A urgência de descarbonizar e de renunciar aos combustíveis
de origem fóssil, tal como a necessidade de eliminar todo o tipo de poluição,
de utilizar, em grande escala, as energias renováveis e tratar os resíduos
sólidos de acordo com a trilogia reduzir, reutilizar e reciclar, são reconhecidas
por todas as pessoas de boa vontade, universo em que se incluem alguns decisores
políticos e algumas empresas.
Na verdade, os oceanos glaciares estão em degelo,
o nível das águas está a crescer, os solos, os mares, os oceanos e o ar estão
atulhados de elementos poluidores, a emissão de gases com efeito de estufa não para
e o aquecimento global crescente é um facto incontornável.
É, pois, necessário, criar uma forte sensibilização
nas populações, nos decisores políticos e económicos que leve à ação imediata e
a médio prazo para a defesa do planeta.
No entanto, submeter países ao juízo dos
tribunais, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), por
inação climática, não passa de mero simbolismo. É difícil apurar culpa coletiva,
o processo é moroso e uma eventual condenação terá pouco significado prático.
A luta de rua, para ser eficaz, não pode molestar
pessoas e instituições a esmo. Se os decisores políticos forem radicais, terão
a população contra si e contra as medidas tomadas. Os decisores económicos não
podem ser julgados por erros e abusos cometidos no passado, sobretudo se encetaram
um caminho de reconversão das empresas. E mudar, a curto prazo, de estratégia
empresarial, em termos de generalização, só não resolve o problema, como
levaria à paragem da vida, no modo como os países se habituaram a fruí-la.
Seria, pois, importante identificar os verdadeiros
interesses instalados e cercá-los de forma que eles sentissem a urgência da desinstalação
a médio prazo. Porém, falta coragem para tanto. É mais fácil protestar na rua e
nas faculdades, atirar tinta a governantes, pintar edifícios públicos,
deitar-se ao chão ou agarrar-se às paredes, pintar aviões, parar escolas, bloquear
estradas, etc.
Ora, ações que representam ofensa às pessoas, perturbação
grave da via pública e danificação de património são contraproducentes. E
utilizar, nos protestos, materiais poluentes e de origem fóssil revela incoerência
e inconsequência.
Tudo isto se opõe àquilo que devia ser feito na
linha sadia da congruência.
***
Ativistas do
grupo Climáximo pintaram, a 3 de dezembro, em Lisboa, a fachada do Museu de
Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), propriedade da Eletricidade de Portugal
(EDP), em protesto contra a atividade do grupo empresarial na crise climática e
contra o uso da sua fundação para “lavar a imagem”. Segundo um comunicado do grupo, duas pessoas terão sido detidas após
escreverem na fachada e cobrirem de tinta vermelha a escadaria do MAAT. Porém, o Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de
Segurança Pública (PSP) referia que a situação estava em análise e que os
jovens foram identificados, aguardavam se há queixa para formalizar a detenção.
O grupo Climáximo acusa a EDP de ser um dos maiores importadores de
combustíveis fósseis para produzir energia em Portugal e considera-a “diretamente
culpada pelas mortes e destruição que advêm da crise climática”, condenando a
população a “catástrofes a curto e longo prazo”.
“Estão
ativamente a lucrar com a crise climática e do custo de vida, enquanto lavam a
sua imagem com instituições, como a fundação EDP, ou [com] metas de
descarbonização a décadas de distância. Sabemos que as crises que causaram
estão presentes, hoje e agora, na vida das pessoas, por isso, não podemos consentir
com a sua normalidade”, referiu a porta-voz da ação.
Para estes
ativistas é necessária a criação de um “plano de paz”, com vista a uma
transição justa para os trabalhadores das indústrias poluentes e à garantia de
direitos dos Portugueses.
O grupo
Climáximo lembrava que já interviera em protesto na Conferência da Eurogas, a
28 de novembro, e na Portugal Renewable Energy Summit, no dia 29, e assinalava a
marcação, em conjunto com outras organizações, de uma manifestação para a
resistência climática, no dia 9 de dezembro às 14 horas, no Saldanha, em Lisboa.
A EDP repudiou
a ação do movimento de ativistas ambientais, que despejou tinta, no edifício,
em protesto contra a empresa.
“Partilhando das preocupações
relativas aos desafios climáticos, a EDP repudia, porém, quaisquer atos de
vandalismo”, refere em comunicado.
