O português
António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
fazendo uso da sua autoridade ao abrigo da Carta das Nações Unidas, pela
primeira vez, durante o seu mandato, enviou uma carta ao Conselho de Segurança,
a 6 de dezembro, para que este órgão tome medidas conducentes a evitar a
catástrofe humanitária em Gaza.
Em documento enviado ao presidente do Conselho de Segurança da ONU, José
Javier de la Gasca Lopez-Domínguez, declarou que a Faixa de Gaza enfrenta “um
grave risco de colapso do sistema humanitário” e reforçou o apelo por um
cessar-fogo humanitário total.
O porta-voz
do secretário-geral, Stéphane Dujarric, partilhou a carta na conferência de
imprensa diária, lembrando que o artigo 99.º da Carta das Nações Unidas,
raramente acionado, autoriza o secretário-geral a levar ao conhecimento dos
membros do Conselho de Segurança qualquer assunto que considere ameaçar a
manutenção da paz e da segurança internacionais.
Na carta, o
secretário-geral, referindo-se ao artigo 99.º da Carta das Nações Unidas,
afirma que “mais de 8 semanas de hostilidades entre Israel e o Hamas causaram
um terrível sofrimento humanitário”. Sublinhou que os civis, em Gaza, estão em
grave perigo, devido às operações militares de Israel, não havendo um local
seguro para proteger os civis e tendo o sistema de saúde entrado em colapso. E
apontou a crueza dos relatos de violência sexual
durante os ataques.
Além disso, a
situação atual, em Gaza, impossibilita a realização de operações humanitárias
de relevo, pois o território está sob bombardeamento constante das forças de
defesa israelitas.
António
Guterres frisou que a população de Gaza não tem abrigo para sobreviver, não
pode satisfazer as suas necessidades essenciais, a ajuda humanitária, ainda que
limitada, à região tornou-se impossível e, por conseguinte, prevê-se que a
ordem pública entre em colapso total muito em breve: “A situação pode piorar com
o surgimento de epidemias e [com] o aumento da pressão para migrações em massa
para os países vizinhos”, considerou.
Referiu as pessoas que foram “mortas de forma brutal”, desde 7 de
outubro, e as que são mantidas em cativeiro e exigiu que estas sejam
“libertadas imediata e incondicionalmente”. Cerca de 80% dos habitantes estão
deslocados, sendo que mais de 1,1 milhão procuram refúgio em abrigos da UNRWA
(sigla inglesa para Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina).
Neste
contexto, a comunidade internacional tem a responsabilidade de usar a sua
influência para evitar uma nova escalada de violência, em Gaza, e para pôr
termo à crise. Por isso, Guterres apelou “aos membros do Conselho de Segurança
para que exerçam pressão no sentido de evitar uma catástrofe humanitária” e
reiterou o “pedido de declaração de um cessar-fogo humanitário, que é urgente”.
E, salientando a necessidade de proteger a população civil de mais danos, defendeu
que um cessar-fogo humanitário pode salvar vidas, em Gaza, e garantir a entrega
atempada e segura da ajuda humanitária.
***
Depois de o
secretário-geral da ONU acionar o artigo 99.º, o ministro das Relações
Exteriores de Israel, Eli Cohen, e o embaixador do país na ONU, Gilad Erdan,
voltaram a criticá-lo, aumentando a tensão entre Israel e as Nações Unidas.
Nas redes
sociais, Eli Cohen disse que a carta de António Guterres ao Conselho de
Segurança da ONU constitui “um apoio à organização terrorista Hamas”. “Qualquer
pessoa que apoie a paz mundial deve apoiar a libertação de Gaza do Hamas”, escreveu.
Por
seu turno, Gilad Erdan disse que acionar o artigo 99 é uma prova da “da
distorção moral” de António Guterres e do seu “preconceito contra Israel”. “As
posições distorcidas do secretário-geral apenas prolongam os combates, em Gaza,
porque dão esperança aos terroristas do Hamas de que a guerra será interrompida
e de que serão capazes de sobreviver. Apelo, mais uma vez, ao secretário-geral
para que se demita imediatamente – a ONU precisa de um secretário-geral que
apoie a guerra contra o terrorismo, e não de um secretário-geral que atue de
acordo com o roteiro escrito pelo Hamas”, escreveu, acusando ainda António
Guterres de não “apontar explicitamente a responsabilidade do Hamas pela
situação” e de não “apelar aos líderes terroristas para que se entreguem e
devolvam os reféns”.
