O coordenador
da celebração do centenário do nascimento do fundador do Partido Socialista (PS)
e segundo chefe de Estado eleito na era democrática sustenta que essa efeméride
está ligada ao cinquentenário do 25 de Abril.
Mário Alberto
Nobre Lopes Soares nasceu a 7 de dezembro de 1924 e morreu a 7 de janeiro de
2017. Entre estas duas referências temporais, “há contestação, resistência,
exílio, várias lutas, reação, família, amigos, governação, um partido e um país”.
Para lembrar
a vida do fundador do PS, a comissão presidida por José Manel dos Santos está a
preparar um ano com exposições, cerimónias, memórias, e contou com amigos,
dentro e fora do PS, para recordar uma vida ligada à luta pelo fim da ditadura
e pelo que a liberdade e a democracia representam, como a autodeterminação das
colónias e a passagem a novos países.
A 7 de
dezembro de 2023, foi relançado o livro “Portugal Amordaçado”, agora com a
chancela Imprensa Nacional. É “mesmo o mais importante livro que é a memória da
história do combate contra a ditadura feito por um combatente”, disse o filho
João Soares.
Porém, José
Manuel dos Santos adverte que “esse ainda não foi o início da celebração do
centenário”. Estamos a um ano da efeméride, o que “não impede que, antes, já
comecem a aparecer coisas, nomeadamente o livro, que apareceria mesmo que não
houvesse centenário. Há muita gente a querer fazer coisas já. Portanto, vamos
também ter alguma coisa de ligação de Mário Soares aos 50 anos do 25 de Abril”,
adiantou.
Embora seja possível
fazer coisas em colaboração com a Comissão dos 50 Anos do 25 de Abril, na ótica
de José Manuel dos Santos, “não tinha sentido estar a sobrepor, com muitas
atividades programadas, o centenário com o cinquentenário do 25 de Abril”, pois
trata-se de outra comissão, com atividades próprias e objetivos distintos, que
se cruzam, o que não está em causa.
As
comemorações do centenário propriamente dito começarão a 7 dezembro de 2024, o
ano oficial (é quando faz 100 anos do seu nascimento), e estendem-se até 2025.
Aí é que haverá os pratos fortes – as comemorações dos órgãos de soberania,
exposições, publicações. A rematar esta evocação, em plano familiar e no quadro
da democracia, celebra-se, em maio, o centenário de Maria de Jesus Barroso, a mulher de
Mário Soares, com marca indelével no combate pela liberdade e na fundação do
PS. Para já, sem programação ainda definida, a vida do ministro dos Negócios
Estrangeiros em três governos provisórios (ministro sem pasta noutro),
primeiro-ministro de governos constitucionais (primeiro, segundo e nono),
Presidente da República e eurodeputado é recordada para lá das fronteiras da
Fundação Mário Soares e Maria Barroso.
A 22 de
fevereiro de 2024, chegará às salas de cinema o filme “Soares é Fixe”, do
realizador Sérgio Graciano, que evocou Salgueiro Maia, num outro filme. Esta
adaptação cinematográfica da segunda volta da corrida às eleições presidenciais,
em 1986, disputada entre Soares e Diogo Freitas do Amaral, recorda o slogan da campanha que levou o antigo
Presidente da República a mais uma vitória em democracia. E José Manuel dos Santos, curador da efeméride, revela que a comissão “já
está a pensar nas exposições”, apesar de ainda não estarem fechadas com as
instituições e com os locais onde vão acontecer, pelo que não pode “adiantar as
datas”. Porém, já se fez a ronda aos diversos órgãos de soberania (Presidência
da República, Parlamento, Governo e Tribunais), às universidades,
internacionais e nacionais, em que Mário Soares é doutor honoris causa, às academias a que pertenceu, a clubes, à Sociedade
Portuguesa de Autores, a associações de estudantes, a partidos da Internacional
Socialista.
***
Por
seu turno, Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril, com o lema
“Celebrar o passado para salvar o futuro”, já tem o programa final dos 50 anos
do 25 de Abril praticamente finalizado, faltando apenas a aprovação do
Presidente da República, pelo que ainda não há a conveniente divulgação. Porém,
tem em vista que as comemorações sirvam para “discutirmos e perspetivarmos o
futuro do país e da democracia”, com atenção especial aos jovens, e avança já
com algumas ideias programáticas.
