Quem o afirma é Maria Inácia
Rezola, comissária executiva da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 Abril,
a propósito do encontro comemorativo em Alcáçovas, freguesia e concelho do
distrito de Évora, no dia 9, que assinalou o nascimento do Movimento dos Capitães
(MC) – que se transformou, a 5 de março de 1974, no Movimento da Forças Armadas
(MFA). Assim, o 9 de setembro de 2023 é o 50.º aniversário do arranque formal
do MC, embrião do MFA. Trata-se de “uma data simbólica”, mas relevante “para o
começo da conspiração”.
A explicar a data, o começo da revolução abrilina
e a perspetivar as diversas leituras da História da instauração da democracia,
a comissária executiva da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 Abril, deu ao
Expresso uma entrevista publicada a 7
de setembro. E o entrevistador, Filipe Garcia, em texto à parte, reproduz
alguns testemunhos de capitães de abril ainda vivos.
Anunciou que, até 25 de abril de 2024, se
concretizarão várias iniciativas para “perceber como um movimento que, na sua
origem, era para contestar um decreto-lei [eram dois: o Decreto-Lei n.º 353/73, de 13 de julho, e o Decreto-Lei n.º 409/73, de 20
de agosto] que
lesava as carreiras dos capitães, se transforma num movimento político que tem
como objetivo derrubar a ditadura, descolonizar e democratizar”. E, recordando
que comemorações do cinquentenário foram planeadas num alargado arco de tempo –
desde a celebração do Dia do Estudante, em 2022, até dezembro de 2026, com a
comemoração dos 50 anos das primeiras eleições autárquicas – assegura que haverá um momento culminante das celebrações
dos 50 anos do 25 de Abril.
Obviamente,
haverá picos
de visibilidade e de intensidade, mas o dia comemorativo da revolução, em 2024,
será o ponto alto em que se assinalará o momento fundador da democracia, com o
derrube da ditadura e com a abertura das possibilidades de “instaurar uma nova
ordem”. Até lá, revisita-se o painel das condições que levaram ao golpe de
Estado e ao derrube da ditadura; e, a seguir, analisa-se “a construção das
condições para que a democracia nasça”.
Trazer os jovens para as comemorações é “um dos
grandes desafios”. E esta é a oportunidade de ouro, visto que será, “provavelmente,
a última data redonda em que temos os protagonistas vivos”. Cabe, pois, à nossa
geração a responsabilidade de passar esse testemunho entre a geração que viveu
intensamente os acontecimentos e aqueles para quem eles são “pré-história”.
Todavia, ao invés do que se diz, vinca a entrevistada, “há um enorme interesse
dos jovens no 25 de Abril e na construção da democracia”. E abona-se com a sua
experiência de docente, frisando que os jovens “têm um grande desconhecimento,
mas há uma grande vontade de conhecerem”.
Recusando a existência de
desencanto dos mais novos com a data, vinca o grande entusiamo e, com base nas
sondagens, assegura que “os Portugueses, de diferentes grupos sociais, etários e géneros”,
questionados “como percecionam o 25 de Abril”, afirmam, na sua grande maioria, que
“o 25 de Abril é a data mais importante da História de Portugal”.
Afastando-se da ideia
do seu antecessor, o ministro da Cultura, de que “a ideia era celebrar o que
unia e não o que dividia os Portugueses”, foca-se na diversidade da missão, com
“iniciativas
e propostas próprias”, cujo objetivo é, sobretudo, “apresentar a História e
fazer propostas de reflexão”, pois “a História, não é nem deve ser uma história
única”. Assim, “a ideia é trazer para a arena pública as diferentes visões”,
com suficiente “maturidade” para abordarmos “temas mais ou menos sensíveis” ou “questões
que unem ou desunem, mas que têm de ser conversadas”.
Admite que o 11 de
Março e o 25 de Novembro sejam datas complicadas, mas acentua que têm de ser tratadas, pois não se
entende o 25 de Novembro sem o 25 de Abril ou sem o 25 de abril de 1975 (das
primeiras eleições), já que não se entenderá o debate entre a legitimidade
revolucionária e a eleitoral, o que está em causa no 25 de Novembro. E não se
entende a construção da nossa democracia, se apagarmos datas, pois “todas fazem
parte da História que permitiu a construção do Portugal democrático”.
