A 11 de dezembro, o primeiro dia útil à frente de
um governo de gestão, António Costa, em entrevista à TVI, expôs pontos de vista
seus, alguns deles reiterados, para balanço do estado a que, na sua ótica, está
o país e para tentar dar um elã ao sua família política, o Partido Socialista
(PS), no percurso para as eleições legislativas de 10 de março de 2024.
A abrir a entrevista, o primeiro-ministro (PM)
declarou acreditar que “o sistema de justiça
funciona”. Disse-o em resposta à questão levantada por Nuno Santos se não se
arrepende de não ter feito a reforma do sistema de justiça que Rui Rio queria,
porfiando: “As minhas convicções não mudam com as alterações das circunstâncias.”
E lembrou que a proposta de Rio, quando era presidente do Partido Social
Democrata (PSD) implicava a diminuição do Ministério Público (MP), da qual
discorda. “Não é pelas circunstâncias terem mudado que mudei as minhas
convicções”, insistiu, voltando a colocar a causa imediata da sua demissão no
parágrafo sobre si próprio no comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Fizera-o, a 7 de novembro, no anúncio da demissão, e reiterou-o, agora, quando
questionou, em antecipação à entrevista, se a PGR voltaria a fazer o mesmo,
pois uma coisa é haver uma investigação, “outra coisa é a mais alta magistrada
do MP dar conta pública de que existe um processo contra o primeiro-ministro”. “Estou
magoado, mas estou conformado”, diz o PM, continuando a confiar na Justiça e
garantindo que sabe muito bem o que fez e o que não fez. Por isso, conclui: “Não
tenho dúvida de que isto acabará com uma não acusação, com um arquivamento ou
com uma absolvição.”
O chefe do governo insistiu em explicar como o último parágrafo do comunicado da PGR, de 7 de
novembro, foi decisivo para a sua saída. “O parágrafo é acrescentado àquele
comunicado para dar notícia pública de que há uma suspeita sobre o PM, que está
a ser investigada. Eu não sei qual é a suspeita, ninguém me disse até hoje. Nem
me compete a mim procurar saber”, afirmou, sugerindo que, para “a mais alta
magistrada” emitir tal comunicado, é porque as suspeitas “só podem ser muito
fundadas”. “Sei o que fiz e sei o que não fiz. O que também sei é que a figura
de um PM não pode estar sob suspeição oficializada. Portanto, quando voltei a
falar com o Presidente da República (PR) foi para dizer o óbvio e apresentar a
minha demissão”, vincou.
Questionado sobre se não se demitia, se não fosse o tal parágrafo, disse
não poder responder com certeza. E desenvolveu: “Que eu ponderei, ponderei,
senão não teria incomodado o PR, logo às 8h30 da manhã, era uma questão que eu
estava a ponderar, e depois ouve factos novos que podiam ter contribuído
seriamente para me levar a tomar esta decisão.” Era, por exemplo, o dinheiro
achado no gabinete de Vítor Escária, de que só se soube no dia seguinte. Todavia,
antes de o saber, o PM considerou que, face ao comunicado, não tinha outra
saída. Falou com a mulher e com elementos da coordenação política do governo,
mas há decisões que se tomam solitariamente.
O PM não quer o PS envolvido na sua defesa, mas que se foque no essencial: “apresentar
o balanço deste exercício governamental e apresentar um programa mobilizador”.
Ainda sobre a operação Influencer, considerou estranho que João Galamba
tenha sido escutado durante quatro anos, mas confia que essas escutas foram
devidamente aprovadas. E aproveita para elogiar o ex-ministro, pois, na ótica
de Costa, foi um “excelente” secretário de Estado da Energia e estava a ser um
bom ministro das Infraestruturas.
António Costa discorda da ideia de que a saída do PM determina a dissolução
da Assembleia da República (AR) – e eu também – e revelou que, logo depois da
posse, o disse ao PR. Agora, com a demissão, entendeu “que tínhamos uma alternativa e era uma alternativa
credível”, com várias possibilidades de nomes, em que “uns tinham maior
autoridade partidária, outros tinham maior autoridade institucional”. E, interrogado
sobre se as eleições antecipadas põem em causa o PR, respondeu que, “em
democracia, não há plebiscitos e estas eleições não são um plebiscito ao
Presidente da República”, mas lembra que “nem o Conselho de Estado apoiou a
dissolução”. E avançou: “O que desejo é que saia uma solução estável e não
existe nenhuma solução estável sem o PS”, defendeu, avisando que o pior seria
acontecer uma “barafunda” como o que se passa nos
Açores, para onde já foram convocadas eleições antecipadas.