Maria Inácia Rezola, comissária
executiva, afirma que 2024 será um “ano de viragem” nas comemorações, iniciadas
em março de 2022, que se prolongarão até 2026. Depois do período inicial ter
sido dedicado aos movimentos sociais e políticos que criaram as condições para
o 25 de Abril de 1974, o ano de 2024 será focado no Movimento dos
Capitães/Movimento das Forças Armadas (MFA) e na descolonização. Já o de 2025
será o ano para celebrar a democratização do regime – potencialmente ano
controverso, por ocorrer o cinquentenário do 25 de novembro de 1975, data cada
vez mais fraturante. E, em 2026, as comemorações estarão focadas nas questões
do desenvolvimento. Ou seja: os três D do 25 de Abril: descolonizar,
democratizar, desenvolver, distribuídos por três anos: 2024, 2025 e 2026.
Maria Inácia Rezola garante: “A nossa
expectativa é que o próximo ano [2024] seja um ano de festa, de celebração de
50 anos de democracia, e o ponto de partida para uma reflexão sobre os próximos
50 anos. Acredito que isso acontecerá, quer através das iniciativas pensadas e
desenvolvidas pela Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril, quer
através das levadas a cabo por todas as outras entidades que, de norte a sul do
país, estão entusiasticamente envolvidas na preparação das celebrações.”
A ideia é mesmo celebrar o passado
para salvar o futuro. E a comissária executiva explica: “O propósito da
Comissão é promover um maior conhecimento sobre o passado recente, para que
este aumente o nosso domínio e compreensão sobre o presente e nos dote de
ferramentas, para, de forma esclarecida, discutirmos e perspetivarmos o futuro
do país e da democracia.”
Para tanto, pretende-se, obviamente,
“tirar partido destas datas, para promover, junto dos mais jovens, a
importância de se valorizar as conquistas de abril e chamá-los para que tomem
parte na construção de uma sociedade melhor, mais justa, mais livre, mais
participada e mais democrática”.
Em parceria com o Instituto do Cinema
e do Audiovisual (ICA), estão em organização o concurso “Cinema
pela Democracia”, que atribuirá 790 mil euros a projetos de produção
cinematográfica e audiovisual de ficção, documentário ou animação; a organização
de seminários, conferências, workshops
ou atividades similares; ações de formação; a realização de mostras ou ciclos
de cinema e audiovisual português, que se enquadrem nas Comemorações dos 50
Anos do 25 de Abril de 1974 e que contribuam para a reflexão sobre a sua
relevância na atualidade.
O concurso “O 25 de Abril e a democracia
portuguesa” atribuirá 500 mil euros a projetos de investigação
no domínio das ciências sociais e humanidades sobre este período histórico do
país.
Simultaneamente, em parceria com a
Direção-Geral das Artes, foi organizado o concurso “Arte pela
democracia” que, com um fundo total de um milhão de euros,
financia projetos artísticos relacionados com o 25 de Abril. E a Comissão
revela: “A edição de 2023 selecionou um total de 45 projetos, 19 nas áreas
artísticas de cruzamento disciplinar; nove de teatro; e seis de música. No
domínio artístico da criação, serão apoiadas 27 iniciativas; no da programação,
sete; no da circulação nacional, quatro. Foram ainda selecionados seis projetos
no domínio da edição e um no domínio das ações estratégicas de mediação.”
Há também uma parceria com a Tinta da
China, intitulada “O 25 de Abril Visto de Fora”, para a
edição de dez livros relativos à revolução, a maioria de autores estrangeiros,
numa coleção dirigida pelo politólogo António Costa Pinto. E uma campanha
dirigida às escolas sobre os direitos humanos consagrados na Constituição da
República Portuguesa (CRP) contempla a divulgação de cartazes desenvolvidos por
16 reconhecidos ilustradores portugueses.
