Após uma semana de intensas negociações e adiamentos sucessivos, o Conselho de Segurança da Organização
das Nações Unidas (ONU) aprovou, a 22 de dezembro, uma resolução que exige o
envio de ajuda humanitária “em grande escala” para a Faixa de Gaza.
A
resolução, com caráter jurídico vinculativo, apresentada pelos Emirados Árabes
Unidos (EAU), teve de ser reescrita
várias vezes, ao longo da semana, devido a objeções dos Estados Unidos da
América (EUA), que têm poder de veto no organismo e que o
exerceram em anteriores votações.
Desta
vez, Washington absteve-se, tal como a Rússia (que também tem poder de veto),
permitindo a passagem, com 13 votos favoráveis
(em 15), da resolução que, ao contrário das primeiras versões, não apela a um
cessar-fogo imediato.
No
texto, pede-se ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que designe um coordenador especial para monitorizar e verificar o envio de
ajuda humanitária ao enclave palestiniano, alvo de constantes
bombardeamentos desde o início da guerra, a 7 de outubro, entre Israel e o grupo
islamita palestiniano Hamas.
A
resolução foi aprovada num dia de confrontos violentos na região de Jabalia, com os aviões israelitas a atacar a casa da família Khalla, que acolhia um grande
número de deslocados, em Jabaliya al-Nazla, a norte da Faixa de Gaza. O prédio
foi destruído pelos aviões. Foram recuperados dos escombros os corpos de 30 Palestinianos.
Ao mesmo
tempo, o presidente
russo, Vladimir Putin, prometeu ao líder da Autoridade
Palestiniana, Mahmoud Abbas, que continuará a ajuda humanitária à Faixa de Gaza
e voltou a pedir que “termine rapidamente o derramamento de sangue”. “A Rússia
continuará a fornecer bens essenciais à Faixa de Gaza, incluindo medicamentos e
equipamento médico”, afirmou a Presidência, num comunicado divulgado após uma
conversa telefónica entre os dois líderes.
Na
conversa com o homólogo palestiniano, o líder russo deu conta das medidas
tomadas pelo Kremlin, para atenuar o conflito entre Israel e o grupo islamita
palestiniano Hamas, informou o Kremlin. “Tendo em conta os contactos com os
líderes dos Estados do Médio Oriente, Vladimir Putin informou sobre as medidas
tomadas pela parte russa, para facilitar o desanuviamento do conflito e
assegurar a entrega ininterrupta de ajuda humanitária aos necessitados”,
declarou a Presidência russa.
Por
seu turno, o Exército israelita avisou os refugiados que vivem no campo de
Bureij, no centro da Faixa de Gaza, que se devem deslocar para Deir al-Balah,
mais a sul, referindo-se à expansão das operações militares na zona.
Avichai
Adrai, porta-voz do Exército israelita afirmou, num comunicado, em Árabe,
publicado na rede social X, que “as
Forças de Defesa de Israel (FDI) estão a agir com força contra o Hamas e [contra]
as organizações terroristas”, no âmbito da ofensiva lançada após os atentados
de 7 de outubro. Assim, os Palestinianos que se encontram no campo de
refugiados de Bureij e os habitantes de Badr, Al Nuzha, Al Zahra, Al Buraq, Al
Rauda e Al Safa, no sul do vale de Gaza, devem deslocar-se, imediatamente, para
os abrigos de Deir al-Balah”, zona que também está a ser bombardeada pelo
Exército israelita.
Adrai
afirmou que vai verificar-se “uma suspensão temporária, local e tática das
atividades militares para fins humanitários, no bairro ocidental de Rafah, para
que os residentes na zona possam abastecer-se”, perante a escassez de
alimentos, de medicamentos e de água. Além disso, frisou que “os combates e o
avanço militar do Exército na zona de Khan Yunis [sul] não permitem a circulação
de civis através da via Saladino – que liga Gaza de norte a sul – nas secções
norte e leste da cidade de Khan Yunis”, pois este eixo “é um campo de batalha”.