Para a empresa, “o debate sobre a ação climática deve ser conduzido de
forma construtiva, com a participação de todos – empresas, governos, cidadãos e
associações –, procurando-se sempre as melhores soluções para um planeta mais
sustentável”. Nesse sentido, a EDP diz integrar
“este esforço coletivo”, tendo iniciado, “há várias décadas, uma transição para
fontes limpas de energia”, que representam, atualmente, 80% da sua energia a
partir de tecnologias renováveis. E diz estar
“a investir 25 mil milhões de euros na transição energética, até 2026”, ter
fechado, “em 2021, a sua central a carvão, em Portugal”, e ter, recentemente,
anunciado “a transformação das restantes (em Espanha e no Brasil), com o
objetivo de encerrar o uso de carvão até 2025”.
***
Na manhã de 6 de
dezembro, jovens ativistas, do Climáximo, entraram no Aeródromo de Cascais, em
Tires, para uma ação de protesto. Além de pintarem um jato privado, bloquearam-no
com os próprios corpos. Acorrentaram-se às rodas do aparelho, em protesto
contra as emissões de gases com efeito de estufa dos voos de luxo, como anunciou
o grupo. Seis acabaram detidos,
segundo declarou à TSF a porta-voz do
movimento, Leonor Canadas.
Em
comunicado, o movimento refere que uma
viagem num jato privado entre Londres e Nova Iorque “emite mais CO2 [dióxido de
carbono] do que uma família portuguesa num ano inteiro”.
“Estar aqui
corta mais emissões do que qualquer escolha individual. Os donos do Mundo
culpam pessoas normais, de forma ingrata, pelos seus hábitos, quando, na
realidade, esta é de longe a forma
de transporte com mais emissões per
capita, e é usada, quase exclusivamente, por ultrarricos”, afirma
Noah Zino, do Climáximo, citado no comunicado.
Conforme
escrevem nas redes sociais, os ativistas sustentam que os “jatos privados são
armas de destruição, não têm lugar numa sociedade em chamas”. Por isso, defendem
ser necessário “combater as injustiças da crise climática” pelas “próprias
mãos, quando todas as negociações resultam em falhanços”. Para estes ativistas,
“cortar emissões de luxo e voos
supérfluos”, como os “dos jatos privados”, tal como os “voos de curta distância”,
faz “parte das soluções imediatas para travar a crise climática e construir a
paz”.
Fonte da
esquadra da PSP de São Domingos de Rana, freguesia onde se insere o aeródromo,
disse à Lusa que alguns dos seus
elementos foram para o local.
No
comunicado, o Climáximo lembra: “A ONU [Organização das Nações Unidas] afirma
que o 1% tem de cortar mais de 97% das suas emissões, mas os voos duplicaram no
ano passado”.
“Só a
poluição da queima de combustíveis fósseis já mata, todos os anos, mais pessoas
do que os campos de concentração”, refere o movimento, que acusa os líderes mundiais se deslocarem “de jato
privado aos Emirados Árabes Unidos para negociações climáticas”, considerando
que “pintam uma imagem da realidade tão nítida como a tinta vermelha que os
denuncia”.
***
Há, no
entanto, nesta luta de rua, várias inconsistências. Desde logo, usar tintas
contra edifícios, aeronaves e roupas é não pensar que é preciso lavar depois, gastando
de água desnecessariamente, e recuperar o estrago com o uso de químicos, o que não
é nada bom para o ambiente.
O Climáximo,
para ter credibilidade, tem de abordar a causa de forma rigorosa. Para lá da
queima dos combustíveis fósseis, a outra grande fonte de gases com efeito de
estufa é a mudança do uso da terra. Por exemplo, é preciso travar a desflorestação
de que resulta a criação de mais área de pastagem e de mais cultura de soja
para alimentar uma pecuária que não para de crescer desmesuradamente. A
principal urgência é a diminuição do sobreconsumo de proteína animal,
especialmente de carne. Enquanto não conseguirem ver isso, os protestos
claudicarão. Portugal, em poucas décadas, tornou-se num dos maiores
consumidores de carne per capita. Há,
pois, que ir ao cerne dos problemas e não perder tempo a pintar jatos.
Rebelem-se contra as subvenções públicas da pecuária que nos mata. Exijam que
os nossos impostos canalizados para a Política Agrícola Comum (PAC) sejam
usados para financiar a produção sustentável de vegetais.
Entretanto, barafustam,
mas usam produtos derivados do petróleo nos protestos e nas deslocações. Ou vão
a pé? Juntem o dinheiro que gastam a comprar lenha para aquecimento de famílias
pobres!
***
Por fim, dá para
pensar como é que o Ministério Público, tão atento aos supostos crimes de políticos,
não se dispõe a inquirir estes ativistas, por desrespeito a figuras públicas e
por atendado contra o património público e privado. A liberdade de expressão,
de associação e de manifestação não justifica tudo!
2023.12.07 – Louro de Carvalho
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