“Este ciclo no PS termina”, assumiu, reconhecendo total liberdade ao sucessor
para fazer diferente. Até pensa que deve ser feito diferente, mesmo sobre a
contagem de tempo de serviço dos professores. “O que seria estranho é que, ao
fim de um período tão longo de governação, se dissesse ‘toca a andar como se
nada tivesse acontecido’”, disse o PM que, ainda assim, que espera “que o PS
tenha orgulho destes anos de governação”.
Depois, passando ao ataque, em jeito campanha eleitoral, criticou: “Quando
ouço o líder do PSD, só ouço palavras do passado e só vejo caras do passado.” E,
lembrando a participação de Cavaco Silva no último congresso do PSD, atirou:
“Isso é que me deixa bastante apoquentando com a dinâmica e com a possibilidade
de alternância em Portugal.”
Ainda sobre se as eleições serão uma espécie de plebiscito à decisão do PR
de dissolver a AR, António Costa insistiu em frisar que, em democracia, não há
plebiscitos, mas que “a cada decisão que tomamos, somos julgados pelos seus
resultados”. “A decisão do PM foi um ato de verticalidade para proteger o cargo
do PM, não foi para eu sair e ir ocupar outro cargo, como se especulava. Foi
proteção da figura do primeiro-ministro e o PR tinha tido todas as condições
para tomar uma decisão que poupasse o país desta crise”, vincou, sustentando
que, no seu entender, a decisão do PR foi “errada” e que os Portugueses têm de
optar por uma solução “estável” no próximo quadro parlamentar, pois a
solução que a direita encontrou nos Açores foi um “fiasco”.
Nuno Santos perguntou ao PM se está em campanha pelo PS. E a resposta foi:
“Sou militante do PS, desde os 14 anos, farei a campanha que o líder
do PS entenda fazer. Uma coisa é certa: a boa solução para o futuro do país é
dar continuidade ao que o PS tem feito.”
Já sobre os dois candidatos à liderança do PS, o ainda
secretário-geral assegurou que “qualquer um deles tem muito mais experiência e
competência do que o candidato do PSD”. Não tem um favorito. Foi eleito líder
do PS num debate político muito intenso, vivo e esclarecedor. Teve uma vitória
clara e a sua primeira missão foi unir o PS. Ambos os candidatos trabalharam
com ele, muito próximos, tem muita estima pelos dois, um foi seu ministro até
há pouco, outro ainda é. O PS “escolherá um”.
Questionado sobre o estado da Saúde, com maternidades e urgências fechadas,
o PM foi aos números: mais dois milhões de consultas do que em 2015, mais 142
mil cirurgias do que em 2020, e mais 88 mil atendimentos nas urgências do que
em 2015. E, sobre médicos de família, disse que há mais médicos de família, mas
também há mais residentes em Portugal, daí a alteração do rácio.
Fez, depois, a defesa do novo modelo de organização do SNS através da
reforma das unidades locais de saúde (ULS). “Não se muda a cultura e o modo de
funcionamento por decreto”, disse, exemplificando com as obras no hospital de
Santa Maria, que empurraram equipas para o São Francisco Xavier. “Parecia
simples, mas foi muito complicado. O ser humano é resistente à mudança, por
isso estas mudanças têm de se fazer com as pessoas.”
Atirando para um “brutal stresse” e “enorme tensão” nos sistemas de saúde
em toda a Europa, agravados pelos anos da covid-19, que fez adiar muitos atos
clínicos, evidenciou um paradoxo: “As maiorias absolutas não ajudam a isso,
porque toda a gente está contra elas.” E mostrou-se convicto de que “os Portugueses
não gostam de maiorias absolutas”, que só acontecem, quando os Portugueses não
dão por elas. “Estou absolutamente convencido de que na segunda-feira de manhã
[após a maioria absoluta], muita gente disse: ‘Se soubesse não tinha votado
neles’.”
