Seria
temerário, para o primeiro-ministro (PM) e atual ministro das Infraestruturas, assumir
a decisão da localização no novo aeroporto de Lisboa (NAL). É certo que não seria
inédito um governo em fim de ciclo decidir sobre matéria importante. Foi o que sucedeu,
por exemplo, com a privatização da TAP Air Portugal, Transportes Aéreos Portugueses, ou, abreviadamente, TAP,
no governo de Passos Coelho, como também, por declaração informal do Presidente
da República (PR) já se denominou de Aeroporto Mário Soares o NAL, que ainda
nem em projeto está.
Aliás,
o trabalho da Comissão Técnica Independente (CTI) não chegou ao fim. A 5 de
dezembro, a CTI apresentou a público o relatório preliminar, que será objeto de
consulta pública, durante 30 dias, após o que será redigido e tornado público o
relatório final. Só então é que é possível tomar uma decisão política científica
e tecnicamente informada.
Assim,
o PM, não querendo ser acusado, no futuro próximo, de tomar uma decisão importante
na situação de demissionário e a liderar um governo de gestão, diz que quem decidir tem a “liberdade” de dar mais
importância a um fator crítico do que a outro, mas que é preciso respeitar o
trabalho técnico. Nestes termos, António Costa deixa o trabalho técnico disponível
para o futuro governo decidir sobre a localização do NAL e fará aprovar, já a 7
de dezembro (pelos vistos, o último dia em que o seu governo estará na plenitude
de funções), em Conselho de Ministros, uma resolução para obriga a ANA – Aeroportos
de Portugal a fazer as obras de melhoria no Aeroporto Humberto Delgado (AHD).
Na apresentação do relatório da CTI, o chefe do governo lamentou não ser
ele quem dará o ok final – “percebem a minha inveja de não ser eu o
decisor político” –, mas deixou recados para quem lhe suceder:
terá “liberdade” para decidir e dar importância mais a um fator do que a outro,
mas “tem o dever de respeitar a avaliação técnica feita pela CTI”.
A frase não é inócua, visto que o Partido Social Democrata (PSD) tem dado
sinais, embora equívocos, de não aceitar a solução sugerida pela CTI. Com
efeito, minutos antes, Luís Montenegro anunciou a constituição de um grupo de
trabalho, dentro do partido, para debater o tema. Terá sido, por isso, na ótica
de alguns observadores, que António Costa tentou, na sua curta intervenção,
balizar e pressionar a decisão de quem lhe suceder, ao defender o acordo com o
PSD, para o vincular ao relatório, e a defender a independência da CTI, que já
foi criticada por membros da direção do PSD, nomeadamente por Miguel Pinto Luz.
A mim, parece-me de meridiana prudência e de inteira legitimidade que um
partido que pretende governar o país, a partir de abril, constitua um grupo de
trabalho, dentro do seu partido, a fim de, baseado nos pressupostos técnicos,
poder preparar uma decisão política a tomar a seu tempo. Assim, penso que o
Partido Socialista (PS) e os outros partidos de expressão parlamentar significativa
podiam e deviam fazer o mesmo. Não está em causa ignorar ou subvalorizar a CTI,
como não está em causa uma vinculação acrítica ao relatório, mas um estudo
político que possa levar a uma decisão política científica e tecnicamente
sustentada.
Sobre a independência da CTI, que alguns puseram em causa, baseados em
alegado conflito de interesses de alguns dos membros, por terem participado em estudos
anteriores sobre alguma das hipóteses de localização do NAL, António Costa,
esclareceu que a solução de construção do NAL no Montijo, que o governo herdara
do governo de Passos Coelho, foi
considerada inviável pelos técnicos, através do relatório,
embora inviabilizada por falta de acordo dos municípios envolvidos e por falta
de acordo com o anterior líder do PSD para rever a lei que obrigava a tal
acordo. Era a solução preferida da ANA, que terá uma palavra a dizer, pois será
a concessionária a pagar as obras do novo aeroporto.
