De acordo com a decisão tomada, a 14 de setembro, pelo Comité de Política
Monetária do Banco Central Europeu (BCE), as taxas diretoras aumentam 25
pontos base, com efeitos a partir de 20 de setembro, pois como se
justifica, em comunicado, “a inflação continua a descer,
mas ainda se espera que permaneça demasiado elevada durante demasiado tempo”.
No entanto, o BCE sinaliza também, pela primeira vez, que não deverá
voltar a subir as taxas.
Trata-se da décima subida consecutiva desde que, em 21 de julho de
2022, a autoridade monetária da Zona Euro iniciou um ciclo de subida das taxas
de juro, tendo-as subido em 450 pontos-base (4,5%) até agora. Com esta decisão, a taxa de facilidade
permanente de depósitos aumenta para 4%, situando-se no valor mais elevado de
sempre, remunerando, agora, 3,7 biliões de euros ‘parqueados’. Isto
significa que, a partir de agora, os recursos depositados pelos bancos
comerciais junto do BCE em overnight serão
remunerados à taxa de 4%.
As restantes taxas diretoras também sofrem um aumento de 25 pontos base.
Assim, a taxa de juro das principais operações de refinanciamento passa para
4,5% e a taxa de juro aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez
aumenta para 4,75%.
A decisão do BCE não apanhou o mercado (muito dividido) totalmente de
surpresa, sobretudo depois de, no dia 13, a Reuters ter
revelado que o BCE se preparava para rever em alta as
previsões da inflação para o espaço da moeda única no próximo ano, pondo o
Índice Harmonizado de Preços do Consumidor (IHPC) acima dos 3%, em 2024. Isto
levou a que a probabilidade de um aumento dos juros subisse para 65%, ao
invés do que previa a Comissão Europeia para 2024: uma inflação de 2,9%. Fruto
de a probabilidade de nova subida dominar as perspetivas dos investidores, o
juro médio da dívida da Zona Euro, a 10 anos, subiu de 3,25%, em fins de agosto,
para 3,44%, a 13 de setembro. No caso das obrigações do Tesouro português
naquele prazo de referência, as yields (retornos de
investimento) no mercado secundário aumentaram de 3,21% para 3,42%, no mesmo
período, de acordo com o registo da Investing.com.
Na conferência de imprensa após o anúncio das medidas, Christine Lagarde, que afirmou não retira uma vírgula do que disse
em Sintra, revelou que a decisão de aumentar as taxas não foi unânime, embora
por sólida maioria: “Alguns membros teriam preferido fazer uma
pausa.”
As projeções macroeconómicas de setembro para a área do euro elaboradas por
especialistas do BCE indicam uma inflação média de 5,6% (em vez de
5,4%, avançada em junho), em 2023, de 3,2% (em vez de 3%, avançada em junho),
em 2024, e de 2,1%, em 2025 – uma revisão em alta, para 2023 e para 2024,
e uma revisão em baixa, relativamente a 2025.
A autoridade monetária da Zona Euro justifica que a revisão em alta da
inflação para 2023 e pra 2024 reflete uma trajetória mais elevada para os
preços dos produtos energéticos. “As pressões subjacentes sobre os
preços permanecem altas, embora a maioria dos indicadores tenha começado a
abrandar.” Segundo o BCE, as condições de financiamento tornaram-se mais
restritivas e estão a refrear cada vez mais a procura, o que constitui
importante fator para fazer a inflação regressar ao objetivo. O efeito desta
dinâmica é espelhado em maior enfraquecimento do enquadramento do comércio
internacional, que levou os especialistas do BCE a reduzirem as suas projeções
para o crescimento económico. E o BCE espera, agora, que economia
do espaço do euro cresça apenas 0,7%, em 2023, 1,0%, em 2024, e 1,5%, em 2025.
Também, pela primeira vez, o BCE abre a porta a que o ciclo de subidas das
taxas de juro desde julho de 2022 tenha chegado ao fim. Com base na atual
avaliação, o Conselho do BCE considera que as taxas de juro diretoras
atingiram os níveis que, se forem mantidos num período suficientemente longo,
darão substancial contributo para o retorno atempado da inflação ao objetivo.
