Por ocasião
do 27.º aniversário da Comunidade do Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinalado
pela Conferência “O ATLÂNTICO – A NOVA CARTA DO HUMANISMO”, esteve em Lisboa Edgar Morin (de 102 anos), sociólogo, antropólogo,
historiador, filósofo francês doutor honoris
causa em 17 universidades e um dos últimos grandes intelectuais da época de
ouro do pensamento francês do século XX.
A
conferência, em que interveio Edgar Morin, com a embaixadora de França, Hélène Farnaud-Defromont, sentada na primeira
fila, decorreu na
Fundação Oriente, Edifício Álvares Cabral, Doca de Alcântara (Norte) em Lisboa,
a 4 de setembro, e foi organizada pela Agrimútuo, pela CE CPLP, pela Confederação
Empresarial da CPLP e pelo Instituto do Mundo Lusófono (IMLUS). Guilherme d’Oliveira Martins, administrador executivo
da Fundação Calouste Gulbenkian, fez a abertura e Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, encerrou.
O orador, de
improviso, abordou a conquista espacial, a inteligência artificial e a guerra, mostrando
surpreendente poder de análise na sua idade e recorrendo à sua experiência, que
inclui a resistência aos nazis na França, onde nasceu, depois de a família de
judeus sefarditas ter emigrado do Império Otomano. Vidal Nahoun é o nome original
de Edgar e Morin é nome de guerra ganho no maqui (grupo oculto em zonas
montanhosas com vegetação tipo bosque).
A manhã de
Edgar Morin e da mulher, a socióloga marroquina Sabah Abouessalam, no dia 4,
começou com a ida ao palácio de Belém, onde o presidente da República condecorou
o filósofo com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, para grande alegria de
uma personalidade que conhece e aprecia Portugal, os Portugueses, a sua
História e Cultura, tendo sido traduzido e publicado, entre nós, muito cedo. A
condecoração explica o atraso no horário da conferência.
No dia 5,
houve outro momento alto da passagem de Morin por Lisboa, na Sala de Atos do
Instituto Superior de Agronomia. Sob o mote “O poder da língua e o futuro da Humanidade",
tratou-se de uma conferência organizada por João Pestana Dias, do THE KLUB,
juntamente com o IMLUS, sedeado em Paris. E, fim da tarde, foi entrevistado,
para o Diário de Notícias (DN), por Leonídio Paulo Ferreira, tendo o
filósofo abordado o risco de uma Terceira Guerra Mundial, as alterações
climáticas e as desigualdades criadas pela globalização, bem como a ligação a
Portugal, em especial a Mário Soares, que conheceu no exílio deste em Paris. E,
à noite, esteve numa casa de fadosm em Alfama, acompanhado de amigos, entre
eles Isabelle de Oliveira, professora na Universidade Sorbonne-Paris III e
presidente do IMLUS.
***
A entrevista
foi publicada online a 11 Setembro. Dela se respigam alguns pontos
essenciais.
Em relação à conquista do espaço, acredita que
será, técnica e cientificamente, cada vez mais possível que o futuro da humanidade passe pela colonização
de novos planetas, pois já se pode ir à Lua e será possível ir a Marte.
Todavia, considera que, antes de pensarmos em ir aos planetas, temos de
melhorar o destino da Humanidade aqui na Terra”. Com efeito, a ideia trans-humanista
do aumento ilimitado dos poderes do Homem é a utopia que nos levou ao desastre
ecológico. Convictos de que dominaríamos a natureza, “degradámo-la e degradámos
a nossa civilização”. Portanto, há que melhorar as relações humanas e criar
mais compreensão humana, antes de partirmos à conquista do espaço.
As
alterações climáticas são a última etapa da crise ecológica iniciada nos anos
70, diagnosticada pelo professor Meadows e que gerou a degradação da fauna, da
flora e da alimentação, mercê da agricultura industrial, que esteriliza os
solos. Agravada pelas alterações climáticas, que provocam migrações, desastres,
inundações e secas, é o problema urgente cuja solução adiámos, pois os Estados
e a opinião pública “não tiveram consciência da gravidade”.
