A 2 de
dezembro, o Diário de Notícias (DN) dá conta da reportagem da TVI, em
outubro, segundo a qual um documento de dezembro de 2010, agora recuperado por
uma associação ambientalista, alertava para o abate de mais de 250 mil sobreiros
no Campo de Tiro de Alcochete (CTA). Enfim, mais um ponto a engrossar a discussão
sobre o novo aeroporto de Lisboa (NAL), que teima em não passar do papel à fase
de projeto e à do consequente desenvolvimento.
Desde abril,
estão em cima da mesa nove opções para a instalação da infraestrutura que, há
54 anos, é badalada pelo poder político e pelos agentes económicos. Várias hipóteses
de localização do NAL foram enfraquecendo, mercê das contraindicações ambientais
e ou da mudança dos interesses que se vão sobrepondo uns aos outros. E a que
levanta preocupação, agora, que se suspeita da escolha por parte da comissão técnica
independente (CTI), criada para o efeito, é a do CTA, cujos danos ambientais,
se for a escolhida pelo próximo governo, levarão ao abate de 250 mil sobreiros,
espécie protegida pela nossa legislação e com grande relevo para o ecossistema
natural. “É distintamente um impacto brutal”, vincava o presidente do Grupo de
Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).
Só a
construção do aeroporto implica abater 90 mil árvores, a que se juntam 166 mil
sobreiros ameaçados pela implantação da cidade aeroportuária e dos acessos
rodoviários.
Segundo Inês
Sousa Real, líder do PAN, será um “desastre ambiental”, sendo “absolutamente
inaceitável” que se penhore, assim, “um património natural como este”. “É
fundamental garantir que o desenvolvimento do país não é feito à conta dos sacrifícios
ambientais. […] O país precisa de uma nova solução aeroportuária, mas não à
custa do abate de 250 mil sobreiros”, reforçava.
Se a solução
CTA for a opção recomendada CTI, que analisa as diferentes possibilidades,
desde outubro de 2022, o abate do ecossistema de montado na área será uma
medida sem precedentes, agudizando o problema ecológico criado pela autorização,
nos últimos 13 anos, do abate de cerca de 35 mil sobreiros (sete vezes menos do
que o previsto em 2010, no CTA).
Para o
professor catedrático Filipe Duarte Santos, como as outras localizações em cima
da mesa, Alcochete “tem aspetos mais positivos e menos positivos”, mas ser uma
zona de montado “é um aspeto negativo”. E lembra o também presidente do
Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) que é
preciso aguardar o relatório da CTI e a subsequente discussão pública, pois há
que separar o aconselhamento baseado na ciência da decisão política. “Haverá um
governo que irá decidir depois. A ponderação dos vários critérios é uma questão
política”, esclarece.
Catarina
Grilo, diretora de Conservação e Políticas da Associação Natureza Portugal (ANP), que trabalha em associação com a World Wide Fund for Nature (WWF), diz
que a associação aguarda, “com serenidade e expectativa”, o relatório final da
CTI, com apresentação prevista para 5 de dezembro. Porém, sublinha: “Deve-se
ter sempre em conta o quadro geral das alternativas de localização em cima da
mesa e uma panóplia de critérios para considerar que determinadas opções de localização
são aceitáveis ou não.”
Não são
apenas os ambientalistas a mostrar reticências sobre este cenário. Pedro Nuno
Santos, então ministro das Infraestruturas, disse na Assembleia da República (AR),
em março de 2021, que a opção do CTA iria “arrasar mil hectares de sobreiros”.
O Ministério
do Ambiente e da Ação Climática, questionado se autorizaria o abate de 250 mil
sobreiros, se Alcochete fosse a opção do governo, esclareceu que a CTI foi
escolhida para desempenhar uma missão e que o Ministério não comentará até à
conclusão do trabalho.
Para João
Joanaz de Melo, presidente do GEOTA, cético da necessidade de nova infraestrutura
aeroportuária, a discussão do NAL está inquinada desde o início. Antes de
discutir a localização, há coisas a fazer. Uma delas é uma rede ferroviária intercidades
que ligue as principais cidades, portos e aeroportos do país. A prioridade,
segundo o investigador, deve ser reduzir a carga na Portela, acabar com as
rotas noturnas e utilizar aeroportos complementares, como o de Beja, solução
também defendida pela líder do PAN.