À questão se é possível
fazer uma História imparcial do 25 de Abril contrapõe a evolução da Historiografia
sobre o 25 de Abril, o que se tenta plasmar na coleção de livros a publicar. E
refere que “os primeiros a olhar com enorme interesse e a perceber a
especificidade do caso português foram estrangeiros”. Num segundo tempo, vieram
os historiadores participantes que originaram as três correntes interpretativas
(ainda são as fundamentais). A primeira, iniciada por José Medeiros Ferreira, coloca
o protagonismo nos militares, tendo sido do MFA “o pensamento estratégico da revolução”;
a segunda, inaugurada por António Reis, põe o cerne da questão nas eleições
para a Constituinte e nos partidos políticos como “quem decide o rumo da
revolução e a instituição da democracia”; e a terceira, inaugurada por autores
estrangeiros e que é a de maior sucesso, diz que “foi o povo nas ruas, nas
fábricas e nos campos que fez a revolução”.
Ora porque “a História é a apresentação de factos,
mas também de interpretações”, têm vindo a ser abertos os arquivos, mas alguns
perderam-se no furor da revolução. Por isso além da documentação, há o recurso
à história oral, criticável, mas fundamental para este período. Depois, há as
interpretações, sempre diferentes, mas “isso é que faz uma boa História”, que
nunca está acabada. Há, de facto, “muito por contar e por reinterpretar”. E
explicita: “Conhecemos o grosso dos acontecimentos, mas há novas formas de
olhar para eles e dados que, sem alterar a História, nos dão outras nuances, outras cores.” Por outro lado, está
a ser divulgada “nova documentação, quer por arquivos públicos quer de privados”.
Por exemplo, as atas do Conselho de Estado não eram conhecidas, havia parte em
arquivos públicos e parte em privados. E, quando foram reveladas “não alteraram
o rumo da História, mas permitiram ver a correlação de forças”.
Sobre a alegada divisão
do país a meio e sobre a iminência de guerra civil, a historiadora diz não gostar da História
contrafactual. Por isso, no atinente à segunda parte da questão, fez um artigo onde
concluiu que o resultado seria o mesmo, tanto no tipo de Constituição aprovada
como na conclusão do processo revolucionário. Se tivesse havido guerra,
Portugal não seria um país diferente: ganhariam os moderados na mesma. Houve,
efetivamente, “momentos de grande tensão que anunciavam a possibilidade de
golpe de Estado ou de guerra civil”. Com efeito, a partir do assalto à embaixada
de Espanha, em setembro de 1975, houve uma escalada de provocações. Como lhe
referiu o almirante Rosa Coutinho, com quem teve conversa sobre o assunto, “era
o ‘picar o bicho’, como diziam na gíria militar, para ver quem saía primeiro” e
“quem o fizesse iria fracassar”, pois “os outros estavam a preparar-se para
contra-atacar”. E admite que foi isso que “acabou por acontecer no 25 de Novembro”.
Embora admita que haja
aproveitamento político das comemorações, garante que não é isso que se
pretende. E avisa que a missão da Comissão “não é política [é-o, em minha opinião, pois
quer movimentar o país em torno de uma data política: não será política
partidária], é cultural, educativa de dinamização”. Todavia, considera que o
debate, “muitas vezes, pode ser saudável”, visto que “promove novos
conhecimentos e perspetivas sobre as realidades históricas”. E sentencia: “Passaram
50 anos, o 25 de Abril é, inegavelmente, um acontecimento histórico e nada que
façamos ou escrevamos sobre o tema vai alterar a história. Isso dá-nos uma
enorme tranquilidade para podermos discutir com a serenidade necessária.”
Do 25 de Abril diz que
a sua herança se traduz na “modernização do país que não é só económica” a ponto de o país
de 24 de Abril “não ter qualquer correspondência com o país de hoje”. Além
disso, os posicionamentos diferentes são distantes, próprios da geração que “viveu
por dentro esses acontecimentos” e que “foi reescrevendo as suas memórias”.
Maria Inácia Rezola sustenta que pretender que o 25 de novembro seja feriado não passa de
“tentativa de aproveitamento político de um acontecimento histórico”,
mas com a vantagem de introduzir “uma curiosidade e uma necessidade de saber o
que, afinal, foi o 25 de novembro”.