Outras entidades se mobilizaram para
celebrar o cinquentenário da revolução. O Parlamento terá um programa cujo
ponto alto será a sessão solene do 25 de Abril, com todos os chefes de Estado
da lusofonia convidados (a eventual presença de Lula promete novamente suscitar
controvérsia à direita). E o Presidente da República promulgou, a 28 de
dezembro de 2023, o decreto que “determina as condições da criação do “Centro
Interpretativo do 25 de Abril”, que será edificado no Parlamento, e de desenvolvimento do projeto da reabilitação da
manutenção militar Norte.
O programa parlamentar incluirá a “homenagem
aos deputados eleitos em democracia que foram vítimas de prisão política
durante a ditadura”, a homenagem à Comissão Nacional de Socorro dos Políticos e
debates públicos “O 25 de Abril, hoje”, a organizar pelo
Parlamento em todos os círculos eleitorais, com a participação de deputados. E,
no Salão Nobre, entre abril e junho, estará patente a exposição “Vieira da
Silva e a Liberdade”.
***
“Portugal
Amordaçado” é o mais importante dos livros de Mário Soares e,
indiscutivelmente, um dos mais importantes livros que é a memória da História
do combate contra a ditadura feito por um combatente, disse, a 6 de
dezembro, João Soares, vincando o caráter autobiográfico desta obra que chegou,
pela primeira vez, aos escaparates, em França, em 1972, antes do 25 de Abril.
Com um
subtítulo que não deixa margem para dúvidas “Depoimento sobre os anos do
fascismo”, o livro editado em Portugal, pela primeira vez, em outubro de 1974,
já em democracia, acrescentou alguns detalhes às memórias publicadas, em França
(onde era relevante a oposição à ditadura), pelo opositor ao Estado Novo, um
combatente preso e exilado, que nunca se conformou.
A ideia do
livro surge a partir da deportação para São Tomé, onde as
condições logísticas e de segurança para escrever eram reduzidas. Quando
voltou, em 1969, foi ao Brasil e aos Estados Unidos da América. Aí, começou uma
campanha contra ele, por ter denunciado a guerra colonial e o escândalo do Ballet Rose (sórdido esquema de abuso
sexual de menores e de sadomasoquismo, com o impune envolvimento de altas
figuras do Estado e de grandes empresas), e acabou por ficar em Itália,
em casa do amigo Mário Ruivo, técnico internacional da Organização para a
Alimentação e Agricultura, das Nações Unidas (FAO), que fora preso com ele, em Portugal,
e que
lhe cedeu uma casa que tinha nos arredores de Roma. Veio ao funeral
do pai, podendo estar dois ou três dias. Depois, chamaram-no e disseram-lhe que
ou saía ou o prendiam. Decidiu sair. Queria fundar o PS e queria acabar o “Portugal
Amordaçado”, que tem muitas reflexões e histórias que, de certo modo, são
atuais, embora as coisas não se repitam.
O que esta edição
faz é ir ao encontro da revisão que nunca feita pelo autor. “Pensou reeditá-lo
com notas de atualização e dizendo coisas que não podia ter dito naquela
altura, mas acabou por ser solicitado por milhares de coisas e nunca fez isso”,
revela José Manuel dos Santos.
Questionado
sobre se Mário Soares sentiria que a democracia que idealizou estaria
concretizada na atualidade, o coordenador da obra diz ter dúvidas. Todavia,
pensa que, nos últimos anos, estava desiludido, não com a democracia portuguesa,
mas com as democracias, que foram capturadas pelo sistema
político-económico neoliberal, o que iria ter consequências dramáticas. Em
muitos artigos que escreveu, “chamava a atenção para este sistema que, ao
excluir as pessoas, ao ser fundado na desigualdade, provoca coisas terríveis,
como o crescimento da extrema-direita”.
***
Sendo objetivos
do MFA descolonizar, democratizar e desenvolver, era difícil entender a
revolução abrilina, sem evocar o preclaro denunciante da guerra colonial, cuja
solução tinha de ser política. E foi um dos principais construtores da
democracia de tipo ocidental e, como rampa do desenvolvimento económico, ganhou, para o país, apoios
externos e estruturou a governação.
Celebraria também, por certo, o 25 de
Novembro, pela estabilização da democracia e pela sua aquisição de pendor
parlamentar de origem pluralista, mas não como certa direita, que pretendia a aniquilação
de algumas forças de esquerda, o que não foi nem pode ser conseguido.
2023.12.29 – Louro de Carvalho
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