Dois jornalistas que acompanham os assuntos do
Vaticano tentam responder, através de um site
da Internet (em Inglês), disponível
desde 12 de dezembro de 2024, sobre os cardeais que poderão ser eleitos Papa e
sobre o que pensam quanto a matérias fraturantes. O objetivo de “The
College of Cardinals Report” (Relatório do Colégio dos Cardeais) é informar os
purpurados eleitores que, em data imprevisível, se reunirão em conclave, na
Capela Sistina.
Fruto de aturada investigação, o site dispõe da possibilidade de consultas interativas, que permitem
saber da posição de um cardeal sobre determinado assunto, de uma lista que foi
pré-definida, o que mostra, nesta iniciativa, a existência de sinais de uma intencionalidade
ou, mesmo, de um projeto ideológico acalentado pelos jornalistas responsáveis
por este trabalho.
Edward Pentin, consultor e conferencista em temas do
Vaticano, trabalha para o conservador National
Catholic Register; e Diana
Montagna, que nasceu nos Estados Unidos da América (EUA), que teve vários
empregos em Itália e foi jornalista do site
ultraconservador LifeSiteNews, é,
atualmente, jornalista correspondente em Roma para o Catholic Herald, publicação afeta aos setores
contestatários do Papa. Ambos se movimentam em meios que, sem chegar ao extremo
dos “sedevantistas”, se distanciam da orientação do pontificado do atual e a combatem,
considerando que Francisco colocou a Igreja Católica em “tempo de escuridão”, graças
ao eclipse da luz do magistério dos dois pontificados anteriores e à confusão e
ambiguidade doutrinal. Os tópicos em torno dos quais inquirem o currículos e,
sobretudo, as declarações e escritos dos potenciais candidatos a Papa são, para
eles, indicadores que poderão influenciar as opções do conclave.
Quem são e o que defendem os “papabili”? As respostas
têm em conta a adesão, a discordância ou a ambiguidade face aos temas:
ordenação de mulheres como diáconos; bênção de casais do mesmo sexo; celibato sacerdotal
opcional; restrição da antiga missa; acordos secretos entre o Vaticano e a
China; promoção de Igreja sinodal; foco nas mudanças climáticas; reavaliação
da Humanae Vitae; comunhão para divorciados e recasados; e
‘Caminho Sinodal’ da Alemanha.
Esquecem que, tecnicamente, qualquer batizado pode ser
eleito. E, se não for bispo, terá de receber, a seguir à eleição, a ordem episcopal.
A lista é marcada de ênfases e de silêncios, desde
logo no atinente à doutrina social da Igreja (nomeadamente desigualdades
sociais; transformações do mundo do trabalho; migrações; paz e guerra; indústria
e comércio de armas; discursos de ódio e desinformação; entre outros), e também
ao diálogo inter-religioso, ao ecumenismo, à evangelização, etc.
Quanto aos nomes da lista dos potenciais candidatos incluídos,
a questão que algumas análises levantam é a redução do conclave, que é processo
complexo e surpreendente, a mero jogo político, onde a dimensão espiritual se
dilui. Por outro lado, a lista inclui nomes (como o do cardeal Raymond Burke ou
o do cardeal Robert Sarah) que, embora formalmente possíveis, estiveram
envolvidos, cada um a seu modo, em comportamentos que só uma Igreja desassisada
os poderia escolher. Outros purpurados figuram com os 80 anos ultrapassados, o
que os torna bastante improváveis. E outros estão já perto dessa idade, de modo
que, se o conclave tardar, já não serão eleitores. Um motivo do projeto relaciona-se
com o facto de Francisco ter deixado de convocar o consistório dos cardeais
para debater assuntos prementes da vida da Igreja, abrindo a formação de um
verdadeiro “colégio”. A orientação de Bergoglio de escolher bispos das periferias
e de dioceses improváveis tornaria complicadas as decisões, se Francisco
morresse ou renunciasse.
Segundo Sandro Magister, vaticanista crítico do Papa,
a primeira e última vez em que houve debate vivo entre cardeais foi em 2014 e
não teria corrido bem para Francisco. Essas reuniões constituíam oportunidade
para os purpurados se conhecerem melhor e, assim, estarem mais habilitados para
eventual eleição. A revista “Cardinalis”, agora associada à iniciativa de
Pentin e de Montagna, e a editora Sophia Institute Press,
já tinham essas preocupações e deram voz a algumas das figuras mais
conservadoras.
