No fim de semana de 8 e 9 de setembro, decorreu a
18.ª cimeira do G20, em Nova Deli, na Índia, que detém, neste ano, a presidência
rotativa. Nesta cimeira, o G20 decidiu admitir como membro a União Africana,
que se junta à Alemanha,
África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China,
Coreia do Sul, Estados Unidos da América (EUA), França, Índia, Indonésia,
Itália, Japão, México, Rússia, Turquia, Reino Unido (RU) e União Europeia (UE) –
grupo que reúne as economias mais desenvolvidas e as emergentes.
Não
estiveram presentes o presidente russo, Vladimir Putin, que está sob mandado de
detenção do Tribunal Penal Internacional (TPI) por suspeita de crimes de guerra
na Ucrânia, pelo que se fez representar pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Serguei Lavrov, e o presidente chinês, Xi Jinping, que se fez
representar pelo primeiro-ministro Li Qiang.
O Brasil
sucede à Índia na presidência rotativa do G20. E o presidente brasileiro, Lula
da Silva, que alertou para a “emergência climática sem precedentes”, garantiu que
vai convidar Putin para a cimeira a realizar no Rio de Janeiro em 2014, e que o
líder russo não será detido. “Se eu for presidente do Brasil e ele vier ao Brasil, não há nenhuma
razão para ele ser preso”, afirmou.
Recorde-se
que a Rússia invadiu a Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, desencadeando uma
guerra sem fim à vista. Desconhece-se o número de baixas civis e militares desta
guerra, mas diversas fontes, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU),
admitem que será muito elevado.
Esta
cimeira do G20 mostrou fortes divergências quanto à guerra na Ucrânia, à
eliminação progressiva das energias fósseis e à restruturação de dívida, que dominaram
os debates.
Não obstante, na declaração conjunta emitida no final da cimeira,
citada pela agência francesa de notícias AFP,
os países ricos são instados a honrar os seus compromissos para ajudar os
países vulneráveis a adaptarem-se às alterações climáticas e as instituições
multilaterais de crédito são convidadas a estabelecer objetivos financeiros
mais ambiciosos.
O
primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, já tinha anunciado um consenso no G20
sobre a declaração da cimeira, apesar da fragmentação do grupo em algumas questões.
“Graças ao
trabalho árduo das nossas equipas e ao vosso apoio, surgiu um consenso sobre a
declaração da Cimeira dos chefes de Estado e de Governo do G20 em Nova Deli”,
afirmou Modi, citado pela agências AFP
e EFE.
O G20, apesar
de profundamente dividido em relação ao petróleo, decidiu não apelar à saída dos
combustíveis fósseis, mas apoiar, pela primeira vez, a triplicação das energias
renováveis até 2030. Este compromisso com as energias renováveis foi encarado
como um “vislumbre de esperança”, para alguns, e um “mínimo”, para os outros,
considerando que a decisão acontece três meses antes da 28.ª conferência das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), que se realizará de 30 de novembro
a 12 de dezembro, no Dubai, pois o futuro dos combustíveis fósseis, a principal
causa da crise climática cada vez mais severa, está no centro das negociações
internacionais que culminarão com a COP28. Uma saída dos combustíveis fósseis
sem captura de dióxido de carbono (CO2) também é considerada “indispensável”
pelo primeiro relatório oficial de balanço sobre o Acordo de Paris, publicado a
8 de setembro, pela ONU. E o G7 – Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão
e RU – já aprovou, neste ano, a aceleração da saída dos combustíveis fósseis,
mas sem calendário definido.
A declaração
final da cimeira do G20, grupo que representa 80% das emissões globais de gases
com efeito de estufa, apela à “aceleração dos esforços para a redução do
consumo de eletricidade a partir do carvão”, excluindo o gás e o petróleo, e
reafirma o compromisso de “reduzir e racionalizar, a médio prazo, os subsídios
para utilizações ineficientes de combustíveis fósseis”, tal como em outras
cimeiras anteriores.