Todavia,
ao invés do que dizem as autoridades israelitas, na carta ao Conselho de
Segurança, o secretário-geral da ONU condena os ataques do Hamas e pede pela
libertação dos reféns. “Mais de 1.200 pessoas foram brutalmente mortas,
incluindo 33 crianças, e milhares ficaram feridas nos abomináveis atos de
terror perpetrados pelo Hamas e outros grupos armados palestinos em 7 de
outubro de 2023, que condenei repetidamente. Cerca de 250 pessoas foram
raptadas, incluindo 34 crianças, mais de 130 das quais ainda estão em
cativeiro. Elas devem ser libertadas imediata e incondicionalmente. Os relatos
de violência sexual durante os ataques são terríveis”, diz a carta de António
Guterres. No entanto, já muitas mais pessoas morreram sob ataques israelitas.
“O povo de Gaza está no meio de uma catástrofe humanitária épica perante os
olhos do Mundo”, afirmou António Guterres, referindo-se às negociações
intensivas que decorreram para prolongar a “pausa humanitária” alcançada entre
Israel e o Hamas. “Não podemos virar as costas a esta situação. Acreditamos que
precisamos de um verdadeiro cessar-fogo humanitário”, disse.
O
secretário-geral recordou que foram mortas mais de 14 mil pessoas e ficaram
feridas dezenas de milhares na Palestina, desde o início dos ataques israelitas
(7 de outubro), e vincou que mais de dois terços dos mortos, em Gaza, são
crianças e mulheres.
António
Guterres assegurou que, nos últimos dias, os Palestinianos puderam respirar,
devido ao compromisso de “pausa humanitária” e acrescentou: “Nestas poucas
semanas, foram mortas mais crianças nas operações militares de Israel, em Gaza,
do que o número total de crianças mortas em qualquer conflito, em qualquer ano,
desde que me tornei secretário-geral.” Salientou ainda que, embora a “pausa
humanitária” e as entregas de ajuda para Gaza tenham aumentado, são muito insuficientes
e que é fundamental garantir a entrega segura e ininterrupta de ajuda
humanitária a dois milhões de pessoas e a reconstrução das instalações civis.
E, afirmando que o posto fronteiriço de Rafah, por si só, não tem capacidade
suficiente para a ajuda humanitária, apelou à abertura de outros postos de
passagem, incluindo Kerem Shalom.
Depois,
esclareceu que o sucesso, em Gaza, não se pode medir pelo número de camiões
enviados e pelas toneladas de fornecimentos: “O êxito será medido pelas vidas
salvas, pelo fim do sofrimento e pelo restabelecimento da esperança e da
dignidade.”
***
O Conselho de Segurança da ONU aprovou, a 15
de novembro, uma resolução para a guerra entre Israel e o Hamas. A proposta,
apresentada por Malta, recebeu 12 votos a favor e nenhum contrário. Os
Estados Unidos da América (EUA), a Rússia e o Reino Unido, que são integrantes
permanentes do grupo e, portanto, têm poder de veto, abstiveram-se. O
texto pede a “libertação imediata e incondicional de todos os
reféns” mantidos pelo grupo extremista e a implementação de “pausas e
corredores humanitários urgentes e prolongados, em toda a Faixa de Gaza, por um
número suficiente de dias”. Essa foi a primeira resolução sobre a guerra
no Oriente Médio a ser aprovada pelo Conselho de Segurança. Em outubro, a proposta
brasileira foi vetada pelos EUA.
Entretanto, sabe-se que Israel montou um sistema de bombeamento de água
do mar que pode ser usado para inundar os túneis usados pelo Hamas,
na Faixa de Gaza, na tentativa de expulsar os integrantes do grupo
extremista islâmico da região. A operação foi revelada pelo jornal
norte-americano Wall
Street Journal.
O
exército de Israel completou a instalação de, ao menos, cinco bombas
de água perto do campo de refugiados de Al-Shati, em novembro. O mecanismo
move milhares de metros cúbicos de água por hora, inundando os túneis em poucas semanas. Porém, não há
informações se Israel considera usar esse sistema de água, antes
que todos os reféns sejam libertados. Anteriormente, o Hamas divulgara
que escondeu os prisoneiros em “lugares seguros e em túneis”.