Este é um trabalho em permanente atualização, tendo os
dois coordenadores ligados ao produto final pessoas a trabalhar no sentido de
juntarem mais informação à existente e de introduzir novos cardeais eleitores
na lista publicada. E, para tanto, há financiamento assegurado. Com efeito, em
2018, vários meios de comunicação social que cobrem a atualidade da Igreja
Católica anunciaram existir, nos EUA, a previsão do fundo de um milhão de
dólares. Não se encontra informação de ligação direta entre o agora publicado e
a intencionalidade de há anos, mas os círculos de pessoas e organizações, se
não são os mesmos, têm ligações e os objetivos convergentes.
Na lista de algumas dezenas de cardeais que poderiam vir
a ser eleitos papa, o português Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para
a Cultura e Educação é apresentado como possível numa segunda linha. Verifica-se
que, nos itens considerados, pesa a dúvida ou a ignorância sobre o
posicionamento do português. Mas a apreciação qualitativa que dele se faz aponta
no sentido da colagem à ala dos que defendem uma linha de continuidade com o
atual Pontificado.
Em geral, reconhece-se que, a verificarem-se certas
circunstâncias, pode ser um candidato forte. Sublinha-se-lhe a larga
trajetória, que toca um leque significativo de vertentes, a sua origem africana
e a sua atitude geral de “evitar o confronto”. Sublinha-se que está muito
próximo do atual Papa, valorizando a sinodalidade como o futuro da Igreja.
Porém, diz-se que possui competências de administração bastante pobres,
desvaloriza-se a vertente poética, dizendo que é mais reconhecido pela
sociedade do que pela Igreja. E conclui-se que, apesar da sua relativa juventude,
não se deve subestimar o seu estatuto papável no
Colégio Cardinalício. Para os cardeais eleitores que desejam um candidato de
continuidade, alguém heterodoxo e modernista, com um impulso revolucionário
ainda maior do que Francisco, o purpurado madeirense pode ser o candidato ideal.
Pela “ficha” de Tolentino, imagina-se que houve um verdadeiro
trabalho de escrutínio da vida dos cardeais eleitores, incluindo o seu círculo
de relações e os escritos, nomeadamente, as entrevistas dadas. Essas fontes
que, pelo menos, neste caso, não são nomeadas, podem ter papel decisivo quanto
à visão que constroem de cada um dos homens do barrete cardinalício.
Resta acrescentar que a lista dos eleitores inclui, naturalmente,
fichas para os cardeais Manuel Clemente, António Marto e Américo Aguiar.
***
A maioria
dos livros e tratados que foram escritos sobre papas concentraram-se na
natureza e na extensão da sua autoridade, isto é, o que o papa pode governar,
ficando ao lado como o
papa deve governar e que tipo de qualidades um cardeal deve ter para ser digno
do papado.
O bispo de
Roma é o sucessor de Pedro, não de Cristo; é o Vigário de Cristo na terra, não
o substituto. Assim, a figura de Pedro na Sagrada Escritura pode ensinar muito
sobre as qualidades necessárias a um papa. Após a Ressurreição, Jesus
aproximou-se de Pedro, que o havia negado, e perguntou: “Tu amas-me?” E
ordenou-lhe: “Cuida das minhas ovelhas, alimenta as minhas ovelhas” (vd Jo 21,15-17). Tais palavras manifestam
virtudes fundamentais necessárias no coração do futuro papa. É certo que os
bispos devem ter essas qualidades, mas, no papa, devem ser preeminentes: “Por
instituição divina, os bispos sucederam aos Apóstolos por meio do Espírito
Santo que lhes foi dado. São constituídos pastores na Igreja, para serem
mestres da doutrina, e os sacerdotes do culto sagrado e os ministros do
governo” (CIC, can. 375).
Um papa deve
ser alguém cujo amor por Cristo se estende a todos os membros do Corpo Místico
de Cristo, o rebanho do qual Cristo é o Bom Pastor. Ao invés do político, cujo
foco é esta vida, o papel principal de um papa é ajudar a pastorear milhões de
almas com segurança para a próxima. A sua caridade, portanto, deve ser tal que
possa “cuidar” do rebanho, por meio do papel real de governança, e “alimentar”
as ovelhas por meio do papel sacerdotal de santificar na liturgia e por meio do
papel profético de ensinar a sã doutrina. Pedro oferece um desenvolvimento
desses temas, exortando os ordenados ao sacerdócio: “Apascentai o rebanho de
Deus, que está a vosso cargo, não por força, mas voluntariamente; não por ganho
vergonhoso, mas de boa vontade; não como dominadores sobre os que estão a vosso
cargo, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando o Sumo Pastor se
manifestar, obtereis a coroa imperecível da glória” (1Pe 5,2-4). Além disso, o papa, como alguém que será cingido por
outro e levado a lugares que não deseja ir, deve ser humilde e dócil aos planos
da providência divina (Jo 21,18).
