A Comissão Eleitoral Central (CEC) da
Rússia indicou, a 10 de setembro, que o partido Rússia Unida, do presidente
Vladimir Putin venceu, por confortável maioria, as eleições locais e regionais na
Crimeia, anexada em 2014, e nos quatro territórios anexados por Moscovo na
Ucrânia, em 2022, tendo participado mais de 74% dos eleitores inscritos, uma
taxa de participação mais elevada do que em outros territórios da Rússia.
Efetivamente, realizaram-se, naquela
data, na Rússia, eleições diretas para governadores de 21 províncias, com 20 a
elegerem deputados regionais e 17 a designarem deputados municipais. E, para legitimar
politicamente a anexação dos territórios russófonos localizados na Ucrânia, realizaram-se
também naqueles territórios (apesar da guerra e de as suas forças não os
controlarem na totalidade), no dia em que, na Rússia houve eleições regionais e
municipais.
As comissões eleitorais impostas por
Moscovo em Lugansk, Donetsk, Zaporijia e Kherson, num escrutínio legitimante da
anexação, indicaram que cinco partidos com assento no Parlamento russo
apresentaram candidatos às assembleias locais, com o partido de Putin a surgir
destacado, segundo os resultados preliminares. Em Zaporijia, o partido do
Kremlin obteve 83,96% dos votos, com cerca de 60% dos boletins escrutinados; em
Kherson, tinha quase 87%; em Donetsk, liderava com 79,56%; e, em Lugansk, a
única região do leste da Ucrânia que a Rússia controla quase totalmente, estava
creditado com 74,72%, com quase 54% dos votos contados.
As eleições locais e regionais
terminaram na Rússia às 18h00 (hora de Lisboa), após três dias de votação, mas,
nas regiões anexadas e onde o voto antecipado se iniciou há uma semana, as
assembleias de voto encerraram, cinco horas antes, por motivos de segurança.
A Rússia denunciou ataques ucranianos
contra locais de votação, com um responsável do ministério do Interior, Mikhail
Davidiv, a acusar “bombardeamentos contra os colégios eleitorais e seus
arredores e [com] tentativas e destinação de explosivos e [de] drones”. E,
neste sentido, a presidente da CEC, Ela Pamfioca, disse que, na madrugada do dia
10, foi destruída uma assembleia de voto, em Zaporijia, um “ato terrorista” com
drones, enquanto a parte ucraniana reivindicava um ataque à sede do Rússia
Unida em Pologi, província de Zaporijia.
Apesar de as regiões anexadas estarem
perto da linha da frente, a CEC só cancelou as eleições num distrito e numa
localidade da província russa de Belgoro, alvo de frequentes ataques.
As assembleias legislativas eleitas
nas regiões anexadas – onde as populações possuem passaporte russo – têm 45
dias para eleger os governadores, apesar de os líderes interinos terem o apoio
de Putin: Denis Pushilin, em Donetsk, Leonid Pasechnik, em Lugansk, Yevgeni
Balitski, e, Zaporijia e Vladimir Saldo, em Kherson.
***
A Ucrânia e os Estados Unidos da América
(EUA) advertiram que os resultados destas “eleições” são pré-fabricados e, à
semelhança da generalidade dos países ocidentais e aliados (Canadá e Japão), da
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e do Conselho da
Europa, asseguraram que não vão reconhecer estas eleições “ilegais”.
A Ucrânia denunciou, a 8 de setembro,
as eleições russas a decorrer nos territórios ucranianos ocupados como ilegais,
por violarem a soberania do país, e avisou que “não terão quaisquer consequências
jurídicas”.
“As ações
da Rússia violam gravemente a soberania e a integridade territorial da Ucrânia,
as leis ucranianas e as normas do direito internacional, em particular a Carta
das Nações Unidas”,
afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano, liderado por Dmytro
Kuleba. Com efeito, para Kiev, “as
pseudoeleições da Rússia nos territórios temporariamente ocupados são inúteis”,
não vindo a ter “quaisquer
consequências jurídicas” e não conduzindo a “uma alteração do estatuto dos
territórios ucranianos capturados pelo exército russo”.