Admite a possibilidade de a guerra na Ucrânia resultar em ataque nuclear
de consequências catastróficas, pois agrava-se, cada vez mais, “a escalada entre os dois campos”. A intervenção
militar não se confina ao Ocidente, em apoio aos Ucranianos, mas envolverá a
China e outros, em prol da Rússia. Mesmo localizada na Ucrânia, a guerra já se
tornou internacional, incluindo uma forte vertente económica internacional, “que
afeta o abastecimento de muitos países, africanos e outros, e que afeta também
as matérias-primas e todo o tipo de abastecimento, o que pode provocar grave crise
económica. E, se o conflito se generalizar teremos “uma Terceira Guerra
Mundial, de um novo tipo”.
Viveu a Segunda Guerra Mundial, integrando
Resistência (em França contra os nazis),
e assumiu a vitória dos Aliados como o momento mais importante da sua vida.
Mais do que luta enquanto judeu ou
enquanto francês, a sua luta foi, sobretudo, enquanto ser humano. E,
hoje, ao pensar na Segunda Guerra Mundial, apercebe-se de coisas que não quis
ver então. Por exemplo, vendo os bombardeamentos na Ucrânia, recorda que a
aviação norte-americana bombardeou todas as grandes cidades alemãs, massacrando
milhares e milhares de civis. Porém, os resistentes queriam a vitória aliada. Morin,
como comunista, era cego face à Rússia, à União Soviética, quando Estaline
tinha mandado executar oficiais polacos em Katyn. Agora, graças à guerra na
Ucrânia, percebe que, “na guerra do Bem contra o Mal, em que na Segunda Guerra
Mundial o mal eram os nazis, no Bem também havia mal”. Assim, os
bombardeamentos americanos e as atrocidades de Estaline (que lhe permitiram
colonizar a Polónia) eram mal. Portanto, desconfia de que esta guerra levará a
catástrofes históricas.
Sustenta que “a
globalização está ligada ao domínio do lucro sobre o Mundo”, aprofundando as
desigualdades, o que é “um fator de crise”. Por todo o lado, criam-se novas
ditaduras e a crise perpassa a democracia mundial – situação muito grave, “em
que é preciso pensar e reagir”.
Para Morin, que viveu a Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim foi
momento de otimismo, bem como a chegada de Gorbatchov ao poder. Todavia, houve fenómenos muito regressivos, na Rússia”;
e a Alemanha (foi boa a reunificação) remilitarizou-se – “um problema para o
futuro”.
A visita Portugal, com tanta gente a querer ouvir as suas ideias, deixa-o feliz, pois acredita nelas; e, ao ver que são
acolhidas e partilhadas, sente “um prazer imenso”. Acredita na virtude do pensamento
complexo que, vendo as pessoas a adotá-lo, fica feliz. E da relação especial com Portugal, enfatiza os
muitos amigos de cá. Vem a Portugal desde 1960, participou na revista O Tempo e o Modo, que tinha problemas
com a censura. Fala de amigos já falecidos, como António Alçada Baptista,
Helena Vaz da Silva e Mário Soares (conheceu-o, quando este estava no exílio,
em França). Refere que Soares teve dificuldades, porque, a seguir à revolução
dos Cravos, houve a tentativa comunista de se apoderar do poder, pelo que
escreveu um grande artigo, em França, para defender Mário Soares, pois muitos,
em França, diziam que os Portugueses não precisavam de liberdade, mas de pão.
Ora, tem haver pão e liberdade.
Pensa que “parte
da juventude tomou consciência dos problemas do planeta” e espera que, nessa consciência,
encontre a satisfação moral e participe no “combate vital pela espécie humana”.
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Edgar Morin
e Sabah Abouessalam escreveram É Hora de Mudarmos de Via – As Lições do
Coronavírus, publicado em Portugal, em 2022. A socióloga
franco-marroquina de 64 anos, sua mulher desde 2012, vê, com enlevo, o carinho
e admiração pelo marido. Sempre que o acompanha em evento público, fica
emocionada. Acha que, sobretudo nos últimos anos, tem assistido a algo que não
se explica, a não ser como sentimento de amor, que vai além da obra. É o seu humanismo
que fala cada vez mais às pessoas, sobretudo a alguma juventude que perdeu
valores e referências. Há, de facto, uma crise do pensamento, dos valores, da
ética, da política.
***
Já
em janeiro de 2017, o filósofo falou da Educação, criticando o modelo ocidental
de ensino, pois disciplinas fechadas impedem a compreensão do Mundo e do ‘eu’,
e sustentando que “é preciso educar os educadores”.
