Sem grande surpresa, os Estados Unidos da
América (EUA) estão prestes a deixar a Ucrânia e a Europa para segundo plano,
no apoio militar, pois a China afigura-se-lhes como “uma ameaça mais grave a
longo prazo”.
Efetivamente, os Americanos são pródigos na ajuda militar,
por si mesmos ou enquadrados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN ou, no acrónimo inglês, NATO). Porém, depressa ou tarde, se cansam e
atenuam o apoio ou o fazem cessar. O exemplo mais recente é o do abandono do
Afeganistão, o que levou o país à anterior governação prepotente e
desumana.
Essa desistência norte-americana resulta de pressões internas e ou da
pretensa necessidade de mudança de agulhas pela alteração dos seus interesses
geoestratégicos.
Agora, a pressão interna nos EUA, considerando que o Indo-Pacífico é uma
região que exige maior atenção, está a obrigar a Casa Branca a aumentar a
atenção dada à China. Com efeito, segundo os influenciadores, Moscovo não é um
adversário tão potente como se julga, ao passo que Pequim é tido como “ameaça
mais grave, a longo prazo, para a segurança dos EUA, dada a sua riqueza,
tamanho e desenvolvimento militar”, observa a analista de Defesa Kelly Greco.
Essa mudança de agulhas implica uma perda de apoio militar e logístico para
a Ucrânia e para o resto da Europa, que terá de aumentar os gastos com a sua
Defesa.
É certo que tal decisão da Casa Branca, a acontecer, surge no pior momento
para a Ucrânia, cuja guerra está num impasse. Contudo pode funcionar como
antídoto, a médio prazo, para o robustecimento militar da União Europeia (UE) e
para a diminuição ou término da dependência da Europa em relação aos EUA. Para já, a viragem para o Pacífico, em
detrimento do Atlântico Norte, coloca em risco o apoio à Ucrânia e deixa a
Europa numa franja de nervos.
A fração do Congresso norte-americano que mais se opõe à continuação do apoio
militar à Ucrânia argumenta que deveria ser a Europa, e não os EUA, a arcar com
as despesas das suas questões de segurança. Por outro lado, vê China como uma
ameaça crescente e muito mais significativa para os EUA. Em maio de 2022, já
depois de ter começado a guerra na Europa, Anthony Blinken, secretário de
Estado norte-americano, afirmou, no seu discurso sobre a Estratégia dos
EUA para Pequim: “A China é o único país com poder diplomático, económico e
militar para desafiar seriamente o sistema internacional estável e aberto.”.
Kelly Grieco, investigadora da área de Defesa do Reimagining US Grand
Strategy Program, do ‘think tank Stimson Center, salienta que a Rússia é tida
como um agressor oportunista ou, segundo o Pentágono, uma ameaça aguda. Com os
desafios demográficos, economia meio enfraquecida e forças armadas degradadas, é
ameaça menor, a longo prazo, para os EUA do que a China.
Sobretudo os republicanos sustentam, predominantemente, a narrativa de que
Taiwan, (potencial) teatro de guerra marítimo, e Kiev, teatro de guerra
terrestre, são polos distintos que disputam a assistência militar dos EUA.
Embora sejam territórios com necessidades militares diferentes, algumas
intersetam-se: submarinos de ataque, munições avançadas, defesas antiaéreas e
sistemas de inteligência, entre outros. Portanto, embora a Rússia seja ameaça
grave, os EUA devem ter em conta os requisitos necessários para enfrentar o
desafio de longo prazo que a China coloca. “Entre esses encargos estão a
preservação dos arsenais militares e a transferência de mais atenção e recursos
da Europa para o Indo-Pacífico”.
Nos últimos meses, mesmo com a guerra a perpetuar-se no Médio Oriente, o
presidente norte-americano Joe Biden, cônscio de que a China estará a observar
a capacidade de resposta norte-americana para tomar decisões, tentou
transmitir, em Washington, que o fator que limita o arsenal norte-americano
fornecido é a vontade política. Todavia, o Pentágono, por um lado, tem tido
mais dificuldades em obter projéteis de artilharia, por outro, os EUA e aliados
têm sido obrigados a acelerar a produção militar em larga escala.