Porém, na conferência de imprensa subsequente à apresentação do relatório,
Raquel Carvalho, membro da CTI, admitiu que, se não se chegar a acordo com a
ANA, que detém a concessão do AHD, o Estado pode avançar com novo concurso
público internacional para a expansão da capacidade aeroportuária na região de
Lisboa. A questão é complexa e, “dentro do contrato de concessão, tudo tem de
ser negociado com o atual concessionário”, estando previsto que se encontre forma
de a concessionária “poder exercer o seu direito de opção”. Esse será um dos
constrangimentos a que o PM se referiu e que influenciarão a decisão política.
“Este processo de escolha não é irrelevante, porque, seguramente, outros
técnicos teriam dado outra opinião diferente. Era muito importante que aqueles
que se pronunciavam o faziam com total liberdade e que o decisor político podia
decidir com liberdade e com uma base informada e com o melhor conhecimento científico
que a academia designou”, diz o PM.
Para António Costa, a decisão política terá de ser tomada com “liberdade”
para considerar que um fator de risco é mais importante do que outro, podendo
essa “valorização” dos fatores estudados pela CTI “alterar” a decisão. Isto
porque a leitura do relatório deixa perceber que a “trama” é complexa e que, na
análise de cada fator, pelo menos, cinco opções aparecem em primeiro lugar num
dos fatores de risco analisados. Não obstante, apesar de sustentar que o
decisor pode optar por relevar mais um fator do que a outro e não ao conjunto
(pelo que CTI defende Alcochete), António Costa reforçou o “dever de respeitar a avaliação técnica
feita pela CTI”.
Acima de tudo, segundo o PM, houve “dois consensos importantes” a não
desperdiçar: já ninguém discute a necessidade de aumentar a capacidade de
Lisboa, pois o atual aeroporto está esgotado”; e a vantagem da metodologia de
decisão (aí elogiou Luís Montenegro), ou seja, a forma como se acordou a
constituição desta CTI e sua forma de trabalhar. Todavia, admitiu: “Nunca haverá qualquer solução que gere
unanimidade. Dificilmente qualquer das soluções terá mais de 20% de apoiantes,
terá por isso 80% de opositores.”
A CTI apresentou o seu relatório preliminar, que irá, agora, para consulta
pública por 30 dias, e defende que a melhor solução para um aeroporto
definitivo é no Campo de Tiro de Alcochete (CTA), com a continuidade do
Aeroporto Humberto Delgado (AHD), na Portela, até que Alcochete esteja
construído. O que ficou claro na CTI é que, na Portela, não há capacidade de
expansão, pelo que não é solução, e que a solução do Montijo é “inviável”.
***
No termos do
relatório preliminar da CTI, as localizações
viáveis são Alcochete e Vendas Novas, inicialmente em solução dual com o AHD ainda a funcionar. Já Santarém e Montijo (este
também por questões ambientais) são apontadas como opções inviáveis para um hub (centro de operações)
intercontinental, a primeira levanta questões de navegabilidade aérea e segunda
questões ambientais e económicas. Por questões ambientais, a localização Rio
Frio/Poceirão foi tida por inviável, à partida, e nem sequer entrou na grelha
de avaliação da CTI.
O CTA, solução que já tinha sido estudada em 2007 e que tinha
sido considerada a melhor opção, e Vendas Novas, localização que se estreou,
têm as melhores classificações nos vários critérios tidos em conta. Tanto o CTA
como Vendas Novas seriam solução dual inicialmente, com o AHD ainda a
funcionar. E, só mais tarde, ficaria um aeroporto único, internacional.
Rosário
Partidário, coordenadora da CTI, vincando a complexidade da avaliação, afirmou
que Alcochete é a solução “com mais vantagens para hub intercontinental”. Montijo, sozinho ou
em solução dual com o AHD, é localização considerada inviável pela Comissão. No mesmo sentido vem a apreciação
feita a Santarém, proposta de investidores privados, cujos rostos são Carlos
Brazão e a empresa Barraqueiro, e que se apresenta fora da concessão da ANA.