No
cenário de mudanças profundas que ocorreram, à escala mundial, nas últimas
décadas do século XX – como o avanço da tecnologia de informação, a globalização
económica e o fim da polarização ideológica nas relações internacionais –, defende
que a maior urgência no campo das ideias não é rever doutrinas e métodos, mas
elaborar uma nova conceção do conhecimento. Em vez da especialização, da
simplificação e da fragmentação de saberes, propõe um dos conceitos que o
tornaram um dos maiores intelectuais do nosso tempo, o da complexidade.
Considera
a figura do professor determinante para a consolidação de um modelo ‘ideal’ de
educação. É certo que, pela Internet,
os alunos podem aceder a todo o tipo de conhecimento sem a presença de
professor. Não obstante, é imprescindível a presença do professor, que deve ser
o regente da orquestra, observar o fluxo dos conhecimentos e dissipar as
dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando o aluno buscou uma resposta na Internet, o professor deve corrigir os
erros cometidos e criticar o conteúdo pesquisado.
Por
outro lado, é imperioso “desenvolver o senso crítico dos alunos”, para o que o
papel do professor tem de se transformar, pois a criança não aprende só com os
amigos, com a família, com a escola, pelo que é necessário criar meios de
transmissão do conhecimento a serviço da curiosidade, que o modelo de educação
não pode ignorar.
Sobre
os maiores
problemas do modelo de ensino atual, Edgar Morin entende que o
modelo de ensino do Ocidente é o que separa os conhecimentos artificialmente
através das disciplinas, não o que vemos na Natureza. Nos animais e nos vegetais,
todos os conhecimentos são interligados. E a escola não ensina o que é o
conhecimento, apenas o transmite pelos educadores, “o que é um reducionismo”.
Já o conhecimento complexo evita o erro, cometido, por exemplo, quando um aluno
escolhe mal a sua carreira. Por isso, “a educação precisa fornecer subsídios ao
ser humano, que precisa lutar contra o erro e [contra] a ilusão”.
A explicar o conceito de conhecimento complexo, começa pelo conhecimento
simples da perceção
visual. A visão das pessoas que estão connosco é uma perceção da realidade, que
traduz todos os estímulos que nos chegam à retina. Como na fotografia, as
pessoas que estão longe são pequenas, e vice-versa. Essa visão é reconstruída
de modo a reconhecermos essa alteração da realidade, pois todas as pessoas
apresentam um tamanho similar. Todo o
conhecimento “é uma tradução”, seguida de “uma reconstrução”, oferecendo ambos
os processos “o risco do erro”. E há outro ponto vital não abordado pelo
ensino: “a compreensão humana”. O
grande problema da Humanidade “é que todos nós somos idênticos e diferentes, e
precisamos lidar com essas duas ideias que não são compatíveis”. E a crise no ensino surge pela
ausência dessas matérias que são importantes para o viver. Ensina-se o aluno a
ser um indivíduo adaptado à sociedade, mas “ele também precisa se adaptar aos
factos e a si mesmo”.
Se
disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas do Mundo, pelas
disciplinas, a transdisciplinaridade é o que possibilita, a transmissão de uma
visão do Mundo mais complexa. No livro O homem e a morte, tipicamente
transdisciplinar, Morin procura entender as diferentes reações humanas ante a
morte, através dos conhecimentos da Pré-história, da Psicologia, da Religião,
mas teve de viajar por todas as doenças sociais e humanas e de recorrer aos
saberes de áreas do conhecimento, como a Psicanálise e a Biologia.
Sustenta a necessidade
de estabelecer um jogo dialético entre razão e emoção, pois a razão pura não
existe. Assim, o matemático precisa ter paixão pela Matemática: “não podemos
abandonar a razão, o sentimento deve ser submetido a um controle racional”. E,
para se conhecer o ser humano, é preciso estudar áreas do conhecimento como as Ciências
Sociais, a Biologia, a Psicologia. Porém, a Literatura e as Artes também são um
meio de conhecimento, pois ajudam a viver a qualidade estética e comunicacional
da vida.
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É
admirável o posicionamento humano deste sábio, mas importa que o assumamos.
2023.09.20 – Louro de Carvalho
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