Esta situação contraditória resulta, sobretudo, de atraso na produção dos
EUA e de uma distração da Casa Branca, com as entregas de armas à Ucrânia a
terem a preferência sobre Taiwan, como aduziu o republicano Mike Collin, quando
os EUA, em outubro, atrasaram as entregas, o que levou os militares ucranianos
a racionar as munições no campo de batalha, como informava a AP. E, naquela circunstância, foi altamente
contestado o envio norte-americano de bombas de fragmentação, para substituir
as remessas regulares.
A 18 de dezembro, a Casa Branca avisou que os EUA teriam apenas fundos para
mais um pacote de ajuda à Ucrânia, em 2023. Joe Biden tem enfrentado a pressão
do Congresso, que continua a bloquear um novo apoio militar a Kiev. Antony
Blinken adiantou que Washington tem um plano para permitir que a Ucrânia,
no futuro, se financie de forma independente, deixando de depender da ajuda
militar e económica norte-americana. Desde o início da guerra, a 24 de
fevereiro de 2022, o Congresso norte-americano já se comprometeu com mais de
110 mil milhões de dólares (100 mil milhões de euros), para auxiliar a defesa
ucraniana.
Kelly Grieco não duvida de que o apoio público ocidental à Ucrânia está a
diminuir e de que há uma crescente ansiedade na Europa, relativamente à possibilidade
(quase certeza) de os EUA não continuarem a fornecer ajuda militar a níveis
como os iniciais, bem como relativamente ao resultado das suas próximas
eleições presidenciais.
A Europa já está alerta, com os Estados Bálticos a sentirem-se “inseguros”,
porque localizados nas linhas da frente da NATO e lembrados da “vida sob a
Cortina de Ferro”, sublinha a investigadora de Estratégia e Segurança. Ora, os
Europeus deveriam estar preocupados com a futura direção da estratégia de
Defesa dos EUA na Europa. Independentemente de quem venha a vencer as próximas
eleições presidenciais dos EUA, Washington está cada vez mais concentrado na
China e nas ameaças no Indo-Pacífico, e não na Europa. Na II Guerra Mundial, em
1941, os EUA e o Reino Unido viram-se confrontados com um dilema e, adotando a
estratégia “Europa em primeiro lugar”, deram prioridade à derrota da Alemanha
nazi e facilitaram a abertura à expansão do imperialismo japonês.
Os países europeus têm demorado a
aceitar esta realidade. Os gastos europeus com a Defesa são, ainda, uma gota no
oceano, apesar de, com a guerra na Ucrânia, terem dado um grande salto. A
maioria dos países da NATO ainda não atinge os obrigatórios 2% do produto
inferno bruto (PIB). E a ênfase de Joe Biden na unidade da NATO resultou em
conversas difíceis quanto à partilha de encargos que estão esquecidos. Crê-se
que, à medida que se perceba que está em causa o financiamento dos EUA à
Ucrânia, a Alemanha acordará do seu sono e a França aproveitará a oportunidade
para impulsionar a sua defesa, através de uma abordagem mais robusta.
Taiwan está no centro da tensão relacional entre a China e os EUA. Pequim
reivindica a soberania sobre a ilha, localizada a cerca de 160 km da costa
sudeste do continente, e promete tomá-la pela força, se necessário, para lograr
a reunificação nacional. Porém, os EUA, que têm um pacto de segurança com a
ilha, fornecem-lhe equipamento militar e tecnologia para preparar o território
para uma eventual incursão de Pequim. O presidente norte-americano disse, por várias
vezes, que enviaria tropas para defender Taiwan, em caso de guerra; e Xi
Jinping exige que os EUA respeitem a “soberania e integridade territorial” do
seu país.
Na ótica norte-americana, a Ásia, fervilhante e cada vez mais decisiva no
Mundo, é uma região que merece mais preocupação. A guerra na Ucrânia
redirecionou esforços, mas não alterou o crescente poder e a influência da
China, o que leva diplomatas e analistas a considerar que, se concretizar o
objetivo de se tornar dominante na Ásia, esse grande país controlará mais de
metade da economia global. A China é, pois, uma ameaça mais grave, a longo
prazo, para a segurança nacional dos EUA, dada a sua riqueza, tamanho e
desenvolvimento militar.
