No
início de um Novo Ano, é de toda a justiça exprimir uma palavra e uma atitude de
gratidão à sociedade que integramos, por nos ter proporcionado, no ano findo, a
realização e o crescimento pessoais, profissionais e cívicos, bem como fazer o necessário
mea culpa, pelos erros com que lesámos
a comunidade, o ambiente e os mais próximos.
Além
disso, os crentes agradecem a Deus a vida e todos os dons de que foram
recebedores para si próprios e para a comunidade de crentes a que pertencem e
que servem, assim como para a sociedade que os envolve e de que não lhes é
lícito fugir, mas servir. Ao mesmo tempo, fazem a contrição sobre os pecados cometidos
contra o seu Deus e sobre os males com que prejudicaram o próximo e denegriram
a imagem das suas comunidades religiosas.
O
ano anterior foi palco de catástrofes naturais e de mão humana. Terramotos e tsunamis, secas severas e extremas, ciclones
e tufões, aluimentos e desabamentos, temperaturas altíssimas, enxurradas e
inundações afligiram as populações em vários sítios do orbe. Paralelamente,
desenvolveram-se focos de guerra e criaram-se outros; exploraram-se e
violentaram-se migrantes que fugiam da guerra ou da fome; fez-se a deflorestação
abusiva e intensiva; eclodiram incêndios florestais; procedeu-se a agricultura
intensiva e a exploração atrabiliária do subsolo; criaram-se factos políticos;
aumentaram-se as crises económicas, financeiras e sociais. Tudo isto molestou
populações, desequilibrou ecossistemas, contribuiu para o esgotamento de
recursos e fez aumentar a riqueza de poucos e a pobreza de muitos.
***
Em
alguns países, como a Polónia, o sistema político parece ter-se equilibrado, em
ordem à melhoria da convivência democrática, ao passo que, em outros, como a
Espanha, o equilíbrio tornou-se precário, por força da ambiguidade dos
resultados eleitorais; e, na Argentina, as eleições deram origem a uma governação
de direita de pendor anarcopopulista.
Em
Portugal, uns criaram factos políticos, outros superlativaram-nos. Tudo o que o
governo propunha e anunciava era, do lado dos seus apoiantes, o bom, o belo e o
verdadeiro ou, pelo menos, o possível; do lado dos opositores, era o mau, o
feio, e o mentiroso ou, pelo menos, o insuficiente. Enfim, todos, em nome da
sua verdade, acusavam os outros de mentira.
De
uns detentores de cargos políticos descobrem-se os rabos-de-palha (corrupção,
favorecimento, recebimento de vantagem, evasão fiscal, branqueamento de capitais,
etc.); de outros eclipsam-se.
Com
a recente crise política, espoletada pelo Ministério Público (MP) – não se sabe
com fundamento em que verdade factual – irrompeu o leilão de promessas eleitorais,
sem que se haja verificado a sustentabilidade das contas públicas que suporte
essa rima de promessas. E, enquanto uns cantam loas aos sucessos da governação,
outros apontam o dedo ao crescimento da pobreza, ao caos na Educação, na Saúde,
na Habitação e na Justiça. Pouco se fala no aumento do crime e no novo tipo de crimes,
no aumento do volume de candidatos a utentes assíduos dos Serviços de Saúde, na
especulação e no longo hiato da construção civil, bem como na debilidade da frequência
e do teor dos cursos de formação de professores e na perda da atratividade da
carreira docente.
Chegou-se ao ponto de os antigos próceres da
política das contas certas virem a terreiro dizer que as contas certas nunca
foram um objetivo orçamental.
Neste
contexto, é desejável que 2024 seja um ano de verdade, na empresa, no Estado,
na Escola, no Serviço de Saúde, na problemática da Habitação, na Justiça e nas eleições.
Para tanto, é necessária uma visão equilibrada das coisas, a justeza da crítica
e a honestidade das propostas.
Não
vale, por exemplo, prometer demissão em caso de os resultados de eleições serem
diferentes do esperados e voltar atrás; ou negar ou propalar uma política de alianças
e, depois, dar o dito por Não dito. Não vale criar factos políticos ou superlativá-los,
como não vale criar falsas notícias ou pintar de negro as verdadeiras.
***
Outro
desejo para 2024 é a coerência.
Há
dias, o Presidente da República (PR) disse que o ainda primeiro-ministro (PM) tem
o futuro político aberto. É capaz de exercer bem um cargo qualquer, em Portugal
ou na Europa. É certo que, à hora da despedida, não se dizem coisas desagradáveis,
mas a coerências impõe a questão: “Se é tão bom, como é que o PR o deixou cair
passivamente?” O chefe de Estado, prudentemente aconselhado (já não falo no professor
de Direito), talvez pudesse segurar o PM até o MP esclarecer a situação do inquérito
instaurado contra ele ou, ao menos, constituir um governo emergente da atual
maioria parlamentar, mas preferiu a dissolução parlamentar.
Por
outro lado, os ocidentais, em que se incluem os Portugueses, fazem questão em
apresentar-se como paladinos dos direitos humanos, bons samaritanos em termos humanitários,
arautos do direito a viver. Contudo, não têm pejo em enviar armas de fragmentação
para a Ucrânia. Estão contra a invasão russa da Ucrânia e contra a anexação de
territórios ucranianos, mas não tiveram pejo de estender a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (NATO) para lá da Alemanha e, recentemente, mais
além. E estão em processo candidaturas de adesão à União Europeia (UE) mais a
leste. Falta coerência e compromisso: “Pacta servanda sunt” (os pactos são para
cumprir).