O ministério considerou que, “ao organizar eleições fictícias nas
regiões ucranianas e na Crimeia, o Kremlin continua a deslegitimar o sistema jurídico
russo”. Por consequente, a diplomacia ucraniana apelou à comunidade
internacional a que “condene as ações inúteis e arbitrárias da Rússia” e a que “não
reconheça a legitimidade de qualquer ‘administração’ criada em resultado destas
eleições ilegais, bem como de quaisquer decisões por ela tomadas”.
“Os
envolvidos nestas pseudoeleições, incluindo os dirigentes russos, os
representantes das administrações de ocupação e as estruturas eleitorais, devem
ser levados à justiça”, defendeu
o ministério de Kuleba, que acrescentou: “Trabalharemos para a imposição de novas sanções internacionais contra eles.”
Na verdade, a Ucrânia vem denunciando
pressões sobre a população para comparecer neste escrutínio, com a Administração
militar ucraniana de Lugansk a referir que os residentes foram “obrigados a
votar nos candidatos sob a vigilância de agentes russos e das forças de
segurança”.
O Estado-Maior das Forças Armadas
ucranianas exortou os residentes nos territórios anexados a boicotarem estas
eleições, e advertiu que serão utilizadas pela Rússia para futuras
mobilizações. E o governo considerou que a maioria dos candidatos que se
apresentaram às eleições “são utilizados pelos ocupantes para ocultar os verdadeiros
líderes russos”.
Já o secretário de Estado
norte-americano, Antony Blinken, descreveu as eleições como um “exercício de
propaganda”, reiterou que Washington não reconhecerá as pretensões de Moscovo “a
qualquer território soberano da Ucrânia” e avisou que todas as pessoas que
apoiem “as eleições fraudulentas da Rússia na Ucrânia, inclusive atuando como
os chamados ‘observadores internacionais’, podem estar sujeitas a sanções e
restrições de vistos”.
Em resposta, segundo a agência
espanhola Europa Press, a embaixada
russa em Washington afirmou que as observações de Blinken equivaliam a uma
interferência nos assuntos internos da Rússia: “As autoridades norte-americanas não abandonam o velho hábito de se
imiscuírem nos assuntos internos de outros países. Consideram-se autorizadas a
fazer recomendações e avisos sobre a condução de campanhas eleitorais no
estrangeiro.”
Também, a 8 de setembro, estas
eleições foram condenadas pela Organização para a Segurança e Cooperação na
Europa (OSCE), organização de que a Rússia e a Ucrânia fazem parte.
A OSCE disse que as eleições “não
terão qualquer validade ao abrigo do direito internacional” e que a sua
realização “viola a integridade territorial e a soberania da Ucrânia”.
Por seu turno, a União Europeia (UE)
condenou veementemente, a 11 de setembro, a realização de eleições nos
territórios ucranianos ocupados pelas tropas russas, apelidando o sufrágio de
uma “tentativa fútil” de Moscovo de normalizar a invasão e alertou que haverá
consequências.
“A UE condena veementemente a realização destas eleições ilegítimas na
República Autónoma da Crimeia, na cidade de Sevastopol e em partes das regiões
ucranianas do Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson”, disse em comunicado o
alto-representante da UE para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell,
explicitando que os 27 condenaram
e rejeitaram “mais uma tentativa fútil da Rússia de legitimar ou normalizar o
controlo militar ilegal e a tentativa de anexação de partes do território
ucraniano”.
As eleições
ilegais, vincou o chefe da diplomacia
europeia, são “mais uma manifesta violação da lei internacional,
incluindo da Carta das Nações Unidas, [da] independência, [da] e integridade
territorial da Ucrânia”.
Por isso, a UE “não vai reconhecer a realização das
chamadas ‘eleições’, muito menos os resultados”.
Borrell
deixou uma ameaça: “Haverá consequências destas ações ilegais para a liderança
política da Rússia e para os envolvidos na organização [das eleições].”