Porém, a sua declaração salienta que as futuras decisões assegurarão
que as taxas de juro diretoras sejam fixadas em níveis suficientemente
restritivos, pelo tempo que for necessário.
Não obstante, o BCE continuará a seguir uma abordagem dependente dos dados
na determinação do nível e da duração adequados da restritividade. “As decisões
do Conselho do BCE sobre as taxas de juro continuarão a basear-se na avaliação
das perspetivas de inflação, à luz dos dados económicos e financeiros que forem
sendo disponibilizados, da dinâmica da inflação subjacente e da força da
transmissão da política monetária.”
Além disso, na conferência de imprensa, Christine Lagarde sublinhou que, no
Conselho do BCE, os governadores não discutiram o conceito de “suficientemente
longo” da manutenção das taxas de juros e que o BCE não está a anunciar “que
estamos perante o pico das taxas”. Porém, além da decisão das taxas de
juro, o BCE não pretende alterar a gestão do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP). Só referiu que o APP
está a diminuir a ritmo comedido e previsível, pois o Eurossistema deixou de
reinvestir os pagamentos de capital de títulos vincendos.
Quanto ao programa de compra de ativos para fazer face à pandemia (pandemic
emergency purchase programme – PEPP), o Conselho do BCE “tenciona reinvestir os
pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos no contexto do programa
até, pelo menos, ao final de 2024”, lê-se no comunicado do BCE. No entanto,
Christine Lagarde, após classificar “o PEPP como a primeira linha de
defesa para a transmissão“, referiu que, na última reunião do BCE, não se
discutiu “o programa PEPP e as redes de reinvestimento”, mas anunciou que “a
futura descontinuação gradual da carteira do PEPP será gerida de modo a evitar
interferências com a orientação de política monetária apropriada”.
***
A atenção dos investidores vira-se, agora, para a
reunião da Reserva Federal norte-americana (Fed), a 20 de setembro, e para a de
política monetária do Banco de Inglaterra, no dia 21.
A inflação em agosto subiu para 3,7% nos Estados
Unidos da América (EUA). Mas a inflação subjacente (excluindo as componentes mais
voláteis) desceu. Porém, o que conta, para o comum dos norte-americanos, é a
inflação de um cabaz que integra a alimentação, a energia (sobretudo os
combustíveis) e os gastos com a habitação, indicador que está em 5,2%. No
mercado de futuros, as probabilidades mais elevadas mantêm-se para uma decisão
de pausa por parte da equipa liderada por Jerome Powell, na reunião de setembro
e nas duas seguintes (em novembro e em dezembro).
Em setembro, antes desta reunião do BCE, houve 11
reuniões de bancos centrais para decidir política monetária. Com exceção de um,
a opção foi pela paragem do ciclo de subidas ou por cortes. Quatro bancos
cortaram nos juros – Arménia, Chile, Geórgia e Polónia –, com destaque para o
banco central em Varsóvia, que desceu os juros em 75 pontos-base, tendo sido acusado
pela oposição política de ter tomado uma decisão eleitoralista a favorecer o
governo nas eleições de 15 de outubro. Por uma subida optou o Banco Central da
África Ocidental, que abrange oito economias africanas, com um aumento moderado
de 25 pontos-base. Por uma pausa decidiram-se seis bancos, com destaque para o
Banco da Reserva da Austrália e o Banco do Canadá.
A próxima reunião do BCE realiza-se a 26 de outubro,
em Atenas. O Conselho já disporá da segunda estimativa da inflação de setembro,
mas não terá a estimativa para o crescimento no terceiro trimestre, que só será
publicada a 31 de outubro.
***
Com a comunicação do BCE a sair minutos antes do final da
reunião do Conselho de Ministros do dia 14, a ministra da Presidência, Mariana
Vieira da Silva, questionada pelos jornalistas sobre o aumento das taxas de
juro, respondeu que “o Governo, por várias vezes,
já deixou comentários sobre a política do BCE”, pelo que não ia “acrescentar
nada”, mas lembrou os diplomas relativos ao crédito de
habitação que o Conselho de Ministros do dia 21 aprovará, que pretendem
responder, de forma atualizada, às necessidades das famílias”.
Ao longo da tarde, os vários partidos vão reagindo a este
aumento das taxas de juro.