Em
Belém, não houve festa de Natal, em 2023, mas houve missa de Natal. Na homilia,
o patriarca latino de Jerusalém salientou que “guerra e ocupação têm de acabar”.
No “Natal mais triste de sempre”, o celebrante lamentou: “A Europa vem rezar na
nossa Igreja e não faz nada contra este genocídio.” De facto, só na noite de
Natal, houve mais de 100 mortos na Faixa de Gaza.
O
Ocidente falha na coerência, quando condena a invasão russa e reconhece a
Israel o irónico direito de se defender. Não pressiona a ajuda humanitária aos
desprotegidos e aos vitimados da guerra estúpida entre Israel e o Hamas e assiste,
com benevolência, à infinda eliminação de Palestinianos.
***
Há
uma norma, no Direito Administrativo, segundo a qual os membros de um órgão colegial
que votaram contra uma deliberação, para ficarem isentos da responsabilidade que,
eventualmente, resulte da deliberação tomada, devem fazer constar da ata “o seu voto de vencido, enunciando as razões que o
justifiquem”. Efetivamente, o artigo 35.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo
estabelece: “Aqueles que ficarem vencidos na deliberação tomada e fizerem
registo da respetiva declaração de voto na ata ficam isentos da
responsabilidade que daquela eventualmente resulte”.
Faço esta citação, para anotar que um voto contra ou a indiferença não nos ilibam da responsabilidade sobre os factos de que temos conhecimento. E Sophia de Mello Breyner Andresen escrevia: “Vemos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar…”
Os
Ocidentais, os Europeus, os Portugueses não podem assobiar para o lado, face
aos conflitos internacionais. Têm de estar conta o genocídio, ocorra ele onde
ocorrer; têm de estar pelos direitos humanos e pelos desprotegidos, em
Portugal, na Rússia, na Ucrânia, na China, no Qatar, em Israel, na Faixa de
Gaza, etc. É a luta de cada dia, a luta de todos. E todos somos responsáveis porque
todos somos irmãos.
Já
agora, em Portugal, é desejável que todos – políticos (os da situação e os da oposição),
empresários, agentes culturais, dirigentes associativos, patrões e
trabalhadores – se sintam responsáveis pelos serviços públicos, pela economia,
pela cultura, pelo setor social e solidário, enfim, pelos grandes problemas do país.
A
ninguém é lícito empurrar a barriga para a frente ou assobiar para o lado.
É
desejável que a crise política, que vai ser resolvida em eleições legislativas,
nos dê uma oportunidade de governação equilibrada – com verdade, com coerência
e com responsabilidade.
Vamos
lutar para que a Agenda do Trabalho Digno se concretize e alargue e a luta para
a erradicação da pobreza tenha resultados significativos. Venha daí o empenho, a
ação e a crítica justa, certa e útil!
Será
bom que as eleições europeias deem à UE um refrescamento democrático, mais assente
na cidadania e na preocupação social, uma coesão reforçada entre os Estados-membros.
Enfim, pede-se menos burocracia, menos nacionalismo, mais solidariedade e mais subsidiariedade.
***
Por fim, neste
espirito de verdade, de coerência e de responsabilidade, apraz-se a seguinte
referência da mensagem papal, antes da bênção Urbi et Orbi, no dia de Natal:
“Na Bíblia,
ao Príncipe da paz opõe-se o ‘príncipe deste mundo’ (Jo 12,31),
que, semeando a morte, atua contra o Senhor, ‘amante da vida’ (Sb 11,26).
Vemo-lo atuar em Belém, quando, após o nascimento do Salvador, se verifica a
matança dos inocentes. Quantas matanças de inocentes no mundo! No ventre
materno, nas rotas dos desesperados à procura de esperança, nas vidas de muitas
crianças cuja infância é devastada pela guerra. […] Deste modo dizer ‘sim’ ao Príncipe
da paz significa dizer ‘não’ à guerra. E isto com coragem: dizer ‘não’ à
guerra, a toda a guerra, à lógica da guerra, que é viagem sem destino, derrota
sem vencedores, loucura indesculpável. Mas, para dizer ‘não’ à guerra, é
preciso dizer ‘não’ às armas. Com efeito, se o homem, cujo coração é instável e
está ferido, encontrar instrumentos de morte nas mãos, mais cedo ou mais tarde,
usá-los-á. E como se pode falar de paz, se cresce a produção, a venda e o
comércio das armas? Hoje, como no tempo de Herodes, as conspirações do mal, que
se opõem à luz divina, movem-se à sombra da hipocrisia e do escondimento.
Quantos massacres armados acontecem num silêncio ensurdecedor, ignorados de
tantos! O povo, que não quer armas, mas pão, que tem dificuldade em acudir às
despesas quotidianas, ignora quanto dinheiro público é destinado a armamentos.
E, contudo, devia sabê-lo! Fale-se disto, escreva-se sobre isto, para que se
conheçam os interesses e os lucros que movem os cordelinhos das guerras.
“Isaías, que
profetizara o Príncipe da paz, deixou escrito que virá um dia em que ‘uma nação
não levantará a espada contra outra’; um dia em que os homens ‘não se
adestrarão mais para a guerra’, mas ‘transformarão as suas espadas em relhas de
arado, e as suas lanças em foices’ (Is 2,4).
Com a ajuda de Deus, esforcemo-nos para que se aproxime esse dia!”
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Próspero,
pacífico, verdadeiro, coerente e responsável 2024!
2023.12.31 – Louro de Carvalho
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