De acordo
com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, a 28 de setembro,
o Decreto-Lei que inicia o processo de reprivatização do capital social da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), prevendo
que este seja efetuado pela modalidade de venda direta. Com efeito, o governo
entende que “esta modalidade é a que melhor salvaguarda o interesse nacional,
indo ao encontro da estratégia definida para o setor, assente numa maior
estabilidade da estrutura acionista e na preservação do valor e da importância
da companhia para o país”.
O processo,
que prevê ainda uma oferta pública de venda dirigida exclusivamente a
trabalhadores da TAP, inclui
a integração da Portugália, da Cateringpor e da Cuidados
Integrados de Saúde no perímetro de ativos a privatizar e não prejudica a vigência do plano de reestruturação da
TAP aprovado pela Comissão Europeia, o qual tem um horizonte temporal até 31 de
dezembro de 2025.
Diz o governo
que o processo de reprivatização foi precedido de avaliação prévia da empresa (não
adiantou valores), concretizada por duas entidades independentes (a EY e o Banco Finantia).
Na conferência de imprensa subsequente à reunião
do Conselho de Ministros, o ministro das Finanças,
Fernando Medina, esclareceu que o governo definiu que pretende alienar,
pelo menos, 51% do capital da empresa (o que não exclui a privatização total),
reservando até 5% para os trabalhadores. “A privatização da TAP justifica-se, desde
que possamos aumentar o contributo que a empresa dá para o crescimento
económico do país”, reiterou o governante, segundo o qual o objetivo do governo,
com este processo, é salvaguardar cinco princípios estratégicos: o crescimento
da TAP; o crescimento do hub
nacional; a garantia do investimento e do emprego em atividades de alto valor
no setor da aviação; a garantia do crescimento de operações de ponto a ponto,
que aproveitem capacidade não aproveitada nos aeroportos nacionais, com
destaque para o aeroporto do Porto; e o valor oferecido para a aquisição das
ações da companhia, com vista a maximizar o encaixe financeiro para o país.
Quanto ao
perfil do comprador, o ministro das Finanças afirmou: “Queremos investidores de
escala do setor aeronáutico, por si ou em consórcios por si liderados, que
estejam alinhados com os nossos objetivos estratégicos. Não pretendemos atrair
puros investimentos de natureza financeira que venham a procurar entrar na TAP,
para, depois, posteriormente a alienar, ou então poder alienar partes e, no
fundo, retirar o contributo estratégico da TAP para o país.”
O
ministro das Finanças desvalorizou o referido exercício de avaliação prévia,
obrigatório por lei. “O valor de uma companhia aérea resulta de uma avaliação
contabilística de uma empresa e do valor que o adquirente valorizar a empresa,
no que ela seja complementar da sua atividade”, disse, preferindo focar-se no
preço que venha a ser oferecido e que terá em conta as sinergias para o
comprador. E, sobre o montante que o Estado poderá recuperar da injeção pública
de 3,2 mil milhões na TAP, remeteu a resposta para quando forem conhecidas as
propostas.
Por seu
turno, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, frisou que “este é o
momento apropriado para lançar este processo” e mencionou os resultados “francamente
positivos” da TAP e o bom momento que se vive no setor aeronáutico, em que há
uma grande procura por processos de consolidação. Por outro lado, rejeitou que as condições impostas venham a
prejudicar o interesse na operação. “Não são limitações para o comprador. Sinalizam
dimensões que são importantes e que as empresas de aviação valorizam. Não é
fator que pudesse desvalorizar a TAP, antes pelo contrário”, considerou.
Terá agora
início o processo de escolha dos consultores estratégico, financeiro e jurídico,
que aconselharão o Estado nesta operação, e o processo de consulta ao mercado e
de diálogo com potenciais investidores de referência no setor.
O objetivo
será no final de 2023 ou, o mais tardar, no início de 2024 apresentar, em
Conselho de Ministros, o caderno de encargos que definirá, “de forma mais fina”,
a concretização e a ponderação dos valores estratégicos que definidos como
prioritários, adiantou Fernando Medina.
O caderno de encargos definirá, com maior
detalhe, as condições das ofertas e os critérios de seleção. Segue-se a apresentação de
propostas. E uma das exigências é a preservação
do hub da TAP
no aeroporto de Lisboa.
Há já três
interessados de peso que se perfilam: a Lufthansa, a Air France – KLM e o grupo
IAG, dono da
British Airways e da Iberia. Os dois últimos já contrataram assessores
financeiros, jurídicos e de comunicação para os apoiarem neste processo.
Todos aguardavam pela
publicação do decreto-lei de reprivatização para tomarem uma decisão mais
formal sobre a entrada na corrida. “Queremos ver
as condições da participação na privatização da TAP. Acredito que pode ser
interessante para nós”, afirmou LuisGallego, CEO do IAG, na sua
intervenção no World Aviation Festival, em Lisboa, a 27 de setembro.
O passo dado no dia 28 é o
primeiro de um processo que o governo espera concluir até ao
final do primeiro semestre do próximo ano. E, juntando as
autorizações regulatórias necessárias, a venda só
deverá estar concluída dentro de um ano.
Mesmo quando já estiver na
mão dos privados, a TAP continuará sujeita ao plano de restruturação acordado
com Bruxelas e que vai até ao final de 2025. No entanto, o Governo pode solicitar
à Comissão Europeia que autorize alterações convenientes.
Tal como consagrado no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (UE),
na aplicação das regras de concorrência, a Comissão é neutra no respeitante à
propriedade das empresas, pelo que não discrimina entre
propriedade pública e privada. Por conseguinte, as condições incluídas na decisão da Comissão, em 2021, incluindo
as relativas ao plano de reestruturação, aplicam-se independentemente da
estrutura de propriedade.