O G20, cujas
divergências geopolíticas são numerosas, seja sobre a Ucrânia, seja sobre da rivalidade
entre os EUA e a China, também se opõe sobre o futuro do petróleo, com grandes
produtores como a Arábia Saudita muito relutantes sobre o assunto.
“Os líderes
concordaram com o mínimo, uma repetição do compromisso do G20, de Bali, em 2022,
de reduzir progressivamente o carvão”, disse Lisa Fischer, especialista do
grupo E3G sobre alterações climáticas. No entanto, reconhecem que limitar o
aquecimento global a 1,5°C, o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris, “exige
uma redução rápida, forte e sustentada das emissões de 43% até 2030, em
comparação com 2019”, de acordo com as recomendações do Painel
Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que
aponta para um pico nas emissões até 2025.
Embora 2023
esteja no caminho de se tornar o ano mais quente alguma vez registado, “este
G20 deveria mostrar o caminho para um futuro sem combustíveis fósseis”, reagiu
Friederike Roder, vice-presidente da ONG Global Citizen, denunciando “um muito
mau sinal para o Mundo”.
A redução
dos combustíveis fósseis é uma das ambições do presidente da COP28: o próprio
Sultan Al Jaber, ao mesmo tempo chefe da empresa petrolífera nacional dos Emirados
Árabes Unidos (EAU) – ADNOC, considerou a sua redução acentuada “inevitável e
essencial”, uma vez construído o sistema de energia limpa do futuro. Sobre este
assunto, o G20 afirma, pela primeira vez, que “continuará e incentivará os
esforços para triplicar as capacidades de energia renovável” até 2030, meta que
deverá ter consenso na COP28. “Este é um passo significativo e surpreendente do
G20”, disse Aditya Lolla, do grupo Ember, saudando “uma grande reviravolta da
Arábia Saudita e da Rússia”.
***
Entretanto,
à margem da cimeira do G20, os EUA, a UE, a Índia, a Arábia Saudita, os EAU, a Alemanha,
a França, a Itália e a UE anunciaram, a oito de setembro, um megaprojeto de
ferrovias, portos e ligações energéticas, para ser alternativa à Rota da Seda
da China – projeto que se tornou realidade, no dia 9, com a assinatura de um
memorando de entendimento para a criação do “Corredor Económico Índia-Médio
Oriente-Europa” pelos países envolvidos. “Tenho o orgulho de anunciar que concluímos um
acordo histórico para a criação de um Corredor Económico Índia-Médio
Oriente-Europa”, afirmou o Presidente dos EUA, Joe Biden, num
evento à margem do G20, juntamente com outros líderes que têm defendido o
projeto.
A
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, classificou o projeto
como “histórico”, enquanto o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, o
considerou “importante” e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o
considerou “sem precedentes”.
Jake
Sullivan, conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, disse aos
jornalistas que a Jordânia e Israel, que não têm relações diplomáticas com a
Arábia Saudita, também participarão no projeto, que, segundo julga, contribuirá
para “uma maior integração no Médio Oriente”. A ideia é estabelecer rotas
ferroviárias e marítimas que liguem a Índia à Europa através dos EAU, da Arábia
Saudita, da Jordânia e de Israel.
Assim,
o novo corredor tem por objetivo reconfigurar o
comércio entre os países da Europa, o Golfo Pérsico e o Sul da Ásia, reduzindo
significativamente o tempo necessário para transportar mercadorias entre estas
nações. E tem, ainda, por objetivo aumentar a cooperação
energética entre os países signatários e melhorar as suas ligações à Internet. Para atingir este segundo
objetivo, será criado um gasoduto de hidrogénio verde, serão construídas
infraestruturas para ligar as redes elétricas das diferentes nações e serão
instalados cabos submarinos e terrestres para facilitar a rápida troca de
dados, disse o responsável da Casa Branca.
Apesar
da ambição do projeto, o memorando de entendimento limita-se a delinear os objetivos,
mas não define o financiamento. Por isso, o próximo passo será a criação de
grupos de trabalho pelos países signatários no prazo de 60 dias, para que
possam ser identificadas as áreas onde é necessário investimento e estabelecido
um calendário realista de execução, disse aos jornalistas Amos Hochstein,
conselheiro sénior de Biden para as infraestruturas.