Eurico Brilhante Dias, líder do grupo parlamentar do Partido
Socialista (PS), considera o aumento das taxas “contraproducente”,
pois penaliza as famílias e as expetativas dos agentes económicos, quando esta
inflação tem uma raiz energética, nos alimentos e na guerra, não na procura. E reforçou
os “impactos diferenciados” que o aumento significa para os Estados-membros da
União Europeia (UE): “Nem todos os Estados-membros têm a mesma estrutura de
crédito à habitação que Portugal onde a Euribor tem um peso significativo.”
“No jogo dos juros sai sempre o prémio à banca”, que aumenta
os lucros, com aceitação pelo governo, diz disse Pedro Filipe Soares, do Bloco
de Esquerda (BE), para quem, mediante o aumento das condições do crédito, da taxa
de esforço das famílias e dos lucros obscenos que a banca regista, os bancos
devem ser obrigados “a renegociar a prestação das famílias”.
Duarte Alves, do Partido Comunista Português (PCP), disse que o
governo deve tomar medidas para obviar ao aumento do custo de vida, pela
“limitação dos preços” da energia e do retalho, para compensar “as margens de
lucro cada vez maiores” nestes setores, bem como pelo aumento dos salários e
das pensões. E, com a sua atuação no mercado, a Caixa Geral de Depósitos pode
ter um papel para garantir a redução das prestações da casa.
Rui Afonso, do Chega, considera este aumento um “momento de chantagem” da presidente do BCE aos países da Zona Euro:
“Não houve preocupação com os problemas sociais que estão a atravessar muitos
países da zona euro, nomeadamente o nosso.” E vincou: “Temos de dizer ‘basta’ aos lucros da banca. Os cinco maiores
bancos portugueses lucraram quase mil milhões de euros à custa do aumento das
taxas de juro.”
O Partido do Centro Democrático Social (CDS) defende que “os
juros com o crédito habitação devem ser abatidos no IRS”, para “aliviar as
famílias portuguesas cada vez mais estranguladas com o aumento dos custos com a
sua habitação”. Lembra que a divida pública cresceu 50 mil milhões de euros
desde 2015, o que gera significativo aumento dos juros pagos pelo Estado. Assim,
os portugueses pagarão mais de sete mil milhões de euros de juros, em 2023,
pela dívida pública crescente, o que impede a redução da carga fiscal às famílias.
Inês Sousa Real, do Partido Pessoas, Animais, Natureza (PAN)
acusou o BCE de insensibilidade para com a asfixia das famílias, pelo que
defende a importância de o PS acolher algumas propostas do PAN para a habitação,
como o “travão na subida do crédito à habitação” ou o impedimento de penhoras
de casas, para evitar uma onda de despejos, bem como medidas “no crédito
bonificado”, um alargamento do programa Porta 65 e uma “renegociação” do
crédito à habitação, de forma a “não prejudicar as famílias”.
O Livre considera “incompreensível que o BCE insista numa
subida tão agressiva dos juros”, para arrefecer a procura, que não é o que provoca
“esta inflação”, podendo, com isto, deitar gasolina, em vez de água, para cima
da fogueira. E o governo continua a não tomar em mãos o que está ao seu alcance
para apoiar as pessoas e as famílias.
Luís Montenegro, líder do Partido Social Democrata (PSD)
pergunta porque não aprova o PS as medidas do PSD para quem tem créditos à
habitação a subir. São elas a fixação temporária das prestações no valor de
abril de 2023; o diferencial transferido para o final (nos últimos cinco anos)
numa prestação adicional, ou por alargamento do prazo; e o reforço da dedução
em IRS dos juros do crédito habitação, com o alargamento para contratos
posteriores a 2011.
***
Face à política antieconómica do BCE (baixos salários e
negação dos apoios às famílias), bem como à sua política monetária, promete
apoio aos compromissos com o crédito à habitação, quando devia intervir a
montante, junto da banca, a exigir a repartição destes encargos excecionais.
Para tanto, devia contrariar a cantilena bancária de que isto é que é o normal.
Esta atitude paliativa lembra o caso da vítima de assalto à
qual o polícia oferece uma notita do seu bolso, em vez de obrigar o ladrão a
restituir todo o produto do assalto, no caso de ter sido impossível a prevenção.
É a vida! Mas não devia ser.
2023.09.17
– Louro de Carvalho
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