O GEOTA
recusa também a ideia de transformar o NAL num grande hub internacional, tendo “as maiores dúvidas de que isso seja do
interesse do país como modelo de desenvolvimento”.
Na verdade,
a CTI recomendou que as operações na Portela fossem otimizadas e que as pistas
de Beja fossem usadas como complemento à oferta disponível. Independentemente
da solução que for recomendada pela CTI, o GEOTA defende que devem ser considerados
os critérios ambientais. “Um fator importante é não interferir com áreas
protegidas naturais.”
A associação
Zero não se pronuncia, para já, sobre as hipóteses da construção do novo
aeroporto e remete uma posição para quando for divulgado o relatório final da
CTI. Porém, sobre a importância do sobreiro como agente do ecossistema, Paulo
Lucas, da direção da ZERO, sustenta que tais árvores “são importantes para a
preservação da biodiversidade”, pois, até do ponto de vista do fornecimento de
serviços de ecossistema, a espécie “permite a regulação do ciclo de nutrientes
e a regulação hidrológica”. Catarina Grilo, partilhando desta opinião, acrescenta
que “a eliminação destas árvores terá impacto também em termos de sequestro de
carbono”, mas sustenta que é possível reconstruir um montado, embora o processo
seja complexo.
João Joanaz
de Melo adverte que o ecossistema de montado tem “enorme valor de conservação”,
bem como aspetos económicos e sociais que não devem ser desconsiderados,
nomeadamente os postos de trabalho associados à retirada da cortiça e a riqueza
deste material para os proprietários. O problema não é o abate de algumas
árvores, mas a destruição de um ecossistema que “pode levar muitas dezenas ou
até centenas de anos a recuperar”.
A escolha da
localização para o NAL tem sido marcada por avanços e recuos, sem uma decisão.
Em 2022, Pedro Nuno Santos, já referido, anunciava a construção imediata do
aeroporto complementar do Montijo e o início dos trabalhos em Alcochete. “Já
chega, já chega! O país anda, há anos, a discutir o aeroporto. Já é tempo a
mais. Há uma decisão tomada e vamos avançar”, declarava à RTP. Todavia, já depois do anúncio, o primeiro-ministro (PM) ordenou
a revogação do despacho assinado pelo ministro, que se desculpou em conferência
de imprensa reconhecendo “erros de comunicação” no governo. O PM não exigiu a
demissão do ministro, mas disse que o erro estaria “corrigido” com a revogação
do despacho.
No final de
2022, o governo criou a CTI, liderada por Rosário Partidário, a quem incumbe a análise
das opções viáveis para a nova localização. Em abril deste ano, a CTI confirmou
estarem a ser estudadas nove localizações: Aeroporto Humberto Delgado +
Montijo, Montijo + Aeroporto Humberto Delgado, Alcochete, Aeroporto Humberto
Delgado + Santarém, Santarém, Aeroporto Humberto Delgado+ Alcochete, Pegões,
Aeroporto Humberto Delgado + Pegões e Rio Frio + Poceirão. São as opções que
restaram do lote de 17, considerado no início.
O presidente
da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, tem pedido “rapidez” na decisão,
mas, recentemente, em entrevista à SIC
Notícias, recusou a ideia de que a infraestrutura não seja construída em
Lisboa. “Quero que o novo aeroporto seja na região de Lisboa, com um hub aqui. Vendas Novas ou Alcochete? Não
me posso posicionar sem ter estudado os projetos. Mas acho calamitoso que não
sejam feitas obras no Aeroporto da Portela”, declarou.
O
ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, disse, no encerramento do debate
parlamentar sobre a proposta do Orçamento do Estado para 2024, que a decisão
será tomada “ao fim de 50 anos de indecisão” e que, além das obras ferroviárias
e do planeamento dos investimentos portuários, estão em curso melhorias no
Aeroporto Humberto Delgado e será tomada uma decisão que tem estado indefinida,
há mais de 50 anos. Todavia, a decisão já não será, tomada pelo XXIII Governo
Constitucional.