Num
primeiro momento, a União Europeia (UE) afirmou estar “profundamente chocada”
com a situação de fome em Gaza, onde a iniciativa IPC, apoiada pela ONU,
relatou que quase toda a população está em insegurança alimentar e um quarto
enfrenta uma situação catastrófica.
Num
comunicado conjunto, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, e o comissário
europeu para a Gestão de Crises, Janez Lenarcic, salientam que esta é uma “situação
sem precedentes”, vincando que “nunca nenhuma análise do IPC [Classificação das
Fases de Insegurança Alimentar] registou tais níveis de insegurança alimentar
em qualquer parte do Mundo”.
Para
a UE, a avaliação do IPC, divulgada a 21 de dezembro, denuncia “um
acontecimento grave que deve constituir um sinal de alerta para que o Mundo inteiro
atue agora para evitar uma catástrofe humana devastadora”.
Para
evitar que as pessoas em Gaza morram de fome, sublinham os representantes
comunitários, deve ser assegurada a proteção de civis e o acesso de ajuda
humanitária e de profissionais de saúde, bem como a distribuição de alimentos
em quantidade suficiente.
Também
a Comissão Europeia anunciou um pacote de assistência financeira de 118,4
milhões de euros para apoiar a Autoridade Palestiniana, integrado na dotação
anual para a Palestina, revista em alta, devido à guerra em Gaza.
Em comunicado, o executivo
comunitário indica que a verba irá contribuir para pagamentos de salários e de pensões de
funcionários públicos, na Cisjordânia, e de subsídios sociais para as famílias
vulneráveis, através
do programa de transferência de dinheiro na Cisjordânia e em Gaza. O montante
também deverá ser canalizado para o pagamento das transferências de pacientes
para os hospitais de Jerusalém Oriental e para o apoio técnico e administrativo
às instituições da Autoridade Palestiniana.
A UE é o maior doador de ajuda externa aos palestinianos, num montante de quase 1,2 mil milhões
de euros no período 2021-2024, tendo já sido disponibilizados 809,4 milhões.
Mais
tarde, a UE saudou o apelo do Conselho de Segurança para a ajuda a Gaza sem Obstáculos.
Efetivamente, o presidente do Conselho
Europeu, Charles Michel, saudou a resolução que apela para a entrada segura e
sem entraves de ajuda na Faixa de Gaza. “Acolho com satisfação a aprovação pelo
Conselho de Segurança da ONU de uma resolução que apela urgentemente para o
fornecimento seguro e sem obstáculos de ajuda à população de Gaza”, escreveu na
rede social X (antigo Twitter).
O
político belga sublinhou que “era isto que a União Europeia estava a pedir, em
consonância com o direito internacional humanitário”. E congratulou-se por “se
insistir na necessidade de criar as condições para um cessar-fogo sustentável”.
***
Quem
não se mostrou inteiramente satisfeito, pouco depois da aprovação da resolução
do Conselho de Segurança da ONU, foi o secretário-geral, António Guterres, para
quem o “verdadeiro problema” do envio de ajuda humanitária para a Faixa de Gaza
é a “forma como Israel conduz a ofensiva” neste enclave palestiniano.
“Muitas
pessoas medem a eficácia das operações humanitárias em Gaza com base no número
de camiões do Crescente Vermelho egípcio, da ONU e dos nossos parceiros que
estão autorizados a atravessar a fronteira. É um erro”, declarou Guterres à
imprensa em Nova Iorque. “O verdadeiro problema é a forma como Israel conduz a
sua ofensiva, que cria obstáculos maciços à distribuição da ajuda humanitária
para Gaza”, vincou, adiantando: “Um cessar-fogo humanitário é a única maneira
de começar a responder às necessidades desesperadas da população de Gaza e pôr
fim ao pesadelo que ela vive.”
A ONU
adianta que, desde o início das hostilidades entre o Hamas e Israel, 90% da
população da Faixa de Gaza foi deslocada e alerta para o facto de, agora, o mau
tempo exacerbar “as preocupações com a propagação de doenças, agravando as
condições já de si terríveis”.