***
A 20 de dezembro, os líderes do Senado (câmara alta do
Congresso dos EUA) admitiram que não aprovarão novo pacote de apoio militar à
Ucrânia até ao final do ano. “Os negociadores ainda estão a trabalhar em
algumas questões e esperamos que os seus esforços permitam ao Senado agir
rapidamente […] no início de 2024”, afirmaram em declaração conjunta o
democrata Chuck Schumer e o republicano Mitch McConnell.
A Casa Branca já tinha alertado, na no dia 18, o 665.º
dia de guerra, que os EUA têm fundos para só mais um pacote de ajuda à Ucrânia,
em 2023, enquanto o Congresso continua a bloquear um novo apoio militar a Kiev.
“Só nos resta um envelope de ajuda”, antes que os fundos se esgotem, frisou John
Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, que não
especificou o montante deste novo pacote que é esperado ainda em dezembro.
O secretário de Estado norte-americano disse que há um plano, sem especificar qual é, para que a
Ucrânia, no futuro, se financie de forma independente, deixando de depender da
ajuda militar e económica norte-americana. “Mas primeiro temos que
ajudá-los por um tempo. Para que o inverno passe. Para que a primavera e o
verão passem”, destacou Blinken.
Desde o início da guerra, a 24 de fevereiro de 2022, o
Congresso norte-americano comprometeu-se com mais de 110 mil milhões de dólares,
mas os republicanos estão a bloquear um importante pacote de ajuda, exigindo
grandes mudanças na política de migração dos EUA, incluindo medidas mais
rígidas na fronteira com o México.
Entretanto, a organização não-governamental Human
Rights Watch (HRW) avançou a acusação de que a Rússia continua a recrutar, à
força, residentes nas zonas que ocupou na Ucrânia para combaterem no Exército
russo. “As autoridades russas obrigam homens nos territórios ocupados da
Ucrânia, de forma aberta e ilegal, a lutar contra o seu próprio país”, disse
Hugh Williamson, diretor para a Europa e Ásia da ONG de direitos humanos.
Williamson adiantou que os ocupantes russos também
pressionam “os civis detidos” nas zonas ocupadas para se juntarem às suas
fileiras, refere um comunicado da HRW, que qualifica de “crime de guerra” as
duas práticas: deter civis e pressioná-los ao alistamento. A organização disse
ter entrevistado, por telefone, três homens que se encontram em prisão preventiva
no Donetsk, no Leste do país, controlada pelos separatistas russófonos e com a
presença de militares russos. “Os três disseram que estão detidos desde antes
da invasão russa, em larga escala, de fevereiro de 2022, e que oficiais das
forças militares da designada República Popular de Donetsk tentaram
pressioná-los, através de intimidações, ameaças e propaganda”, lê-se no
comunicado. O advogado dos detidos diz conhecer, “pelo menos, 11 casos
similares”, indica a Human Rights Watch.
Para o Kremlinm os contactos com a Ucrânia são irrelevantes,
pois Kiev abandonou as negociações de paz, em 2022, pouco depois do início da
agressão, por insistência do Reino Unido”. E Vladimir Putin pediu severidade
para as secretas estrangeiras, que tentam desestabilizar a Rússia para ajudar a
Ucrânia. “Kiev, com o apoio direto de serviços especiais estrangeiros, seguiu o
caminho dos métodos terroristas, praticamente do terrorismo de Estado. É
preciso pôr um fim de maneira dura às tentativas dos serviços especiais estrangeiros
de desestabilizar a situação política e social na Rússia”, disse no Dia dos
Agentes de Segurança Pública.
***
A guerra vai continuar na Ucrânia, mas os EUA,
especialistas em ajudar e em desistir, voltam-se para Taiwan, para fazerem,
eventualmente, outra guerra. É de questionar como manterão os compromissos com a
NATO e se descurarão a segurança no Ártico, região permeada pela Rússia e pelo
Ocidente a norte, bem como se os valores defendidos pelo Ocidente (tão
badalados) estarão à venda ou poderão ser suspensos por causa de interesses de
egoísmo nacional por disputa de território. E a guerra na Ucrânia deixa de ser por
procuração e a Rússia pode vencê-la.
2023.12.24 – Louro de Carvalho
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