualquer outra conferência intergovernamental.

Os ministros salientaram os “progressos limitados” nos domínios dos fundamentos e do Estado de Direito e afirmaram-se seriamente preocupados com as alterações ao Código Penal.

As tensões entre grupos étnicos na Bósnia e Herzegovina, bem como na Sérvia e no Kosovo, foram, entretanto, uma das áreas de preocupação dos ministros, que, apelando a que as várias partes abrandassem a tensão e retomassem, urgentemente, as conversações, reiteraram que os progressos no processo de adesão à UE dependem da normalização das relações.

Os três países candidatos à adesão à UE foram amplamente elogiados pelas suas reformas económicas, tendo o Kosovo e a Bósnia e Herzegovina sido, igualmente, elogiados pelo alinhamento com a política externa e com as sanções da UE.

Porém, a Sérvia foi castigada pela falta de progressos na melhoria da liberdade de expressão e da independência dos meios de comunicação social, bem como pelos progressos limitados a nível do sistema judicial e da luta contra o crime organizado. Por isso, os ministros apelaram a Belgrado para que “demonstre maior vontade política, acelerando ainda mais as reformas e apresentando resultados concretos e tangíveis no que se refere aos aspetos fundamentais”, e reiteraram a “forte expectativa” de que a Sérvia “intensifique os esforços no sentido de um alinhamento total” com a política externa do da UE. “O Conselho apela também às autoridades sérvias para que se abstenham de ações e de declarações contra as posições da UE, em matéria de política externa e outras questões estratégicas”, escreveram os ministros.

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Perante este quadro, no mínimo, ambíguo, percebo a dificuldade de António Costa em se pronunciar, claramente, sobre o futuro da UE, sobretudo, no quadro do alargamento. E penso que na dificuldade em descolar da linha de orientação de Ursula von der Leyen, no apadrinhamento da adesão da Ucrânia, opção temerária, enquanto não se resolver a questão da guerra. Quanto a este e a outros desafios, como a ascensão da extrema-direita na UE e as diversas crises político-sociais e económico-financeiras nos estados-membros, a capacidade inata de António Costa bem precisa de ser acolitada de um verdadeiro milagre negocial.   

2024.12.17 – Louro de Carvalho

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