À
agência de notícias Reuters, integrantes do governo
dos EUA, disseram que fazia sentido para Israel deixar os túneis do
Hamas inabitáveis e que o país estava a explorar formas de o fazer.
O
Ministério da Defesa de Israel, porém, não se manifestou sobre a divulgação das
informações.
Entretanto, o movimento de resistência palestiniano Hamas apelou aos
jornalistas e aos meios de comunicação social para que intensifiquem a sua
presença na Faixa de Gaza, a fim de verem a dimensão da destruição causada
pelos ataques de Israel contra Gaza, desde 7 de outubro. “Apelamos aos
jornalistas internacionais e às organizações de comunicação social a que
intensifiquem a sua presença na Faixa de Gaza, a fim de verem a extensão da
destruição e os indicadores de genocídio que o exército de ocupação e o
exército nazi infligiram às crianças, aos civis indefesos e a todas as
infraestruturas”, escreveu, no Telegram,
a plataforma de comunicação social do Hamas. A declaração refere que a
descoberta de corpos de dezenas de civis palestinianos sob os escombros, na
zona de Sabra e noutras partes da cidade de Gaza, e a extensão da destruição da
Universidade Islâmica, uma das mais importantes instituições de investigação
científica, confirmam o horror a que a população de Gaza está exposta e que o
objetivo destas ações é destruir, deliberadamente, todas as instalações e
infraestruturas e forçar a população de Gaza a migrar. Neste contexto, Osama
Hamdan, um dos líderes do Hamas, apelou ao bilionário americano Elon Musk a que
visitasse a Faixa de Gaza sob bloqueio, para ver a destruição causada pelos
ataques israelitas.
Hamdan disse: “Convidamo-lo a visitar Gaza, para ver a extensão dos
massacres e da destruição do povo de Gaza, de acordo com os padrões de
objetividade e credibilidade.”
Porém, Musk, em resposta, a partir da sua conta na plataforma X, rejeitou o convite, dizendo: “De
momento, isto parece um pouco perigoso. Mas acredito que a prosperidade de Gaza
a longo prazo beneficiará todas as partes.”
Elon Musk visitou Israel e encontrou-se com o primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu para inspecionar a cidade de Kfar Aza, atacada por membros das
Brigadas Ezzedine Al Qassam, a ala militar do Hamas, a 7 de outubro. E também
se encontrou com o Presidente israelita Isaac Herzog.
***
Também consta que o Papa Francisco usou o termo “terror” para os ataques
de Israel a Gaza numa conversa telefónica privada com o presidente israelita,
Isaac Herzog.
A reportagem do Washington Post,
com base no relato de um alto representante israelita que não quis ser identificado,
forneceu informações sobre a chamada telefónica entre o Papa e Herzog, no final
de outubro, cujo conteúdo não foi partilhado com o público.
Herzog alegou que “Israel fez o que era necessário para se defenderem”,
em Gaza, enquanto o Papa disse que os civis não deviam ser responsabilizados
pelo que aconteceu.
Nesta reunião, que Israel terá considerado demasiado “má” para ser
tornada pública, o Papa terá dito a Herzog que “é proibido responder ao
terrorismo com terrorismo” e avisou Israel sobre “o que fizeram em Gaza”. Numa
declaração ao Washington Post, o
Vaticano reconheceu que houve uma conversa telefónica entre o Papa e Herzog,
mas não forneceu informações sobre se o Papa descreveu explicitamente os
ataques de Israel em Gaza como “terrorismo”, pois a dita chamada telefónica,
tal como outras conversas que tiveram lugar nos mesmos dias, ocorreu no
contexto dos esforços para conter “a gravidade e o alcance da situação na
região”. Um porta-voz do presidente israelita recusou-se a comentar, dizendo: “Não
falamos sobre reuniões privadas.”
***
A situação é extremamente grave e tem de ser resolvida por via
diplomática. Não é justo matar pessoas com o escopo de eliminar um povo
qualquer. Guterres é censurado por ter compaixão. Com efeito, os homens da
guerra não sabem a linguagem da solidariedade, só disputam território!
2023.12.07 –
Louro de Carvalho
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