Sobre educação, assumiu as debilidades apontadas no mais recente relatório
PISA, mas justifica com a pandemia. “Tivemos
uma geração fortemente afetada pela covid”, apontou, mas sem esquecer
outro dado do relatório de que se orgulha: “Em Portugal, ninguém deixou de ir à
escola por carência de alimentação.” Isso também justifica a grande diminuição
de abandono escolar. E sublinhou ter assegurado o tempo de serviço dos
professores, o que permitiu uma grande progressão, sobretudo a partir de 2018,
quando o governo PS descongelou a carreira. E disse acreditar que, pelo menos
80% dos professores, já progrediu.
Para o chefe do governo, o tema
da recuperação é “catalisador de muita frustração acumulada”. Muitos professores
começaram a carreira com a perspetiva de reforma aos 55 anos e hoje têm a idade
de reforma de todos os trabalhadores. O PM acusa os sindicatos de se terem
“acantonado” na recuperação do tempo de serviço e diz que fez tudo o que achava
que devia ser feito. Porém, tem vários camaradas, agora, com ideias diferentes.
Assim, Pedro Nuno Santos promete, na moção ao congresso, a recuperação de tempo
de serviço a todos os funcionários públicos.
Questionado sobre o crescimento económico nos últimos
anos, e a comparação com outros países, o PM diz que tudo depende do prisma da
comparação. “Quem quer ganhar uma maratona tem de olhar para quem vai à frente
a chegar à meta”, vincou, referindo que, nos últimos oito anos Portugal teve
sempre um crescimento acima da média europeia, exceto em 2020, e que Portugal
cresceu “10 vezes mais” entre 2016 e 2023 “do que na média dos 15 anos
anteriores”. E tudo, com regras orçamentais apertadas e com Portugal a sair do
Procedimento por Défice Excessivo. “A redução da dívida é fundamental, não para
sermos bons alunos, mas para podermos pôr esse dinheiro em cima do Serviço
Nacional de Saúde (SNS), por exemplo”, apontou, comentando: “A maior derrota que a direita teve – e, por isso, nunca
conseguiram apresentar alternativa credível – foi esta: nós conseguimos fazer o
que eles sonhavam fazer, pôr finanças na ordem, mas sem cortar salários,
aumentando salários, sem cortar pensões, mas aumentando e ir aumentando o
investimento público.” E prosseguiu: “E, se há algo de que me orgulho é que
entrego o país com mais liberdade de escolha. O que querem fazer com o
excedente? Aumentar salários? Aumentar investimento? Fazer fundo de reserva
para o futuro?”
Ter mudado o paradigma na economia é um dos orgulhos do PM: o salário mínimo aumentou mais
de 70% nos seus anos de governação. “Mudámos o paradigma” na economia, disse o
chefe do governo, que também garante ter identificado o problema com os jovens
e estar a levar a cabo medidas para melhorar o seu rendimento. Por sua vez, “as
empresas têm também de ser competitivas na contratação”, disse o PM, para quem
“os jovens hoje querem viver de uma forma diferente”. “Não estão disponíveis
para trabalhar como nós trabalhámos e isso é uma evolução”, crê António Costa,
pondo na pandemia o início desta mudança de opção de vida.
Por fim, interpelado sobre o novo aeroporto de Lisboa, o PM diz que isso é
um “grande teste à credibilidade do PPD/PSD”. “A primeira decisão de Passos
Coelho foi dizer que a solução Alcochete (que José Sócrates tinha aceitado,
dando o ‘braço a torcer’), não era necessária, e que bastava a Portela. Depois,
avançou para a solução Montijo e eu tive a humildade de manter a decisão do
governo anterior”, afirmou. A
seguir, Rui Rio tirou o tapete, ao não aceitar mudar a lei que dizia que um
município podia bloquear a decisão. Por fim, veio Luís Montenegro, e o governo
do PS, “que tinha maioria e legitimidade para avançar sozinho”, chamou o PSD à
mesa para definir metodologia isenta para decidir a nova localização. “Aquela
comissão independente não tem uma única pessoa nomeada pelo governo”, recordou,
vincando: “Não conheço forma
mais independente de constitui uma comissão do que esta.”
***
A narrativa do PM é parcial, mas é verdadeira e deve ser conhecida. É
normal que o chefe do governo esteja incomodado por o MP declarar publicamente
um inquérito contra si, sem atender à condição de PM e sem fundamentação
sustentável, e é grave o PR vir subvertendo o sistema, dando-lhe colorido
presidencialista, ao arrepio da métrica parlamentar.
2023.12.11 –
Louro de Carvalho
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