***
Para
a associação ambientalista Zero, o aeroporto
Humberto Delgado apresenta o prejuízo acumulado da exposição ao ruído na saúde
das pessoas de quase nove mil milhões de euros, de 2015 até agora. E o excesso de
ruído tem impacto em 380 mil habitantes de Lisboa, de Loures e de Almada. Por
isso, a 31 de outubro, pedia o encerramento do
aeroporto de Lisboa.
“A Zero espera que, na sequência da Avaliação
Ambiental Estratégica em curso, se inicie a contagem decrescente para o encerramento
urgente e definitivo do Aeroporto Humberto Delgado, acabando de vez com os seus
custos sociais incomportáveis”, afirmava.
Esses custos
“dariam para pagar, pelo menos, dois novos aeroportos em local adequado com o
menor impacto possível sobre a saúde humana”. E a associação especificava: “Os
custos aproximados acumulados neste período de 7 anos e 10 meses, a preços
correntes, são superiores a 8500 milhões de euros, o que significa, excluindo
os anos de pandemia em que a atividade aeroportuária foi atípica, que estamos
perante um prejuízo de cerca de 1300 milhões de euros por ano, o que equivale a
mais de 3,5 milhões de euros por dia.”
“A exposição prolongada ao ruído de aviões nas áreas afetadas da grande
Lisboa tem várias consequências adversas na saúde, desde logo distúrbios do
sono, interferindo na qualidade e na quantidade de descanso necessário para um
funcionamento saudável do organismo”, observava, garantindo que tal exposição aumenta o stresse, contribui para problemas
cardiovasculares, como hipertensão e doenças cardíacas, e prejudica a saúde
mental, causando distúrbios de ansiedade e depressão. “(...) Imóveis próximos
do aeroporto ou debaixo da rota de voos têm em geral preços mais baixos em
comparação com as restantes áreas da cidade. Esta subvalorização do património
imobiliário terá custado 167 milhões de euros em 2019”, explicava.
Na análise
da Zero, o custo social foi quantificado através de metodologia presente em estudos
internacionais, com base em “relações dose-efeito” da Organização Mundial de
Saúde (OMS).
Foram
quantificados os custos associados às perturbações do sono, incomodidade,
cardiopatia isquémica, hipertensão, perda de produtividade e subvalorização do
património imobiliário (os dois últimos fatores não foram avaliados para o
estudo do tráfego noturno). A Zero estima que os custos do ruído do Aeroporto
da Portela, calculados segundo as recomendações da OMS, saiam bastante
agravados, face aos custos apurados, e, quando o aeroporto encerrar, haverá “várias
dezenas de milhões de euros em prejuízo irrecuperável para os cidadãos afetados”.
***
O Professor Vital Morreira, no “Causa nossa”, questiona “o sacrifício de
1/4 de milhão de sobreiros, face ao grandioso projeto de edificar uma
esplendorosa Lisboa II na outra margem do Tejo, promovido por um poderoso lobby financeiro-imobiliário, sem precedentes
na História do país, a cujo ‘comité LNEC [Laboratório Nacional de Engenharia
Civil] /Alcochete’ o governo decidiu entregar a chamada CTI”.
Um membro da CTI, em conflito
de interesses, descartou a questão dos sobreiros e falou de o risco de o
relatório ser metido na gaveta pelos decisores políticos. O renomado constitucionalista
sustenta que seria esse o destino de um relatório que ficará como “exemplo de
flagrante violação qualificada do princípio constitucional da imparcialidade na
administração pública em Portugal”. E chama “despudor institucional” ao facto
de um membro da CTI “defender implicitamente um dos projetos, a três dias da publicação do
relatório, pré-anunciando o seu sentido”.
***
O
NAL deve ser construído – falta muito para dispensamos os combustíveis de
origem fóssil e a rede rodoferroviária suficiente está atrasadíssima – a localização
deve ser na região de Lisboa. Haverá sempre danos colaterais, que importa
evitar, reduzir e compensar. O drama do abate de árvores é penoso, mas relativo,
pois muitas não estão em plena vitalidade e é possível compensar o abate um
pouco mais longe. E é inevitável a edificação da cidade aeroportuária.
Os
interesses económicos existirão sempre, tal como existiam na OTA. E a parcialidade
dos estudos, proverbial, fica disfarçada na confissão de “independência” dos
autores.
2023.12.03 – Louro de Carvalho
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