Depois, acrescentou que é impossível haver eleições
em territórios ocupados onde estão a ser atribuídos passaportes, “ilegal e
forçadamente”, a cidadãos ucranianos, “incluindo crianças”, onde há “transferências
forçadas e deportações, violações e abusos dos direitos humanos sistemáticas e
transversais, assim como intimidação e um aumento na repressão” de cidadãos da
Ucrânia pelas autoridades “ilegitimamente nomeadas” por Moscovo.
Por sua vez, a Organização das Nações
Unidas (ONU) manifestou, a 8 de setembro, preocupação com os relatos de que a
Rússia estava a realizar eleições em áreas ocupadas da Ucrânia e sublinhou que
este sufrágio “não tem fundamento jurídico”.
A posição da ONU foi apresentada por Miroslav
Jenca, secretário-geral adjunto para a Europa, Ásia Central e Américas, em
reunião do Conselho de Segurança agendada para discutir a situação no
território ucraniano, nomeadamente as eleições locais que a Rússia estava a
realizar nas regiões de Donetsk, de Lugansk, de Zaporijia e de Kherson.
“Estamos preocupados com os relatos de que a Federação Russa realiza as
chamadas eleições em áreas da Ucrânia atualmente sob controlo militar russo.
Estas chamadas eleições nas áreas ocupadas da Ucrânia não têm fundamento
jurídico”,
disse o representante da ONU.
Jenca citou, ainda, António Guterres,
secretário-geral da ONU, que declarou que “qualquer anexação do território de
um Estado por outro Estado resultante da ameaça ou uso da força é uma violação
dos princípios da Carta [das Nações Unidas] e do direito internacional”.
“Desejo reiterar que as Nações Unidas
continuam totalmente empenhadas na soberania, independência, unidade e
integridade territorial da Ucrânia dentro das suas fronteiras
internacionalmente reconhecidas, estendendo-se às suas águas territoriais”, frisou
o secretário-geral adjunto, considerando: “Lamentavelmente, [...] estas últimas
tentativas ilegais de organizar novos chamados processos eleitorais nas áreas
ocupadas da Ucrânia minam ainda mais as perspetivas de paz.”
Na reunião do Conselho de Segurança,
convocada pela Albânia e pelos EUA, vários países rejeitaram a legalidade e a
legitimidade destas eleições e referiam que os resultados já estavam “predeterminados”.
“Temos informações de que o Kremlin predeterminou os resultados das eleições
falsas em todo o território soberano ucraniano que a Rússia controla
temporariamente”, disse Barbara Woodward, embaixadora do Reino Unidos junto da
ONU.
“O Kremlin utiliza estes referendos e eleições falsas para tentar dar uma
aparência de legitimidade às suas tentativas de anexar ilegalmente o território
soberano dos seus vizinhos. [...] O Kremlin sabe muito bem que as suas eleições na Ucrânia são uma fraude
total”, vincou o embaixador norte-americano Robert Wood, denunciando
que soldados armados da Rússia proporcionavam a ‘segurança’ aos eleitores, em “combinação
intimidante de balas e votos”.
O representante permanente de França
na ONU, Nicolas de Rivière, alertou que “nenhum país pode considerar-se seguro”,
se for permitido à Rússia continuar este tipo de ações, pelo que é imperativo
que “cada membro das Nações Unidas rejeite, claramente e sem ambiguidade, estas
eleições falsas e defenda a Carta das Nações Unidas e os seus princípios
universais”.
O embaixador ucraniano na ONU, Sergiy
Kyslytsya, também participou na reunião, onde enfatizou que os resultados
eleitorais em causa “serão nulos e não podem produzir efeitos jurídicos ao abrigo
do direito internacional”. “Apelamos à comunidade internacional para que
condene a utilização do sistema eleitoral russo no território de outro Estado.
Também instámos a que não reconheçam os chamados resultados destas eleições
falsas”, reforçou.
***
Enfim, estas eleições desafiam tudo e
todos, impondo a normalidade não desejada. E a culpa é da ambição imperialista
russa e da ambição expansionista do Ocidente. Quem começou?
2023.09.11 – Louro de Carvalho
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