O
anúncio surge numa altura em que a China tem vindo a aumentar a sua influência,
não só na região Ásia-Pacífico, mas também no Médio Oriente, nos últimos anos,
tendo sido, por exemplo, o mediador do acordo entre a Arábia Saudita e o Irão,
em março, para o restabelecimento de relações diplomáticas. E o presidente
chinês planeia receber líderes mundiais, incluindo o seu homólogo russo, em
Pequim, em outubro, para um fórum sobre a Rota da Seda.
***
São de destacar três reações às conclusões da
cimeira: a da Rússia, a da Ucrânia e a da França.
A Rússia
congratulou-se, a 10 de setembro, com os resultados da cimeira do G20,
realizada em Nova Deli, em que o grupo das principais economias do Mundo deixou
de criticar diretamente Moscovo pela invasão da Ucrânia. “O texto [final da cimeira] não faz
qualquer referência à Rússia”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros
russo, Serguei Lavrov, numa conferência de imprensa, em Nova Deli, no final da
cimeira.
Lavrov disse que a Rússia conseguiu “impedir as tentativas do Ocidente de
‘ucranizar’ a agenda da cimeira”, segundo a
agência francesa AFP. Os líderes do
G20, que estavam divididos quanto à atitude a adotar em relação à guerra russa
contra a Ucrânia, não mencionaram a “agressão da Rússia” no texto final, ao contrário
do que sucedeu após a cimeira do ano passado, em Bali, na Indonésia, em que o comunicado
final incluía um parágrafo em que a maioria dos membros “condenava veementemente
a guerra na Ucrânia”. “Apelamos a todos os Estados para que respeitem os
princípios do direito internacional, incluindo a integridade territorial e a
soberania”, disseram no texto, neste ano. “A resolução pacífica dos conflitos e os
esforços para enfrentar as crises, bem como a diplomacia e o diálogo, são
fundamentais”, acrescentaram.
Lavrov disse,
na conferência de imprensa, que “a presidência indiana conseguiu realmente unir
os participantes do G20 que representam o Sul global”, segundo a agência
espanhola EFE. E referiu que o G20
está imerso num processo de “reforma interna” de afirmação dos países do Sul
global, sugerindo que o Brasil, a África do Sul, a Índia e a China se fizeram
ouvir em Nova Deli. “Os membros do G20 do Sul [...] procuraram, de forma muito clara
e persistente, que os seus interesses fossem tidos em conta nos acordos que
foram discutidos no G20 e, como resultado, foram incluídos na declaração”,
afirmou.
A ausência
de críticas à Rússia na declaração de Nova Deli foi deplorada pela Ucrânia, no dia
9.
“O G20 não
tem nada de que se orgulhar”, reagiu o porta-voz do Ministério dos Negócios
Estrangeiros ucraniano, Oleg Nikolenko.
Por seu turno,
o presidente
francês, Emmanuel Macron, considerou insuficientes os resultados da cimeira do
G20 em matéria de clima e alertou “todo o Mundo” para a necessidade de serem fixadas
metas mais ambiciosas, como o fim dos combustíveis fósseis.
“É
insuficiente”, disse Macron, comentando a declaração final, no atinente ao
clima. A
declaração não menciona o abandono dos combustíveis fósseis, em particular o
petróleo, responsáveis pelo aquecimento global. Ora, Macron
defende o fim do recurso ao petróleo, “bem antes de 2050”, e do carvão, em 2030.
“Os países mais ricos devem fazer um esforço, estamos a fazê-lo e custa-nos”,
afirmou, pedindo aos países emergentes, nomeadamente os produtores de petróleo,
que façam a sua parte.
***
A
ação climática vai em frente, mas precisa de acelerar. “Vim ao G20 com um apelo
simples, mas urgente: não podemos continuar assim. Temos de nos unir e de agir
em conjunto para o bem comum”, disse o secretário-geral da ONU, em conferência
de imprensa em Nova Deli.
2023.09.10 – Louro de Carvalho
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