Como sucessor de Pedro, a “rocha” sobre a qual a Igreja visível foi fundada (Mt 16,18), o pontífice romano precisa de
ser forte em caráter e fé. Como alguém que detém as “chaves do reino dos céus”,
que pode “ligar e desligar” (Mt 16,19),
o papa deve ser alguém que julga com justiça, temperado com misericórdia, à luz
do bem das almas e da sua salvação eterna. Também deve confirmar os fiéis na Fé
da Igreja, transmitida pela tradição, e zelar pelo respeito à ortodoxia,
deveres que equivalem ao papel principal de Pedro: manter a unidade da Igreja.
Todas as
pessoas na Terra são chamadas a ser santas, mas a santidade é repartida de
forma diferente, de acordo com as diferentes vocações. Quando o seu discípulo
monástico foi eleito Papa Eugénio III (1145), São Bernardo de Claraval decidiu
continuar a sua instrução com um tratado sobre como ser papa santo,
intitulado Sobre a Consideração. O conselho do monge cisterciense
ecoaria nos ouvidos dos papas ao longo dos séculos. Bento XIV (1740-58) avaliou
o tratado tão bem que o considerou a regra pela qual a santidade papal é medida
e, em seu tratado sobre a canonização dos santos, resumiu o “conselho de ouro”
de São Bernardo.
Os pontos
principais, que se seguem, dão uma pista sobre o que procurar em cardeais
considerados papáveis: o papa não deve estar absorvido em atividades, mas deve
lembrar-se de que o seu trabalho principal é edificar a Igreja, rezar e ensinar
o povo; acima de todas as outras virtudes, um papa deve cultivar a humildade (quanto
mais for elevado acima dos outros, mais deve se manifestar a sua humildade); o
zelo de um papa deve considerar a sua santidade pessoal, e não honras mundanas;
um papa deve ter amigos conhecidos pela sua bondade; como as estruturas de
poder recebem, mais facilmente, os homens bons do que os tornam bons, o papa
deve esforçar-se para promover os que demonstraram virtude; ao lidar com os
ímpios, o papa deve voltar o seu rosto contra eles (“que tema o espírito de sua
ira aquele que não tem medo do homem; que tema suas orações aquele que
desprezou sua admoestação”); um papa deve escolher cardeais entre os homens
mais eminentes em conhecimento e virtude, os que são pastores bons e bem
qualificados; um papa deve nomear bons bispos, garantir que cumpram os seus
deveres e, se necessário, obrigá-los; os papas devem ter zelo pela propagação
da fé católica, pelo encorajamento e restauração da disciplina eclesiástica e
pela defesa dos direitos da Santa Sé.
Alguém
perguntará qual o papel do Espírito Santo nisto. Certamente a ajuda divina é
invocada antes da votação, mas cada papa é realmente a “escolha de Deus”? Após
a publicação das novas regras de São João Paulo II sobre as eleições papais, o
cardeal Ratzinger explicitou: “Eu
diria que o Espírito não assume exatamente o controlo do assunto, mas como um bom
educador, por assim dizer, nos deixa muito espaço, muita liberdade, sem nos
abandonar inteiramente. Assim, o papel do Espírito deve ser entendido em
sentido muito mais elástico, e não do que ele dite o candidato em quem se deve
votar.”
O velho
ditado sobre eleições papais de que um “papa gordo segue um magro” significa
que o pontífice recém-eleito pode ter visão oposta à de seu antecessor, ou
talvez mais liberal do que o papa conservador a quem sucede, e vice-versa.
Outro velho ditado sobre conclaves é que um homem que entra em conclave como
papa sai como cardeal. E o facto de um papa nomear a grande maioria dos
cardeais não garante que elegerão alguém como ele. Quem quer que seja
escolhido, e por mais ou menos que os cardeais eleitores ouçam a Deus na sua
escolha, o homem, se for bispo, torna-se papa no momento em que aceita,
verbalmente, a eleição.
Porém, é de
mau tom, levantarem-se estas questões na vigência do atual pontificado
2024.12.31- Louro de Carvalho