Quanto a custos, refere que a Comissão é tutelada
pelo Ministério da Cultura, e financiada pelo Orçamento do Estado (OE). O
somatório final dos custos será feito em 2026, quando termina a atividade da
Estrutura de Missão. Os números do presente são os da dotação orçamental inscrita
para 2022 e para 2023, que são públicos e estão no OE. A Comissão teve
disponível uma verba anual de um milhão de euros, para atividades próprias e em
parceria, e um pouco menos de 500 mil euros, para gastos de funcionamento da estrutura.
A somar a este valor e através da Direção-Geral das Artes (DGARTES), alocou-se
um milhão de euros ao concurso Arte pela Democracia, que selecionou 45 projetos
artísticos, que se realizarão por todo o país.
Pretende que “o 25 de Abril não seja olhado como
Pré-História, que exista uma consciência do que representou para o país e o que
devemos a esse legado”. E, se a democracia foi possível, graças ao 25 de Abril,
compete-nos trabalhar para que “a democracia tenha melhor qualidade”.
Por fim, sustenta que “a História Contemporânea merece
e exige um museu”. Ora, isso está em debate com o Ministério da Cultura e há já
várias possibilidades em cima da mesa.
***
O MC começado, na Guiné, no Clube Militar, a 17
de agosto, para acabar com a guerra colonial, conta Duran Clemente, coordenador
das diversas reuniões. Daí surgiu um documento assinado por 51 militares e enviado,
a 28 de agosto, aos presidentes da República e do Conselho.
Em Portugal, o lugar escolhido foi a casa do
Monte Sobral, em Alcáçovas, de Celestino Garcia, sogro do estudante de Medicina
Carrilho Leitão, instado pelo capitão Diniz de Almeida (hoje coronel).
Convocada a reunião, compareceram 136 militares, a maioria, por razões corporativas,
alguns, por curiosidade, e um grupo motivado para o derrube do poder e para o
fim da guerra (refere o agora coronel Vasco Lourenço, um dos promotores da
reunião). E foi o capitão Aprígio
Ramalho (não Carvalho, como refere o Expresso),
hoje coronel (conheço-o pessoalmente, pois foi meu comandante de batalhão, no
RI 14), quem assumiu a responsabilidade de fazer a divulgação discreta nas unidades
militares. Já Sousa e Castro, ao ser convidado por Rosário Simões, pôs como
condição o derrube do regime e a construção de um regime democrático.
Os militares juntaram-se, uns, no Templo de
Diana, e outros, na bomba de gasolina, à entrada da cidade. E Diniz de Almeida
mandou distribuir o croqui e seguir nas viaturas pessoais. Na reunião foram derrotados
os mais radicais. Os mais afoitos queriam fazer uma manifestação, fardados, na
Avenida da Liberdade, em Lisboa, do que foram demovidos por Vasco Lourenço,
pois até foi preciso inventar pretextos para as reuniões, como a despedida de
camaradas que iam para o Ultramar ou que de lá tinham vindo. Além disso,
assumiram o objetivo de recuperar o prestígio das Forças Armadas junto da
população, o que mobilizou mais gente e camuflou a atitude dos revoltosos, que
também comeram e beberam. Era a fase exploratória de discussão da via a seguir.
Alguns nem temiam a polícia política (a DGS – Direção-Geral de Segurança) – que
estava por perto e, mais tarde, surpreendeu o anfitrião, ocultada na palha – e
um quis fazer fotografias, do que foi proibido.
E Vasco Lourenço conta: “De volta à estrada e aos
quartéis, seguir-se-iam novas reuniões, de Óbidos ao Estoril, uma discrição que
crescia à mesma medida que o consenso em torno da meta, que cruzariam, oito
meses depois, se consolidava – a liberdade.”
***
Os militares arriscaram, lutaram e venceram; e o
povo aderiu. A guerra acabou; a descolonização (possível) fez-se; a democracia,
sempre imperfeita, consolidou-se; e, mesmo económica e socialmente, o Portugal
de Abril, embora precário ainda, é muito mais próspero do que antes.
2023.09.09
– Louro de Carvalho
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