Na verdade, a Comissão Europeia aprovou, em dezembro de 2021, a injeção de
2,55 mil milhões de euros em ajudas de Estado à TAP, a que se somaram
compensações para mitigar o impacto da pandemia, num total de 3,2 mil milhões
euros. A capitalização com dinheiro público obrigou à apresentação de um
plano de reestruturação, com metas financeiras, a que o Executivo
comunitário deu luz verde, mas impondo restrições para preservar a
concorrência, como a cedência de 18 slots no
aeroporto de Lisboa, que foram parar à easyJet, ou a imposição de um limite de
99 aeronaves até ao final de 2022.
A TAP tem vindo a bater as metas do plano. Em 2022, registou lucros de 65,6 milhões de euros,
três anos antes do previsto. E o primeiro semestre deste ano terminou também
com resultados positivos recorde, de 22,9 milhões, abrindo boas
perspetivas para o futuro.
A melhoria dos resultados permitiu começar a reverter as reduções salariais
antes do previsto no plano de reestruturação. Os cortes que subsistem, de 20%
acima dos 1.520 euros, deverão terminar, ainda este ano, com a
assinatura de novos acordos de empresa, como já aconteceu com os pilotos e com o
pessoal de terra. Por fechar estão as negociações com as principais estruturas
sindicais que representam os tripulantes e os técnicos de manutenção.
O governo vai por à venda “pelo menos” 51% da
transportadora.
A percentagem exata será fixada mediante as ofertas recebidas. “Não está
definido, ainda hoje, se será 51%, se será 60%, 80% ou 100%, como admitiu o
senhor primeiro-ministro. Será definido numa fase posterior e conforme decorra
a privatização”, disse Fernando Medina. Será a percentagem que garanta
“segurança no cumprimento dos objetivos estratégicos”, cuja defesa poderá
acontecer através da manutenção de uma percentagem da companhia, com
direitos especiais, ou um acordo parassocial assinado com o novo acionista.
Assim, a empresa voltará a ter donos privados,
depois de, em 2020, o governo ter avançado para a nacionalização da companhia,
cuja sobrevivência ficou posta em causa pelo impacto da pandemia no transporte
aéreo. A entrada do Estado ditou a saída da Atlantic Gateway, de David Neeleman
e Humberto Pedrosa, que tinham ganho a privatização de 2015.
***
As
reações não se fizeram esperar. Os partidos mais à direita falam em ziguezague
do governo, em falta de planeamento e em reconhecimento do erro cometido com a nacionalização.
Os partidos mais à esquerda falam em crime, em assalto e na perda de milhões de
euros – dinheiro público (dos contribuintes) –, acusando a reestruturação da
empresa de ter sido feita à custa da redução de salários e de despedimentos. Há
um partido a defender que o processo deve ser acompanhado e fiscalizado pela Entidade
das Contas. O Presidente da República exige que a lei garanta o interesse nacional.
Os trabalhadores têm por gravoso vir uma empresa espanhola a ser proprietária
da TAP. E todos querem que, a efetuar-se, a reprivatização se faça por valor
não inferior ao montante dos milhões de euros injetados na companhia aérea pelo
Estado ou pela UE.
Por
mim, preferia que a TAP continuasse maioritariamente pública. Contudo, a ser
vendida, é desejável que o contrato não deixe para o Estado os rabos-de-palha,
como indemnizações por litigâncias pendentes, encargos encobertos, ou seja, que
não venha a suceder nada parecido com o que antecéu com a venda do Novo Banco (o
Estado vendeu e pagou os encargos).
Por
fim, não partilho da ideia de que o processo da transportadora aérea enferme de
falta de planeamento, de que haja reconhecimento de erro por parte do governo
ou de que o primeiro-ministro (PM) tenha mudado, realmente, de opinião.
Bem ou
mal, pelo menos, desde que o falecido Jorge Coelho detinha, como ministro, a tutela
da TAP, a ideia da privatização parcial era notoriamente confessada através da
necessidade de o Estado conseguir um parceiro estratégico, que ninguém encontrou.
Em 2015, alegadamente por imposição da troika, o governo de Passos Coelho
privatizou a companhia aérea, reservando 5% para os trabalhadores. Veio a
saber-se, através de personalidades insuspeitas, ouvidas em sede de comissão parlamentar
de inquérito (CPI), que a privatização fora precipitada, executada em tempo de
duvidosa legitimidade do governo em funções e em condições gravosas para a empresa.
Terá sido, por estes motivos (e talvez para alinhar com os partidos que
apoiavam o seu governo minoritário) que o PM acionou o processo de
renacionalização.
Com os
problemas surgidos com o impacto da pandemia de covid-19 nos transportes aéreos
no Mundo, a TAP foi sujeita a um plano de reestruturação autorizado e apoiado
pela Comissão Europeia, que implicava uma de duas coisas: a redução salarial,
de pessoal e de algumas estruturas; ou a assunção dos encargos pelos acionistas.
Como estes não se fizeram parte interessada, teve o Estado de optar pela primeira
hipótese.
É pena
que uma companhia de bandeira se tenha capitalizado em proveito de interesses
privados e que o Estado lhe tenha de pagar, quiçá a preço exorbitante, o serviço
público que venha a prestar. Porém, não sei se os opositores a esta medida fariam
melhor, se fossem governo. Na hora da verdade, para onerar o contribuinte,
todos servem.
2023.09.28 – Louro de Carvalho
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