Porém, Rosário Macário,
membro da CTI, aponta Santarém como localização quase impossível, por
ter de anular a operação militar de Monte Real uma base importante para a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Na conferência de
imprensa que se seguiu à apresentação do relatório preliminar, Rosário Macário alertou
para as questões relativas à posição da pista proposta pelos promotores de
Santarém, que é perpendicular à de Monte Real, o que levanta um risco de
segurança de aviões porque as aeronaves civis e as militares circulam em
velocidades completamente diferentes, segundo um relatório da NAV Portugal – Navegação
Aérea, EPE, que aponta nesse sentido. E Vendas Novas, apesar de ser outra opção viável, “envolve expropriações”
e parte em desvantagem face a Alcochete, que não precisa de expropriar, que tem
possibilidade de futura ampliação e que permite a construção de uma pista em
sete anos.
***
Também os partidos com assento parlamentar já se pronunciaram.
A posição do líder do PSD é
conhecida: criação do grupo no interior do partido e afirmação de que o próximo
governo que espera liderar tomará a decisão necessária em articulação com o PS,
entendendo que a questão deve ficar de fora da campanha eleitoral.
O Partido Comunista Português (PCP)
defendeu a
construção do NAL em Alcochete com a construção da terceira travessia sob o
Tejo entre o Barreiro e Lisboa e a de uma “linha de alta velocidade ferroviária
entre Lisboa e Porto pela margem sul do Tejo”, utilizando esta terceira ponte e
a “ligação com Espanha”, disse Ana Paula Santos. E o Bloco de Esquerda (BE) defendeu
a opção de Alcochete como a “melhor”. “Tantos anos para a conclusão mais óbvia,
visível aos olhos de todos – que Alcochete é a melhor localização – e que,
aliás, materializa decisões técnicas anteriores”, disse Pedro Filipe Soares.
A
porta-voz do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) criticou o relatório da CTI,
que aponta Alcochete como a solução mais favorável, desvalorizando os critérios
ambientais, bem como a segurança e a qualidade de vida das pessoas. A solução
de Alcochete coloca preocupações graves ao nível da desarborização – 250 mil
sobreiros (A CTI fala em 30 mil) vão ter de ser destruídos para a sua construção
– e do impacto do ruído nas pessoas, segundo declarou Inês de Sousa Real aos
jornalistas. A população de Alcochete será afetada, a médio prazo, por
“poluição” e o país continua sem apostar no transporte ferroviário, já que nem
todas as capitais de distrito estão ligadas por comboio. No entender do PAN, “é
importante que todos os partidos digam ao que vêm durante a campanha eleitoral”.
Rui
Tavares, do Livre elogia o relatório por inviabilizar Montijo. Por outro lado,
diz que a CTI mostrou como a democracia pode crescer em maturidade, com mais
instrumentos de participação pública, com consultas públicas participadas,
nomeação de comissões técnicas independentes, antecipando uma decisão “mais
transparente”. E as pessoas avaliarão como os políticos respeitam ou não as
deliberações técnicas da CTI. E Pedro Nuno Santos (do PS), como quando
era ministro, tem pressa para que se defina a localização do NAL. “Quero que se encerre este capítulo de uma vez e que avancemos para as
obras”, diz. “Estamos a perder demasiado tempo, custa-me que nós arrastemos os
pés neste dossiê como noutros.”
Por seu turno, o Chega e a Iniciativa Liberal (IL) entendem que deve haver
uma “decisão partilhada” entre os partidos sobre o novo aeroporto.
***
Muita
tinta vai correr e muito se vai falar até à próxima composição do Parlamento e
à formação do novo governo. Falta a discussão pública do relatório, a elaboração
e apresentação do relatório final e a discussão política. Uma coisa é certa: a
decisão será política, porque todas as opções são financeiramente viáveis e
todas apresentam vantagens e inconvenientes, como diz a CTI.
A
necessidade de a decisão ser política remete-me para o que se passou comigo, em
1993. Precisava de selecionar duas pessoas para um serviço. Um perito em seleção
de pessoal orientou as entrevistas, mas deixou todas as pessoas candidatas em
situação de empate. Tive que decidir em articulação como órgão colegial a que presidia.
É a vida!
2023.12.05 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário