Caso sem precedentes é o de seis jovens portugueses que
acusam 33 países de violação de Direitos Humanos, por não combaterem as alterações
climáticas, como reporta o Expresso
online, a 29 de setembro, pela pena de Cláudia Monarca Almeida.
Na verdade, o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem (TEDH) ouviu, a 27 de setembro, o caso dos seis jovens portugueses que
acusam Portugal e outros 32 países de inação climática. A deliberação, que só deverá ser conhecida em 2024, já suscita
grande expectativa. Se os Estados em causa forem condenados, o impacto será
“estrondoso”.
É verdade que o TEDH já deliberou em casos sobre questões
ambientais, mas apresentados por pessoas afetadas, diretamente, por problemas
com causas específicas identificadas (por exemplo, viverem perto de fábricas e
estarem afetados por poluição), explica Heloísa Oliveira, professora da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e responsável pelo Climate
Litigation Observatory (CLO).
Como indica a investigadora, as questões climáticas
são diferentes, pois “são estruturalmente difusas” e os impactos são sentidos,
de forma indiferenciada, “entre as pessoas de certas regiões, com causas
cumulativas e difusas, transfronteiriças e diferidas no tempo”. Isto leva a que
“os casos de litigância climática
sejam disruptivos”, originando, frequentemente, decisões inovadoras, porque “o
direito vigente não foi criado para resolver problemas desta natureza”.
E “quase todas estas ações são preventivas, em relação a danos futuros, ao passo
que os outros casos do TEDH se
referem a “danos concretos que já se verificaram e não são antecipatórias”,
como é o caso em apreço.
Todavia, esta não é a única ação climática a decorrer
no TEDH. Com efeito, o Tribunal está analisar outros dois casos: um intentado
por um grupo de idosos contra a Suíça; e outro, pelo ex-autarca de
Grande-Synthe contra a França.
O caso Duarte Agostinho e outros cinco contra
Portugal e contra outros 32 Estados assume especial relevância por várias
razões. Em primeiro lugar, os autores do processo são jovens, alguns deles menores de idade, o que,
segundo Tiago de Melo Cartaxo, professor de Lei Ambiental na
Universidade de Exeter e na NOVA School of Law, leva a concluir que “faz sentido enfatizar o papel das novas gerações
na defesa dos direitos ambientais e climáticos, como elemento essencial na
promoção da justiça intergeracional”. Em segundo lugar, a ação não é apenas intentada contra um, mas também
contra mais 32 Estados, o que permite concluir que, se o TEDH decidir a
favor dos autores, “a decisão
poderá ter um impacto estrondoso nas jurisdições de um vasto número de Estados”.
E, em terceiro lugar, uma caraterística relevante do processo prende-se com o facto de já
ter sido objeto da intervenção de amplo
número entidades terceiras, como relatores especiais Organização das
Nações Unidas (ONU), da Comissária Europeia para os Direitos Humanos, da Greenpeace,
da Amnistia Internacional, de universidades e de outras organizações
interessadas no tema.
A questão que se levanta é: “Se as
alterações climáticas são problema global, podem os países ser
responsabilizados?” Ora, na audiência, os
países acusados consideraram “inegáveis” os impactos da crise climática e não
rejeitaram as provas científicas. Porém, contestaram a admissibilidade do caso,
aduzindo que o TEDH estaria a exceder o seu mandado e que, por este ser um
problema global, os queixosos não deveriam poder reclamar o estatuto de vítimas.
E Heloísa Oliveira, considerando esta argumentação previsível
e coerente com a jurisprudência do TEDH, bem como com o modelo da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem (CEDH), sustenta que “não é possível estabelecer causalidade entre as emissões com origem num
país específico e um evento que afete uma determinada pessoa”. Com efeito, “a
responsabilidade por danos resultantes de alterações climáticas não pode deixar
de ser assumida, de forma coletiva, a nível global, ainda que de forma diferenciada
entre Estados”, justifica. Não obstante, em sua opinião, tal não impede
o TEDH de apreciar se os Estados em causa, sendo emitentes e não estando a
reduzir emissões a um nível adequado à luz do consenso científico, estão ou não
a violar direitos humanos,” mesmo que outros Estados, que não são Parte da
CEDH, também o estejam.”
Tiago Cartaxo corrobora, sustentando que o argumento de as alterações climáticas
terem efeitos globais são será suficiente para o TEDH o aceitar, visto que
estão em causa 33 Estados industrializados e poluentes, que representam grande
parte da economia global e do contributo para as alterações climáticas, mas
ficam fora deste grupo países como a China, a India e os Estados Unidos da América (EUA),
que são dos maiores poluentes do Mundo. Contudo, será hipocrisia que os juízes decidam que, tendo também responsabilidade
na matéria Estados que estão fora da sua jurisdição, deixarão de julgar os Estados
incluídos na sua jurisdição.
Este caso,
a ser decidido conforme a vontade dos autores, criará precedentes jurídicos em
matéria processual e substantiva, porque ser o primeiro caso
decidido pelo TEDH em matéria de alterações climáticas. Efetivamente, se o TEDH aceitar o caso, o acesso a esse
tribunal será mais fácil para qualquer cidadão no espaço europeu, o que terá
como consequência “a propositura de mais ações climáticas”. Por outro lado, a
jurisprudência criada estender-se-á aos tribunais nacionais. Mais, como aponta Heloísa Oliveira,
sendo este tribunal europeu “o mais antigo e desenvolvido dos sistemas
regionais de proteção de direitos humanos”, é possível que influencie os mais variados órgãos e
tribunais internacionais onde decorrem outras ações
climáticas.
Tiago Cartaxo lembra que, em abril deste ano, a
Assembleia Geral da ONU aprovou, por consenso, uma resolução a solicitar um
parecer consultivo ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre as
responsabilidades dos Estados em matéria climática”. Assim, também o TIJ, que abrange
os países da ONU], aguarda a decisão do TEDH, para poder tomar uma posição no
futuro.
Para os países que ratificaram a CEDH, as decisões do
TEDH são vinculativas. A exceção será a Rússia, o único acusado que foi expulso
do Conselho da Europa, instituição que tutela o TEDH, na sequência da invasão
da Ucrânia. Poderá haver questões com o Reino Unido, que admitiu abandonar a
CEDH, devido a tensões com o TEDH em matéria de migrações. Para todos os outros países, se
o TEDH, na decisão final, der razão aos autores deste processo, as consequências
serão enormes, desde logo pela necessidade
de mais de três dezenas de Estados terem de alterar as suas legislações e as
suas políticas em matéria ambiental e climática, incluindo as metas
relativamente à neutralidade carbónica e aos demais gases com efeito de estufa.
O próprio Direito do
Ambiente da União Europeia e as suas agendas ambientais, como o Green
Deal, podem sofrer alterações no futuro, após decisão de tal envergadura. Dependendo da fundamentação da
decisão, “os Estados ficarão com o dever de reduzir as suas emissões”,
explicita Heloísa Oliveira, referindo: “O Comité de Ministros do Conselho da
Europa é o órgão com competência para verificar o cumprimento das decisões do
TEDH, pelo que os Estados teriam
de passar a prestar informações sobre que medidas foram adotadas na matéria.”
Tiago Cartaxo ficará mais preocupado, se a decisão do
TEDH “for desfavorável aos autores”, pois, sendo “O TEDH, historicamente, um dos tribunais mais avançados em Direito
Internacional, se esta for uma oportunidade perdida, as esperanças dos
ambientalistas serão menores.
Heloísa Oliveira, considerando que “há vários tipos de
ações climáticas” e que o seu impacto real dependerá dos termos do pedido, da
condenação e das entidades envolvidas (algumas ações são simbólicas, várias
não), desenvolve: “Todas as ações procedentes contra empresas – por exemplo,
redução de emissões e proibição de práticas de greenwashing – podem
ser imediatamente consequentes, não só no caso, mas também enquanto precedentes
que as demais empresas não poderão ignorar nas suas práticas, sob pena de serem
também elas condenadas. Já nas ações contra Estados e entidades públicas, os
tribunais reconhecem sempre uma margem de apreciação do poder político, mesmo
quando condenam – ou seja, o poder político é que terá de definir, entre as
várias vias possíveis, como é que irá alcançar o resultado.”
Assim, essas ações podem parecer menos eficazes, mas
todas contribuem para “identificar, especificar
e alargar os limites jurídicos à ação política”, isto é, para declarar que a
adoção de medida concretas que consigam atingir a neutralidade carbónica, a
breve trecho, não é mera opção política, mas um dever legal, “o que, até agora,
era apenas algo que ativistas reivindicavam e sobre o qual académicos escreviam”,
diz a investigadora responsável pelo CLO.
Já Tiago Cartaxo, apontando o risco da multiplicação
das ações climáticas, que pode parecer positivo, à partida, mas que pode vir a “encher
os tribunais com processos intermináveis e fazer com que o combate a um
problema urgente passe para segundo plano”, opina: “Parece-me que o TEDH tem vindo
a analisar os vários casos que se lhe têm sido apresentados, de forma bastante
cuidadosa e sensata. Acredito que um dia viremos a ter uma decisão de um
tribunal internacional que seja favorável a todo o movimento mundial de combate
às alterações climáticas. O caso
dos jovens portugueses parece ter argumentos e fundamentos razoáveis e poderá
vir a tornar-se num caso paradigmático de Direito Internacional em matéria
climática.”
Porém, os renomados investigadores consideram que a via judicial
deve ser “uma das respostas” do Direito à crise climática, mas não a única.
Outro mecanismo jurídico “bastante eficaz”, defendem, “é a inclusão de
cláusulas climáticas em contratos comerciais”.
***
Parece-me temerária e de reduzida eficácia a via judicial,
no TEDH ou no TIJ, para a resolução dos problemas ambientais, mormente no
âmbito climático. Implica alterações legislativas nos Estados e nas organizações
internacionais de Estados, a que se tem imprimido uma celeridade de caracol.
Por sua vez, a via judicial nacional também é morosa e tem dificuldade em fazer
cumprir as decisões dos tribunais, nomeadamente da parte de quem tem dinheiro
e/ou poder.
Também é injusto, em minha opinião, punir uns países
e outros ficarem isentos de punição, quando os problemas climáticos são globais
e têm de ser atacados em rede, e quando o TEDH e o TIJ não são cabazes de punir
os grandes lóbis que zelam os poderosos interesses instalados em todo o Mundo,
a começar pelos países mais pobres e/ou mais dependentes.
É, no entanto, urgente combater as alterações climáticas
e zelar pela preservação do planeta, todos cumprindo a sua parte. Porém, embora
se compreenda e aceite a revolta das novas gerações por verem o seu futuro
ameaçado, não lhes é lícito protagonizar ações que, em vez de intensificarem a ação
climática, a descredibilizam. Refiro-me à aderência (tipo birra) a instalações,
à exigência de demissões de governantes, a ataques pessoais, alguns deles
exóticos. Em alguns casos, há falta de coerência. Por exemplo, não querem os
combustíveis de origem fóssil, mas não dispensam o carro ou a moto e usam os plásticos.
E imaginem a hecatombe histórica, se nós quiséssemos
fazer um juízo, ainda que meramente histórico (mas com algumas consequências),
sobre os desleixos dos nossos antepassados, que nos dificultaram o presente,
com surtos de fome, de peste e de guerras (as guerras são o elemento mais
danoso para o planeta)!
2023.09.29 –
Louro de Carvalho
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