***
Há resoluções
do Conselho de Segurança da ONU respeitadas e implementadas a par de outras sistematicamente
ignoradas, dependendo muito do país destinatário. Desta, há quem diga que é
“uma chamada de atenção” e quem entenda que Israel a cumprirá, por sentir
uma maior pressão para o seu cumprimento.
Se há região
que tem sido alvo de resoluções do Conselho de Segurança, essa é o Médio
Oriente. São exemplos: o Plano de Partilha de 1947, a resolução que exigia a
Israel o fim imediato da política de colonatos nos territórios palestinianos ou
a mais recente que pedia pausas humanitárias na Faixa de Gaza. Desta vez, a resolução
dá o sim a mais ajuda humanitária à Faixa de Gaza.
Esta apela a
pausas humanitárias urgentes e prolongadas e a corredores em toda a Faixa de
Gaza, durante um número suficiente de dias, para permitir o acesso humanitário
completo, rápido, seguro e sem entraves. A proposta foi aprovada com 13 votos a
favor, nenhum contra e duas abstenções: os EUA e a Rússia, embora por
razões diferentes. O não ter havido votos contra e vetos é significativo.
O Conselho
de Segurança desempenha papel crucial na defesa da paz e segurança
internacional, papel que lhe é atribuído pela Carta das Nações Unidas. É
certo que muitas resoluções, apesar de vinculativas, não são efetivamente
aplicadas (basta ter havido veto) e algumas são ignoradas. Porém, as aprovadas
devem ser cumpridas pelo país destinatário. Alguns exemplos de resoluções efetivamente
implementadas são a resolução relativa à missão de paz na Libéria, a resolução
de independência de Timor-Leste, que pôs em funcionamento a administração da
região, a resolução de independência da Namíbia e a resolução de paz na Serra
da Leoa.
A
responsabilidade pelo cumprimento das resoluções recai sobre quem trabalha para
a missão da ONU, que tem a responsabilidade de implementar e de prestar contas,
e sobre o Conselho de Segurança. No entanto, muitas vezes, as resoluções são tão
amplas em termos objetivos que quem tem de as implementar estabelece
prioridades e acaba por não as implementar na totalidade. Nesses casos (este é
um deles), deve ser preparado um plano que define quando é implementado cada
objetivo no tempo. E, se o país destinatário ignorar as resoluções, cabe
ao Conselho de Segurança decidir obrigar à implementação, modificar a resolução
ou ignorar que a resolução não está a ser implementada e deixar que a missão
faça o que puder.
Esta
resolução que pede ajuda humanitária à Faixa de Gaza é extremamente imprecisa. É
mais apelo do que resolução. É a chamada de atenção para a necessidade de se
encontrar resposta para a gravíssima crise humanitária. No entanto, o facto de
impor um conjunto de obrigações, como permitir e facilitar a passagem de
combustível e de bens essenciais, incluindo a abertura da passagem fronteiriça
Karem Abu Salem, pode levar a que Israel venha a cumprir.
Esta
resolução reafirma a de 15 de novembro, que pedia pausas humanitárias, e obriga
à nomeação de um Coordenador Humanitário e de Reconstrução da ONU que a
implemente.
***
A resolução
em causa constitui um avanço, em relação ao passado (não houve veto da parte
dos países que têm o direito de o opor), mas um avanço tímido. Com efeito, que
adianta uma ajuda em “grande escala”, se os operacionais da ajuda estão permanentemente
condicionados pelos bombardeamentos e pela surpresa de outro tipo de ataques,
bem como pela necessidade de andarem ao sabor do fluxo de deslocações dos destinatários
impostas por Israel?
Sejamos
claros: o cessar-fogo nesta época de Natal era o mínimo. Com Israel e, provavelmente,
os EUA a garantir, direta ou indiretamente, os ataques, a resolução do Conselho
de Segurança de pouco valerá. Os que morrem, os feridos e os estropiados, os famintos,
os doentes, os idosos, as crianças, enfim os que sofrem merecem mais e melhor,
que não lhes é dado. Vivem e morrem em condições penosas a todos os níveis. E é
isto a Terra Santa, a Terra de Jesus Cristo!
2023.12.22 – Louro de
Carvalho
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